quinta-feira, dezembro 31, 2009

Tradicional como Roberto Carlos

Quando a noite era prévia ao romper do ano
Sempre escolhia uma roupa nova para a novidade do ano por vir
Para que o passado ficasse alheio a mim, e eu, novo, para o mistério do futuro
Que besteira
Hoje eu visto a mesma roupa do ano passado
A mesma roupa que eu vestirei no ano que vem
Porque eu quero o passado comigo
E os anos que se foram estarão ao meu lado no ano que é novo
Não há novidade maior que estar vivo a cada novo segundo
E em cada segundo do passado eu experimento o ano vindouro



Feliz ano novo aos neus três leitores e à infinidade dos que não me lêem
Sem promessas, mas com esperanças
armadas sempre entre o temor e a maravilha

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Feliz Natal







Pela simbologia e tradição



Pela boca dos falsos anjos e profetas



Mas pela verdade das crianças



Que seja essa a nossa oração

Momento Gastronomia - Lisboa


Depois de uns dias pela Península Ibérica, voltei à minha terra e deparei-me com um amontoado de jornais. Todos eles ficaram quietinhos, esperando meu retorno para serem lidos. Dentre tantos assuntos que me apareciam como velhas novidades, supreendeu-me a quantidade de novos restaurantes que surgiram nesses treze dias de minha ausência. Em tão pouco tempo, tantos restaurantes. A maioria deles era objeto de crítica gastronômica que tecia loas (aqui, a crítica gastronômica sempre tece loas) à profusão de "reduções", "espumas" e outras invencionices modernas que se sustentam, na maior parte das vezes, na cozinha espanhola.

Como já deixei bastante claro nesses meus escritos extemporâneos, sou adepto da cozinha verdadeira. Daquela feita com base na tradição. Na cocção lenta dos sulcos orgânicos a ponto de nos refletir no prato feito artesanalmente para nós. Olho com desconfiança, mas não com preconceito, para essa moderna cozinha molecular ou atômica ou coisa que o valha.

Ao refletir sobre o significado da "tradição" fiz um poema, há alguns anos atrás. Dediquei a um restaurante do Recife, o Leite, de matriz portuguesa, que conserva em seu cardápio e em seu ambiente o elogio ao status quo, o que lhe permite, paradoxalmente, ser revolucionário em meio à constante auto-paráfrase do mundo.

Eu havia feito, em uma das versões do poema, uma crítica à contra-tradição, representada, arquetipicamente, pela "desconstrução" gastronômica, moda já citada, de raiz catalã. O trecho do poema foi vetado na versão definitiva do mesmo, mas transcrevo aqui por entender que ele traduz o sentimento que introduz esse meu escrito:


Coisa que sabe à coisa, como eu te desejo !
Carne que tem gosto de carne, vinho que tem gosto de vinho
Mas é apenas artifício isso que vejo

(e o vinho tem gosto de carne e a carne tem gosto de queijo)
Serei eu artifício do meu original? O Mundo se modificou e não sei mais o que me é natural


Introduzo assim meu amor pela comida portuguesa. Pela comida feita com aquilo que se é: alho, azeite, pão. A trama é tecida artesanalmente como se a mesma mão centenária estivesse a guiar os cozinheiros de hoje; e nesse encontro de mãos presentes e pretéritas a tradição se transmuta atemporal e se torna muito mais que a permanência de nós.


Para homenagear a comida portuguesa, apresento "O Pinóquio".


Há treze anos atrás, quando fui a Portugal pela primeira vez, meu pai levou-me ao Pinóquio. Ficou na minha memória o gosto das azeitonas temperadas com alho, o pão de milho com manteiga, as vagens portuguesas refogadas no azeite extra-virgem. Era um mundo novo, mas, de igual modo, familiar, pois ali, no meu prato, estava também a permanência da nossa colonização.

O Pinóquio fica no centro de Lisboa, na Praça dos Restauradores, Baixa. Destaca-se em meio aos prédios históricos pelo seu verde dominante e pelos seus aquários de lagostas, sapateiras e outros frutos do mar, que aguardam o freguês (não consumidor - invenção da modernidade) guloso. Os garçons são verdadeiros malabaristas e contorcionistas, lançando seus corpos nos limites estreitos das mesas, e atendendo com precisão aos reclamos dos gourmets. O preço é acima da média dos restaurantes informais da cidade; mas vale à pena se tua alma não é sovina.

