sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Filie

Trago em mim algo imaculado

Fui justificado perante os séculos
Fui perdoado de todos os meus pecados
Um bom abre meus olhos para quem eu não era:
Pois trago em mim algo imaculado

Parem os bondes, as mortes, o aplauso à criança torturada
Cessem os choros, judias
Cale-se a devastação que sai do útero das máquinas
Desliguem a televisão:
Trago em mim algo imaculado

Abram as portadas da cidade imaginada
Abracem-se os mendigos com os grupos de extermínio
Eu quero uma foto amarelada de magnésio a romper o tempo
Perpetuando essa esperança que se deitou em minha cama:
Trago em mim algo imaculado

Vou despejar a vida como quem segreda a morte
E me farei à imagem de algo que apenas intuo
Adeus palavras, medos, ausências:
Trago em mim algo imaculado

quinta-feira, fevereiro 01, 2007


Os animais foram imperfeitos,
compridos de rabo, tristes de cabeça.
Pouco a pouco se foram compondo,
fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça vôo.
O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro
(Neruda, Ode ao Gato)