Trago em mim algo imaculado
Fui justificado perante os séculos
Fui perdoado de todos os meus pecados
Um bom abre meus olhos para quem eu não era:
Pois trago em mim algo imaculado
Parem os bondes, as mortes, o aplauso à criança torturada
Cessem os choros, judias
Cale-se a devastação que sai do útero das máquinas
Desliguem a televisão:
Trago em mim algo imaculado
Abram as portadas da cidade imaginada
Abracem-se os mendigos com os grupos de extermínio
Eu quero uma foto amarelada de magnésio a romper o tempo
Perpetuando essa esperança que se deitou em minha cama:
Trago em mim algo imaculado
Vou despejar a vida como quem segreda a morte
E me farei à imagem de algo que apenas intuo
Adeus palavras, medos, ausências:
Trago em mim algo imaculado
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
Os animais foram imperfeitos,
compridos de rabo, tristes de cabeça.
Pouco a pouco se foram compondo,
fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça vôo.
O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro
(Neruda, Ode ao Gato)
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