Lá, como sempre o Pica-pau: nacos de filé banhados em azeite e alho, acompanhados de batatas que, ritualisticamente, banhamos nesse bálsamo gordo e benfazejo da tradição portuguesa. Os frutos d´água são igualmente famosos: deixei-os à minha esposa que sonha mais com o mar do que com a terra. Aliás, é nos sonhos que o Pinóquio permanece como memorial da tradição: nessa metade sonhada da gente que não quer mudar.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

O nome do texto abaixo é a "Sombra de Príamo". Escrevi pensando no drama pessoal de um homem público, o político Sílvio Costa, que, diante das acusações de improbidade que recaíram sobre seu filho, foi a uma rádio e disparou verborragicamente contra tudo e contra todos, em uma clara atitude antipolítica, mas perfeitamente compreensível sob o signo da paternidade.

O que fará um pai pelo filho? Não pude responder esta questão ao longo de trinta e dois anos da minha vida. Apesar de ter em minha imaginação até então a amplitude do se doar para a descendência, logicamente não sentia na carne a possibilidade da anulação completa em nome de quem mais se ama. A maior prova de amor imposta pela divindade a um homem, nos relatos religiosos da tradição judaico-cristã, foi o sacrifício daquele que procede: o filho. E o mesmo filho seria sacrificado, posteriormente, pela divindade, fechando o ciclo do amor infinito.
Para além da metafísica, só hoje acho que posso compreender o momento mais doloroso da Ilíada, quando Príamo vai a Aquiles reclamar o cadáver de Heitor que dorme insepulto, por capricho do vencedor da batalha. É no momento em que Príamo se ajoelha perante Aquiles, e beija sua mão, que se dá toda a anulação do pai por amor ao filho. No texto traduzido, o canto de Homero ficou assim: “Por teu bom pai de um velho te apiedes/ Mais infeliz do que ele, estou fazendo/ o que nunca mortal fez sobre a terra/Esta mão beijo que matou meus filhos”.
Com um beijo o rei deixa de existir para reclamar não o seu corpo morto, mas o de seu filho, porque ao passar pela morte de sua descendência não existirá coroa ou trono capaz de deixar o rei satisfeito. A Ilíada trata da cólera de Aquiles. Mas é a cólera disfarçada de submissão de Príamo que vence o orgulho do guerreiro. Cólera que o leva, desarmado, a adentrar na tenda do inimigo para mostrar a sua dor. E quem poderia julgar a atitude de Príamo? Quem tem a paternidade no peito sabe da cólera dormente que nos levaria a nossa própria anulação por amor ao nosso filho.
Por ele invadiríamos as rádios, romperíamos alianças, lançaríamos as lanças sobre quem estivesse na frente; beijaríamos a mão do assassino. Faríamos o sacrifício imenso do corpo físico ou do corpo político para resgatar o filho que dorme, justa ou injustamente, insepulto no coração do pai que tudo agüenta, tudo suporta. A despeito de toda política que envolveu a cólera do deputado Sílvio Costa, ao ver seu filho alvo de acusações envolvendo a Secretaria de Turismo do Estado, havia ali, no momento do seu desespero perante a imensa platéia que lhe ouvia, a sombra trágica de Príamo tentando resgatar o corpo filial enterrado por palavras. Só hoje, ao olhar o sono tranqüilo da minha filha, posso entender o beijo resignado do rei Príamo e a cólera paterna do político Sílvio Costa.

domingo, novembro 29, 2009

para o infinito e além


Para onde a gente vai, pai?
Para 2010, filha
E o que tem lá?
Não faço a menor idéia
Mas você não sabe tudo?
De jeito nenhum; papai seria infeliz se de tudo soubesse
...
O bonito é isso, filha, é não ver o horizonte, mas saber que ele existe
Então me dá a mão, pai
Tem medo não, filha, a gente anda sobre as águas
É milagre, pai?
É amor, filha

sábado, novembro 28, 2009

Fratelli



Só os olhos treinados podem ver os espíritos que caminham entre nós. Entender que mais do que uma manifestação da metafísica, os espíritos são a permanência do nosso passado, destroçado, diminuído, mas ainda assim lá, a sussurrar sua teimosia em ficar no tempo que não mais lhes pertence. São unicórnios silenciosos a atestar que fomos feitos para a única certeza que trazemos na carne: que nada fica para sempre.

