quinta-feira, julho 28, 2011

Oikos


Na Rua Engenheiro Sampaio, havia uma casa assim
Metade dela era feita de sonhos, a outra, feita de mim
Nela havia mentiras tão belas, de soldados que dançavam no ar
De objetos transmutando em feras, de árvores que sabiam cantar
Havia um piano imaginário e um quintal que não tinha mais fim
Alguns gritos abafados em segredo, apossados como pesadelos
Nas mãos de um homem ruim
As mentiras encantavam meus olhos,
(mentiras que me diziam “sim”)
Na Rua Engenheiro Sampaio, havia uma casa assim


Mas veio a verdade dos homens, e com cimento me soterrou
Levou minha avó, seus segredos, o mistério que meu avô guardou
Os soldados que meu pai enterrava
No quintal que, depois, me acolheu
Eu disse à verdade: “me devolva”, “esse quintal é só meu”
A verdade não perdoa nada
(Nem mesmo o fato que jamais ocorreu)


O corpo do meu pai foi embora
A cozinha da minha avó, nunca mais
E as mentiras que encantavam minha história
Agora seguem insepultas na memória
E nos meus olhos que só olham para trás

domingo, julho 17, 2011

Carta ao meu pai



Querido pai, ontem fui à casa onde você nasceu, no Bairro de São José. Um gosto antigo de saudade tomou conta do meu presente. O velho casarão continua lá, caiado de verde, mas gasto pelo descaso cinza dos homens. Aliás, como os políticos têm descuidado das coisas que você amava. A arquitetura da cidade, testemunha do nascimento de tantos grandes homens, é um emaranhado de fios, abandono e ruínas. O trânsito continua um caos, mais carros nas ruas, menos pedestres nas avenidas e a vida vai passando fosca pelo vidro do carro, sempre fechado que a criminalidade não está brincadeira. Tudo no mundo anda financiado, pai: carro, moto, nascimento, casamento e até divórcio. Tenho medo do endividamento do povo. Você que tanto ensinava que comprar à vista é a chave para a paz no travesseiro. Mas parece que o motor da felicidade da nossa gente é a televisão de LCD iluminando a sala, como uma árvore de um natal infinito que se renova dia após dia. Você sempre achou isso curioso, e sabia, como ninguém, que todas as teorias econômicas ficam pequenas diante da alegria do povo, ainda que embalada no papel brilhante do crediário. A corrupção, por sua vez, meu pai, anda grande. Tanto dinheiro público gasto em quilômetros infindos de estradas que eu chego a suspeitar que estão fazendo um viaduto para chegarem por aí no céu (porque, pela porta da frente, “eles” não vão entrar). Você, que sempre lutou contra a malversação do alheio, espumaria de raiva, se a ira não fosse um grande pecado aí no paraíso celeste. Quanto a isso, não se preocupe, a gente vai se irando aqui por baixo e qualquer dia desses, tenho fé, os julgamentos deixarão de absolver os maus políticos e será permitido ao povo o uso do ovo podre e do bagaço da laranja como instrumentos da democracia participativa. Maria Eduarda perguntou a mim como é virar estrelinha no céu. Eu fiquei mudo, sem resposta, pensando que você já era uma grande estrela aqui na terra e que a gente ficou no escuro imenso sem sua luz. Meu time perdeu, pai, pode rir daí de cima. Esse riso de criança, provocador, jocoso, vai matar como pouca coisa a imensa saudade no meu peito. Por aqui a gente vai levando, vai poupando e investindo esse pouquinho da gente que sobra no final do mês.
O rádio está ligado, mas eu só ouço o eco do meu coração.

quinta-feira, julho 14, 2011

ÚLTIMA MANHÃ



Os mercados amanheceram em silêncio
Os bancos estavam de portas fechadas, não havia o que comprar
A ciranda financeira que permeia todas as coisas tácteis
Parou repentinamente como uma brincadeira de criança
Que já não quer mais brincar
Não houve pregão, nem cotação do dólar
As guerras cessaram dentro dos livros de história
Os gritos dos soldados mortos emudecidos pela manhã

Você silenciosamente caminhou por entre nossas ignorâncias
Beijou os olhos dos seus netos que dormiam
Andou pelas ondas das rádios que noticiavam o imponderável
Riu mais uma vez das nossas caricaturas, um apelido para cada um
Naquela manhã a Itália entrava em crise, os homens submergiam em corrupção
E sua crítica que antecipava, nas rádios, a nossa miséria humana
Agora desce em forma de bênçãos, de esperança, de fé e de união

terça-feira, julho 05, 2011

FILIPE

Ele vem como o vento em uma tarde vermelha

Toca a mão no meu rosto, já velho e cansado

Queria falar-lhe, mas não posso, porque já gastei todas as palavras

Ele me beija a face e aeroplanos não construídos descem em suas lágrimas

Um quarto de brinquedos cabe no hiato entre nós, na praia, no deserto

Ele fecha os meus olhos com as mãos

Eu não preciso mais ver nada