sábado, dezembro 31, 2011

Ano Novo 3.1

Não, não adianta pular as ondas do mar
Guardar sementes de romã, segredar dentro da carteira
Os caroços da uva verde que você destronou com volúpia
Por entre os dentes sedentos de um futuro bom
Não vai resolver esta roupa branca, estendida ao sabor das espumas
O dourado, o vermelho, o azul traduzidos em desejo de algo
A se mostrar sem nitidez no horizonte messiânico
Nada disso trará a felicidade nesse ano que virá
Você precisa da tristeza
Você precisa dela a descobrir as camadas das tuas retinas
Então é melhor se preparar para chorar


Talvez você se case, talvez perca um grande amor
Quem sabe aquela promoção, quiçá sentirá fome
Mas para além de todas as tentativas de reter o futuro
Na palma da sua mão
Haverá uma noite neste ano indefinido
Uma noite apenas, em que a lua, silenciosamente, invadirá o seu repouso
E brilhará lindamente no seu quarto enquanto você dorme e sorri

quinta-feira, dezembro 22, 2011

Tombamento e Permanência




Se a mim fosse dado escolher um poder, dentre os poucos possíveis aos homens, escolheria o poder de tombar. Sem processo administrativo, sem as burocracias das adequações históricas, eu salvaria da finitude do tempo aquilo que eu penso amar. Tombaria as árvores imensas do quintal da minha avó, tombaria os nomes de rua, do Recife que quase virou pó. Não o Recife das grandes revoluções, das Igrejas seculares, dos casarões sem fim. Estes já são tombados, já foram, pelo Governador, resguardados; e, de certo modo, eu os conservo em mim. Eu tombaria o Recife das pequenas revoluções: uma mercearia antiga, a padaria da esquina, o vendedor de doces desfilando seus bordões. A Brasília azul do meu pai jamais seria vendida, eu desfilaria com ela aos domingos desafiando com sorrisos o tempo das coisas idas.


Eu tombaria o muro de uma casa, onde se deu um primeiro amor. Os anos em que o Sport, sem muitas dificuldades, consagrou-se vencedor. Não haveria necessidade de decreto, de publicação no diário oficial. De parecer dos arquitetos, dos historiadores, de adequação ao fato social. Bastava ser agradável aos sentidos e eu assinaria o ato. Imunizaria a memória da cegueira branca dos homens e o capitalismo que pagasse o pato.


Ninguém construiria arranha-céu onde sorriu o meu avô, na frente do Edifício Caiçara, que por força das retinas e das vontades pequeninas, da força demolidora dos homens se salvou. E defronte ao mar infinito, no lugar em que o tempo é mais bonito, o Edifício Caiçara vai ficando. Graças a união das saudades partidas, um castelo foi salvo, ladeado por outras coisas que, pela cegueira dos homens, vão se perdendo. Quisera eu ter o poder de tombar o mundo e dissipar essa ausência que, lentamente, vai me doendo.


Eu proibiria, sem decretos, tudo que amamos fenecer: pois se é do sonho dos homens que uma cidade se inventa, é pela memória do povo e pela saudade que aumenta que ela vai permanecer.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Relicário





A família Aires de Souza possuía por tradição imemorial – segundo contavam as crônicas genealógicas das famílias do século XIX, hoje arregimentadas no arquivo público – a retirada proposital de uma víscera do corpo para escondê-la encaixotada e além da própria morte ou vida. Esse estranho hábito ensinado por um pai negro, quando a família ainda residia em Lisboa, de acordo com fontes infidedignas, estava ligado à ascendência judia dos Aires de Souza; a um desejo inafastável de guardar o que lhe era mais precioso.

O avô de Gertrudes possuía em uma caixa de madeira, seu estômago. E isso lhe permitia os ganhos com os negócios de açúcar, bem como a falta de qualquer pudor ao chicotear um negro que não se submetesse ao capital branco e doce do Sinhô. Era no estômago que dormia a piedade.

Gertrudes ouvia essas estórias quando pequena. Aos poucos as estórias foram silenciando. O marido foi silenciando. Os filhos foram silenciando. Os netos foram silenciando. E todas as vozes que ouvia em casa eram dirigidas para algo além, nunca para Gerturdes.


Justamente pelo monopólio do silêncio, era tão fácil entrar no quarto desapercebida. Não havia perguntas inconvenientes, nem curiosidades a serem satisfeitas a partir de estórias do passado. Essa solidão resignada era a chave do seu tesouro, que estava escondida atrás do quadro do seu avô. A ansiedade que sentia era um medo do mundo. De que o mundo, de repente, invadisse o seu quarto, com todas aquelas medicinas, bancários, previdências e assaltasse o seu santuário, com mãos multiplicadas a contaminar a fragilidade do que lhe era mais caro nessa vida.