Um dia, as ruínas da fábrica da Fratelli Vita não existirão mais. Mas enquanto elas estão aqui, eu me sinto mais próximo dos que me antecederam, fico irmanado aos meus fantasmas, em vida; e o gosto do guaraná doce na boca transforma toda saudade em sentido.

quinta-feira, novembro 19, 2009

No Alarms and no surprises

Esse inverno em pleno dezembro,
Impede que o sol ao sol se repita
Desobedece aos simples conceitos da física
Como um anti-deus não semita

Sopra o frio nos meus ossos da face
E o que era sorriso reconstrói-se em angústia
Enquanto o mar (azul) se descobre em vidas
A minha vida se encobre em minúcias

E quedo antítese do caju e do garbo
Nevando nos dias de sol de dezembro
Pois em vão tento conter esse inverno
Que me esfria o futuro até onde me lembro

terça-feira, outubro 06, 2009


MEU BRASIL PROFUNDO

No corpo de minha filha há um trânsito infinito de gentes
Dos sertões mais longínquos do seu avô, passagem de homens e gado
Aquela foto de casal pintada à mão, sussurrando o inconfessável para além do sangue
Essa bisavó negra que deitou com tantos homens, cujos filhos legitimam meu estado de coisas

No corpo de minha filha dorme o amálgama das nações
A travessia do mar pelos árabes, o gosto pelo cobre, o nome da pataca
Meu sangue quente e insuportável que se torna palavra na boca e morre cólera
Um gosto de flor de laranjeira e de doce amarelo a dar suporte às pálpebras

No corpo de minha filha gritam os entreatos do amanhã
nossa criança portuguesa a ter esperanças de novamente ser grande
Um colar de contas, uma ousadia de cruzar a porta aberta
E o mar infinito a se tornar braços, mãos, olhos e pernas

Na cama da minha filha, repousa insone o mapa dessa anti-guerra

sexta-feira, setembro 04, 2009

NO BAR DA MIRA

Os santos africanos têm boca. Comem tudo o que a boca come, como Exu. Os santos católicos são pálidos, parecem que nunca viram um prato de pirão na vida. Parece que nunca foram na Mira. O Bar da Mira é uma dessas jóias que já fazem parte do itinerário turístico da cidade, com seus mitos e lendas e uma verdade inquestionável: a qualidade de sua cozinha. Mira é devota de Cosme e Damião, santos católicos. Mas eu acho que são os Iberês que dão as caras por lá, na hora do almoço. A comida de Mira é um ritual de fé e esperança que vai além do pão e do vinho. Coisa para poucos.
Como toda liturgia, começamos do caldinho de feijão, nominado por Edmilson, o baiano, de café. Edmilson é o celebrante desse ato religioso: filho de Mira, sua presença é indispensável para compreensão da beleza que se esconde por detrás de cada prato. Primeiramente, devemos agradecer pelo privilégio de estarmos diante da autêntica comida pernambucana. Sem invencionices de espumas, reduções, salteados. Amém, Senhor. O cabrito precoce. Aleluia. O sarapatel. Hosana. A galinha de cabidela. Saravá. Feijão, pirão, pimenta. I tego arcana dei.
E no fim do ritual, comunguemos todos na mesa em torno do doce de banana, de caju. Misturado e gelado, com o gosto de cravo a afastar qualquer pecha de pecado da gula a pairar sobre nossas cabeças abençoadas pela cerveja gelada. Oremos. A vida vale o peso exato desses momentos de paz.

quarta-feira, agosto 12, 2009

Oxóssi

Eu, bancário, advogado, professor, burocrata
De unhas cortadas, caninos serrados
Cheirando a sabonete, alfazema, boa-fé
Limitado em meus braços por conta das gravatas
Desmatado nas pernas e nas vontades
Pelas motosserras das normas e do beijo conjugal
Hei de morrer sério, católico bucal
Para dar espaço a outro, que carimbará para além de mim

