quarta-feira, janeiro 16, 2013

O preço da pobreza rica



Manuel Bandeira foi o lírico da pobreza
Cantou o balão que caiu na Rua do Sabão
Sob as lágrimas do menino despido de todas as posses
Cantou, pela vida inteira, o Beco de sua Vida
Abrigo dicotômico e uníssono das pobres putas
E das pobres irmãs missionárias
(ambas espécies de filhas de Deus)
Cantou o homem, desprovido de sua humanidade
Bestialmente vivo no pouco que há de vida
Quando nada somos, além de estômago e ar

Como é rica a poesia de Manuel Bandeira!

Na Livraria Saraiva
O acesso ao lirismo da pobreza
E a tudo o que foi o homem Manuel Bandeira
Custa trezentos e setenta Reais.
Trezentos e setenta Reais.
E ao longe eu vejo acenar para mim:
O menino na Rua do Sabão
As putas do Beco
O homem que desvirou homem e virou bicho,
Adeus...

Como ficou pobre a poesia brasileira!

segunda-feira, janeiro 14, 2013

O Som ao Redor






O som faz toda a diferença quando se está diante de uma película. Mesmo no cinema mudo, as sucessões de imagens que deslubravam e ainda deslumbram nossos olhos eram acompanhadas de músicas que variavam de acordo com as intenções do diretor. A introdução do som no cinema, como elemento de composição e compreensão da própria película,  foi uma uma inovação que beira a revolução: é só assistir "Crepúsculo dos Deuses" para compreender o futuro naquele momento do passado. O som não é apenas um dado técnico no cinema: ele é um ator.

Eu, particularmente, não conheço nenhum filme que tenha levado tal intelecção ao extremo como "O Som ao Redor" do crítico e cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho. Neste trabalho de longa metragem (seu primeiro longa metragem) o som é o ator principal do filme; tudo que existe como retrato do cotidiano existe a partir do som que invade a tela do cinema; o som é quase tangível, quase visível.

Essa afirmação poderia gerar a impressão que o filme em si não possui um roteiro delimitado e que a experiência cinematográfica proposta por Kléber Mendonça Filho não vai além da experiência em si.
 Engano. O filme tem uma proposta narrativa que parte do cotidiano suburbano recifense (mas que poderia ser qualquer cidade do país) para demonstrar a manutenção de um status quo ancestral, emoldurado, todavia, por novos sons.

O que está por detrás do som de uma máquina de lavar? O que se esconde nas entrelinhas dos barulhos infantis toados em um playground de um condomínio? O que late, incessantemente, para nós? 

Os sons do cotidiano, na sua existência monótona e incorporada ao nosso senso do comum, estão aí para denunciar, para aterrorizar, para maravilhar.  E apenas o cinema é capaz de fazer com que nos apercebamos  de como a vida pode ser (re) vista não a partir da imagem, mas - paradoxalmente - a partir do som.

Não é por acaso que esse é um filme tão decantado e premiado: Kléber Mendonça Filho conseguiu subverter a ordem da realidade e do próprio título que ele deu a sua obra: no final, não é o som que existe ao nosso redor, mas nós que nos damos e existimos ao redor do som.  


sábado, janeiro 12, 2013

Sobre homens e flechas








Para Filipe Mussalem, no seu primeiro aniversário



Há tempos, no arco armado, esta flecha está apontada
Na linguagem muda das coisas ela me questiona:
Para onde serei lançada?
Talvez para a paz dos monastérios,
talvez para o calor das batalhas
Quiçá o canto da sala, onde antes havia um piano, se faça a sua morada

Talvez seja eu mesmo seu alvo
E disso ela ainda não saiba
Em uma noite de vento meu peito perfure
Com duras palavras, nunca lavradas

Há tempos o destino incerto da flecha

Consome ilusões com o futuro negociadas
E eu canto uma canção antiga
Que adormeça homens e armas
Para que a flecha assim permaneça
Suspensa na eternidade da meta
Sempre tesa, paralisada

A inutilidade do meu canto
Vai se mostrando a cada hora passada
A flecha se lançará sozinha
No vão sangrento da madrugada
Quando estiver eu dormindo
Sozinho, silente e mais nada
Acordarei com as mãos vazias de flecha
E o peito perfurado pelo pó da estrada


PS. passei algum tempo sem escrever no Blog, por falta de tempo, oportunidade e no advento de outras formas de comunicação na internet. Estava esperando o momento certo para recomeçar. De certo modo, meu ano começa hoje novamente.