Por isso o exercício eterno de sentinela a checar o cofre atrás do quadro. E dentro do cofre, o conteúdo de sua vida: caixinha adornada a homenagear a riqueza do que estava depositado. Um relicário, igual aos que estão depositados nas paredes de uma das salas da Catedral de Nossa Senhora com os Pés na Lua, em Madrid.

Seu, tão seu. Porque dentro do relicário estava silencioso, pétreo e murcho o seu coração. Retirado conforme as receitas ancestrais do pai negro, em Lisboa.

Placa de prata com nome gravado: Gertrudes; às vezes, o coração parecia chamar querendo o consolo do peito vazio. Mas o coração permaneceria na caixa até o fim dos dias de Gertrudes e talvez até os dias posteriores. Conservado não por formol, ou química semelhante, mas pela ausência do silêncio, das medicinas, dos bancários e das previdências; conservado para se ver livre das maldades e tentações desse mundo, como um corpo incorrupto de um santo que permanece para além dos vermes.

sábado, dezembro 03, 2011

No peito de um homem feliz bate um jambeiro



Eu tenho o que preciso entre os meus braços
Eu vi o sol nascer no seu olhar
Eu levo a vida construindo laços
Que nem a morte pode desatar

Eu nunca fui o nome de avenida
Mas sinto que sou dono deste mar
A inspiração que trago em vida
Eu colho como fruta no pomar

No peito de um homem feliz bate um jambeiro
Bate um jambeiro
Bate um jambeiro
No peito de um homem feliz bate um jambeiro
Bate um jambeiro a florescer no seu quintal

Quem leva dessa vida o sal da noite
Acorda com o açúcar da manhã
Eu piso com meus pés o chão do hoje
Sem me importar com o abismo do amanhã

Ó meu grande amor, veja a roseira
Rompendo o asfalto para nos saudar
Quem põe a fé na vã beleza
Não vê a verdadeira flor brotar

No peito de um homem feliz bate um jambeiro
Bate um jambeiro
Bate um jambeiro
No peito de um homem feliz bate um jambeiro
Bate um jambeiro a florescer no seu quintal

quinta-feira, novembro 03, 2011

Onde Está Você?




Eu abandono o Mundo aos poucos
Deixo minhas digitais em estratégia descuidada
Para ser lembrado caso tudo, ao final
Transforme-se apenas em um bom livro de mistério

terça-feira, outubro 25, 2011

Os 75 anos do UVA




Apesar de me considerar apenas parcialmente advogado, por tantas outras funções que acabo exercendo, tenho como parâmetro da minha arte advocatícia (sim, porque a advocacia também se constitui em arte) o Escritório Urbano Vitalino Advogados Associados. Fundado em 1937 por Urbano Vitalino, próximo ano, em 2012, o escritório fará 75 anos, dos quais cinco de existência (apenas cinco) eu testemunhei. Posso dizer contudo que foram cinco anos vividos intensamente: acompanhei o fortalecimento do nome de Dr. Urbano Filho no cenário nacional com sua candidatura à presidência nacional da OAB (depois retirada), as eleições para a presidência da nossa seccional, a transformação de uma banca de alguns advogados em uma das maiores estruturas jurídicas da região, a associação momentânea a um dos maiores escritórios do Brasil, o Siqueira Castro, o falecimento precoce de Dr. Urbano Filho que nos deixou um tanto órfãos na advocacia. Lá fiz amigos para toda a vida. Fiz irmãos. Aprendi que a advocacia se exercita com elegância, austeridade e ética. Por tudo isso, após constituir minha própria banca de advogados, Urbano Neto me convidou para escrever um texto para o livro que será editado em meio às comemorações. Pediu-me lembranças. É um ano difícil para lembranças, mas não pude negar esse pedido a quem tanto contribuiu para essa parcela que trago comigo no dia a dia. Não sei se o texto será integralmente reproduzido da forma como transcrevo aqui. São três excertos da minha memória, que dóem como a Itabira de ferro nas veias de Drummond.



Entrei no Escritório Urbano Vitalino em Junho de 2003, vindo de outra experiência da advocacia. O escritório era referência não apenas em Pernambuco e no Nordeste, mas em todo o país, em larga medida pela imensidão da figura de Dr. Urbano Vitalino de Melo Filho, um dos grandes nomes da advocacia brasileira. Ao iniciar meus trabalhos de coordenação do que chamávamos “Grupo Federal”, tive a honra e o prazer de responder diretamente a Dr. Urbano Vitalino Filho, o que potencializou o meu aprendizado na advocacia de uma forma que eu sequer imaginaria naquele momento. Dr. Urbano era muito mais do que um advogado: era um conselheiro, um desses paradigmas humanos que se tornam, no repente do encontro, uma meta. O seu carisma ia além do direito, perpassava as relações humanas, a religião, a própria vida. No mesmo ano em que comecei a advogar no escritório, deu-se o fim do meu primeiro casamento. Era difícil conciliar os novos desafios profissionais com a frustração de um projeto pessoal que chegava ao fim; mas aquele ano era um ano de revoluções para mim. Dr. Urbano notava minha tristeza, nada falava, ensinava-me sobre os processos mais complexos do Escritório. Um dia, na sala dele, Dr. Urbano abandonou seu silêncio e me perguntou: “Professor André, você gostaria que eu conversasse com você e com sua esposa?” Eu sorri, educadamente recusei a gentileza. Eu tinha certeza, dentro de mim, que se ele interviesse, com toda sua sabedoria e ponderação, o casamento teria continuado.