E quem me dera antes da morte
Libertar do meu peito aquele que eu era
Antes de existir civilizações e belas palavras
O meu deus das matas, meu senhor Oxóssi
Abrir a jaula dos lobos e dos vampiros
Morder a carne alheia e beijar a boca furtiva
Desdenhar do rato, do impressionismo e do perdão

Corromper com árvores a sífilis do amor eterno
Destronar dos filmes o final feliz
Andar porque andava e nem me dar por isso
Desculpar a tortura, a angústia e a opressão

Quem me dera morrer apenas como casca
E viver na vida a vida a que sempre disse não

quarta-feira, agosto 05, 2009

Lembranças de mundos encantados

Passei ontem na frente do prédio central dos correios. Veio-me uma lembrança alegre de quando era de poucos anos e lendo uma revista qualquer vi um anúncio de uma coleção de livros que se intitulava "Os Quatro Mundos Encantados de Walt Disney". Corri para minha mãe e disse aquilo que eu ouço repetidamente da boca da minha filha: "eu quero !" Minha mãe não relutou muito, visto que se tratava de uma coleção de livros e que isso me faria bem, afinal de contas, crianças não costumam pedir livros de presente.
A coleção não era vendida em livrarias. Apenas por pedido via correios e pagamento por boleto (visto que naquela época não havia internet e quejandos para facilitar a vida dos consumidores) a coleção quedaria acessível às crianças mais curiosas.
Foi minha primeira lição de paciência. O tempo naquela época corria com mais vagar: estradas velhas, estatismo exagerado dos caminhos que levam às comunicações.
Em um dia de sábado, meu pai me disse: vamos aos correios, seu presente chegou. Meu pai, sempre distante do meu mundo inventado, abriu a porta do carro rumo aos quatro mundos encantados de Walt Disney. Lembro do monumento que era o prédio dos correios. Colunas, mármore, gentes. Tudo me impressionou. Meu pai me pegou pela mão. Caminhou por entre os malotes, cartas. Eu sempre impressionado, de mãos dadas com meu pai. O malote veio em papel marrom. Pesado. Era uma coleção, afinal. Em casa, larguei a mão de meu pai e rasguei com voracidade o papel marrom, adentrando naquele chamado mundo encantado. E quanto de encantamento havia: nomes de bichos, estórias centenárias, segredos científicos, fábulas e mais fábulas. Eu me lembro que, por um instante, eu senti que dominava os segredos do universo. Lembro dos desenhos. Lembro das páginas e das letras. Lembro de quão era grande e belo o prédio dos correios.
Mas disso tudo, em meio a fábulas e bichos, a coisa de que mais me lembro é da força firme da mão de meu pai.

terça-feira, julho 21, 2009

Ao Orecic, com carinho

Foi justamente na mesa de um bar que ouvi a notícia. Justamente no dia do amigo: o Orecic fechou. Assim, inevitável. Cícero bandeou-se para os lados do Rio Grande do Norte, notícias desencontradas da busca por um grande amor. Ou talvez um câncer. Nunca se sabe. A única certeza disso tudo é esse buraco no peito que chora o fim de uma era. No Orecic, eu vivi, praticamente, todas as minhas dores. E todas as alegrias também. Pelo menos até aqui. A notícia do primeiro amor, o anúncio da chegança de Maria Eduarda. A casa feia e desbotada foi testemunha de laços feitos, desfeitos e refeitos, como se fosse um monólito erigido para acompanhar a história íntima de um grupo de homens.
A comida era ruim, o lugar era feio, a cerveja tantas vezes vinha quente. Cícero não nos atendia, tantas vezes. O nosso garçom foi demitido. Mas acima de tudo era aquele nosso quintal, nossa caixa de areia, onde ternos, batas e aventais não entravam;
No início do ano eu compus um frevo chamado “Orecic Futebol Clube” que diz assim em um trecho:

É fevereiro, vem
A carne queima, bem
No Orecic tem uma mesa pra sentar

Esquece o ano, e vem
Vem no meu passo, bem
A vida à toa está na mesa desse bar

O frevo não tem mais sentido, agora. Não tem mais tempo presente. Foi para o reino das coisas idas, como o próprio Orecic, para quem, nessa manhã chuvosa de terça-feira (o anti-dia), eu dedico esse poema:

ORECIC

Eu nunca estarei em paz com a finitude das coisas
porque eu sei que junto com as coisas idas
deixamos de ser esse pouco que nos restava
largados ao vento que sopra o inevitável
deixamos o tênis, os amores, o hálito
a diferença, o choro, o tormento
e tudo fica da espessura de um fotograma na parede
tudo se resume a esse fotograma na parede
nossa tentativa absurda que reter água e areia
como se pudéssemos negociar com a finitude das coisas
e dar-lhe em troca um copo de cerveja
por, quem sabe, mais um segundo de tangência.

segunda-feira, julho 13, 2009

The times, they are a-changing

Come gather 'round people
Wherever you roam
And admit that the waters
Around you have grown
And accept it that soon
You'll be drenched to the bone.
If your time to you
Is worth savin
'Then you better start swimmin
'Or you'll sink like a stone
For the times they are a-changin'.

Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won't come again
And don't speak too soon
For the wheel's still in spin
And there's no tellin' who
That it's namin'.
For the loser now
Will be later to win
For the times they are a-changin'.

Come senators, congressmen
Please heed the call
Don't stand in the doorway
Don't block up the hall
For he that gets hurt
Will be he who has stalled
There's a battle outside
And it is ragin'.
It'll soon shake your windows
And rattle your walls
For the times they are a-changin'.

Come mothers and fathers
Throughout the land
And don't criticize
What you can't understand
Your sons and your daughters
Are beyond your command
Your old road is
Rapidly agin'.
Please get out of the new one
If you can't lend your hand
For the times they are a-changin'.

The line it is drawn
The curse it is cast
The slow one now
Will later be fast
As the present now
Will later be past
The order is
Rapidly fadin'.
And the first one now
Will later be last
For the times they are a-changin'.

sábado, junho 20, 2009

VALSA PARA AMOR, GUERRA E CIRCO


Ouço rumores de guerra
sangue, dor, desterro, vindos pelo mar
ela beija a minha boca com fúria e pouca
vontade de largar

Homens tomam a cidade, queimam fortalezas
Escravizam mães
Ela arranha a minha pele, diz que está com febre
E me pede mais

Tropas invadem por mar
Ela me morde sem fim
Enquanto eu sonho com a verdade
Ela tem saudade e me sussurra assim:

Acorda, amor
Acorda, amor
Vem ver o mar
Ver o mar
Ver o mar
Ver....

O mar, maré de gente e medo
de tanto segredo que a guerra tem
ela diz que não importa, que a vida é torta
e que eu sou seu bem

E assim a guerra adentra a noite, como um açoite
no corpo da paz
Ela puxa o meu cabelo, com terror e zelo
E me pede mais

Tropas invadem por mar
Ela me morde por fim
Enquanto eu sonho com a verdade
Ela tem saudade e me sussurra assim:

Acorda, amor
Acorda, amor
Vem ver o mar
Ver o mar
Ver o mar
Ver....

sábado, maio 02, 2009

O mundo precisa de mães


Para espantar a crise

Para dar palmadas em juízes

Para dar juízo aos políticos

Para dar abraço em putas

Para tocar os pés dos Cristos

Para lamber a alma dos papas

Para aninhar os pródigos

os sílvicolas

os loucos de todos os gêneros

Para quem, no silêncio da noite

está nu até de Deus

segunda-feira, abril 27, 2009

Botões e ratos

Quando me casei, pela segunda vez, minha ex-esposa escreveu o texto abaixo. Agora, minha ex-esposa está casada também. Encontrou o seu caminho, como eu encontrei o meu. E quão melhor o mundo seria, se fôssemos capazes de abrir nossos braços para o futuro sem os cotovelos do passado. Deve ter sido um casamento muito bonito, como são os espíritos de Aline e Edgar.

Gostaria de dizer palavras de brinde, como nos casamentos anglo-saxões. Mas as palavras de Aline, quando eu me casei, representam tudo o que eu gostaria de dizer, na mais verdadeira recíproca que pode haver entre um ex-casal:

"Fui hoje comprar um presente para o casamento de meu ex marido. Rodei a loja um tempão, tentando encontrar algo que, ao mesmo tempo, dissesse o quanto de alegria eu desejo para sua nova vida e o quanto lhe sou grata pelo seu apoio incondicional.André me ensinou que a amizade verdadeira (que é amor, no fim das contas), não precisa de um bando de coisas; só precisa de doação. Que erros podem ser reparados. Quer é possível perdoar, e, assim, curar dores terríveis. Que o rio da vida sempre continua.Nesse meu ano tão atribulado, André me deu ombro nos momentos mais difíceis. Quando me desesperei, ele mostrou que eu não precisava me sentir desamparada. Quando tive medo, ele me fez rir para espantar os demônios. Quando eu fui vítima de maledicência, ele me defendeu.Gosto de pensar que pouca gente no mundo consegue ter o que temos, depois de um divórcio. O respeito que construímos depois que nos refizemos. As "piadas internas" que mantemos. Fico muito feliz que ele tenha encontrado alguém como Fátima, que o faz enxergar o futuro sempre com olhos otimistas. E não digo isso pra parecer boazinha não, que eu nem carrego essa fama, nem dela preciso. Estou mesmo, genuinamente, feliz por ele ter encontrado seu caminho. Desejo aos dois toda a sorte que houver nessa vida. Encontrar um amor é muito difícil, e quando acontece... bem... quando acontece nunca mais a vida é a mesma.Acabei escolhendo um presentinho bobo, mas alegre. Tão alegre quanto desejo que a vida seja: para Fátima e André, para os bebês, e para mim também; por que não?"

sábado, abril 18, 2009

Maria´s song


Escuta, Maria, eu andei toda vida para te encontrar
Maria, Maria, duas linhas perfeitas não podem se tocar
E os meus sóis,
que se horizontam além de nós
brilharão sagrados
se tua noite antiga com eles se casar

Escuta Maria, pé no chão, fé na lida é que posso te dar
Maria, Maria, e o som da poesia que me trouxe pra cá
E quem de nós
poderá dizer que sós
seguiremos todos
se as nossas linhas querem se eninhar

Quando a noite nos chegar

Para a vida nos casar

Pé na reta e mira o mar

Maria....

quinta-feira, abril 09, 2009


Quantos nomes você terá?

Lê, Lelê, Amor, Meu Raio de Sol

Mas o que há em um nome?

Se o que interrompe a madrugada são seus olhos

Se o que deixa ansioso é não poder ser como o vento

e soprar nos seus ouvidos

Todo o amor que haverá por aqui afora

E nem sei se esse sopro será em Raquel ou em ti

porque ambas, imensas

são, sem nome, a extensão de mim

quinta-feira, março 12, 2009

FODEU


quarta-feira, março 11, 2009

ponto final

"Se viessem os ciganos
Com teu coração fariam
Anéis e colares brancos.
Oh, foge lua, lua, lua.
Quando vierem os ciganos,
Te acharão sobre a bigorna
Com teus olhinhos fechados.
Foge lua, lua, lua,
Que já sinto os seus cavalos
Deixa-me, filho, e não pises
O meu alvor engomado."

(tradução de Flaviola, sobre poema de Lorca, musicado pelo Flaviola, magistralmente gravado pro Amelinha, sentida por mim)

quarta-feira, fevereiro 25, 2009


Haverá sempre uma quarta-feira a nos lembrar do final
que a felicidade não é desse mundo,
que essa cidade é um vale de sangue e de sombras
que a alegria é um pecado,
que o martírio é nossa bandeira

Mas o nosso peito que não se entrega à confissão
o nosso peito pagão
lançará confetes sobre nossas cabeças
no dia de se lavarem as cinzas
a esperança sagrada será substituída
pela terça-feira gorda
que será então a última a morrer

segunda-feira, fevereiro 23, 2009



Finda a tempestade, o sol nascerá (com uma raiva do caralho); ai dos que vão sem protetor solar

Sempre haverá o carnaval no meio desse blog


O Galo é para os loucos de todo o gênero, especificamente os que nasceram frevando

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Genuflexório


Na curva perigosa dos trinta
Encontrei o Zé Pelintra; que dor
O miserável do meu corpo se apossou
E libertou essa sede tão infinda, essa fome que
de tão grande já não cabe no catecismo da alma
Alma, alma, alma
Lobo sem dentes, macaca risonha
E esse cavalo manco a foder o peito de quem sonha

sábado, fevereiro 14, 2009

O Bode Dourado

Cabeça Branca é o nome do sujeito. Só o dedo de prosa vale o calor da Encruzilhada. Mas o percurso não termina nas palavras, o Bode Dourado tem e merece a fama do melhor bode de Recife. Comer bode é uma arte para poucos. O sabor não agrada a todos. Mas a base do sertão vem ali, no prato, dourado como diz o nome. Acompanhado do pirão. Da vinagrete. Da farofa. O dourado do nome está na capa que protege a maciez da carne, dourada, resultado de algum tempo no forno depois de ter sido amaciada na cocção.

Quando servido, o bode é crocante, com o sabor característico preservado, seja no pernil, seja na costela. Os ossos se acumulam no prato, que mimetiza um cemitério dos prazeres passageiros, sem nos dizer "nós, que aqui estamos, por vós esperamos". Não, é antes um cemitério da boa lembrança, do gosto da carne minuciosamente preparada.

A simplicidade do lugar é inversamente proporcional a grandeza do preparo do bode. Esse animal que resiste às intepéries da vida, do solo seco, a palo duro, mas felizmente domado pela nossa fome, pois triste do bicho que o homem come.

(PS - Depois do bode, sugiro o licor de cana de açúcar de Triunfo, gelado, doce, perigosíssimo).

Abraços, Edvaldo, ó cabeça branca.

Bode Dourado
Rua Dr. José Maria, 217, lojas 09 e 10.
Encruzilhada
Recife

domingo, fevereiro 08, 2009

Gastronomia - daqui para frente

Desde que eu abri o blog tenho escrito várias poesias, publicado coisas alheias, tentado escrever na net, o que eu não escrevo em livros, papéis. Sempre guardei em mim um assunto que gostaria de falar porque me toca de maneira especial e mui profunda. A gastronomia da minha cidade. Mas a gastronomia acessível. Que me faz acreditar que a comida na mesa revela o tanto de gente e bicho que há em nós. Que eleva à alma até a carne, porque alma pela alma não tem gosto de nada, nem de hóstia.
Logicamente não vou publicar receitas. Não tenho competência para isso. O que eu quero é desvelar caminhos que acabei conhecendo, por tanto amar me perder entre os sabores. É uma forma de tornar esse blog mais útil também. Poesia não enche barriga de ninguém. (rimou).

Ainda sobre João do Morro

Ano passado, escrevi um artigo sobre João do Morro. Aliás, sobre a censura que queriam fazer às suas músicas. Até hoje esse artigo rende comentários. Ao tentar demonstra que o cadinho marginal (à margem do oficial) que dá origem às letras das músicas de João do Morro é o mesmo que foi nascedouro de tantos sambas (de Noel Rosa à Lamartine Babo) dei espaço a interpretações que levaram meu discurso para um caminho que eu não havia seguido: o da comparação do samba de Noel Rosa com o samba de João do Morro. De vero, nunca quis comparar coisa com outra, até porque, para mim, os critérios de definição do que é arte e do que vale como arte ainda não foram bem definidos. Gosto de ouvir Noel Rosa. Tenho curiosidade pela música do João.
Ontem, no Guaiamum Treloso, tive a oportunidade de escutar novamente João do Morro. A música dele é de uma precariedade gritante. "Balaiagem" (sic) tem uma melodia copiada de tantas outras que seguem uma sequência maior-menor-maior. A letra tem lacunas propositais decorrentes da falta de intimidade com a língua.
Mas a originalidade e a verdade da letra de João do Morro sempre me surpreendem. E não tem teoria musical que me tire o sorriso do rosto.

quinta-feira, janeiro 01, 2009