Acho que exatamente por isso, aquele auxílio, eu recusei.

....

Em outubro de 2003, houve, em Madri, o I Encontro de Advogados do Brasil e Espanha, promovido pelo Itamaraty, em parceria com o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) e com a Câmara Oficial Espanhola de Comércio no Brasil. Recém-separado que estava, achei que seria uma excelente oportunidade para representar o Escritório Urbano Vitalino e respirar ares fora da minha cidade e do meu país. Arrumei as malas e segui para Madri. O evento se deu em apenas um dia, onde vários assuntos que interessavam a escritórios brasileiros e espanhóis foram tratados. Lá estavam os grandes escritórios do Brasil: Tozzini, Freire; Pinheiro Neto; Felsberg; Veirano. Do Nordeste, apenas eu representando o Urbano Vitalino Advogados. Um por um, os causídicos foram se apresentando no colóquio. Quando chegou a minha vez, ao pronunciar minha origem e qual escritório representava, notei uma silenciosa curiosidade vinda dos meus pares. Ao final do evento, vários advogados de diversas bancas brasileiras vieram apertar a minha mão, saudando em mim, Dr. Urbano Vitalino. Por fim, o decano do Ilustre Colegio de Abogados de Madrid, Dr. Luiz Martí Migarro, veio à minha pessoa enviar uma carinhosa saudação a Dr. Urbano, que possuía o título de “Dom”, outorgado pelo próprio Rei da Espanha. Pude ver naquele dia, que a pergunta antinominalista de Shakespeare em Romeu e Julieta “O que há em um nome?” não se aplicava àquele tempo e lugar. Havia muita substância e poucas fronteiras no nome de Urbano Vitalino.

....

Por fim, recordo-me de um grande trabalho que desenvolvi no escritório, também no ano de 2003. Uma das empresas clientes do escritório era beneficiária do programa de incentivo fiscal do Governo do Estado de Pernambuco, PRODEPE. Por um equívoco da contabilidade da empresa, houve um aparente débito com a Fazenda Estadual (na verdade, a empresa possuía um crédito com o Estado) e, bem por isso, foi descredenciada sumariamente do PRODEPE, com efeitos retroativos, gerando um auto de infração de mais de 40 (quarenta) milhões de Reais, um dos maiores autos de infração já lavrados em Pernambuco. A empresa era uma indústria de peças automotivas e pertencia a um grupo argentino. O auto de infração inviabilizava a permanência da empresa em Pernambuco. Dr. Urbano se reuniu pessoalmente com o Secretário da Fazenda que disse nada poder fazer. Resolvemos acreditar no direito do nosso cliente e ingressamos com a defesa administrativa no TATE (Tribunal Administrativo Tributário do Estado). Varei noites estudando argumentos e submetendo-os aos meus colegas de escritório. No final de Novembro de 2003, o processo 00.313/03-3 foi julgado e o auto de infração quedou improcedente, permitindo a permanência do cliente no Brasil e mantendo as centenas de empregos que ele gerava. Na saída do julgamento, exultante, liguei para Dr. Urbano. Ele riu do outro lado da linha e disse: “Não ligue para mim, ligue para o cliente”. Foi um dos últimos trabalhos que desenvolvi ao lado de Dr. Urbano. No ano seguinte eu fui privado prematuramente de sua presença física e passei a conviver com suas lembranças em fotos, livros, homenagens e nesse porta-retrato infinito que nós chamamos de saudade.

sexta-feira, outubro 21, 2011

O Sexo

Se uma mariposa pousar em seu carro

E isso lhe fizer esquecer a morte dos ditadores

Seja-lhe grato

A mariposa morrerá logo sem saber que parou o Mundo

quarta-feira, setembro 28, 2011

Interlúdio

Silenciosamente madruga e eu espero o espírito do meu pai

Materialista desenganado nos átomos, quase um ateu

É cedo e minha filha ainda não acordou e o mundo,

mais espectro do que forma táctil, finge ainda não existir.

Ouço o barulho das coisas ainda sem o ânimo do homem

As coisas que dialogam a inexistência momentânea do homem que dormiu

Mas o espírito do meu pai não vem, não me dá a mão:

Silêncio, madrugada, abandono

O silêncio não vem dos destinos esmagados no peito, das mágoas

Vem da solidão dos deuses inexistentes e que se chamam automóvel e internet

Chama-se memória esse deus destronado do tempo presente e que dói

E em minha carne com sono fica a espreita da revelação.


Como gostaria de ver para além da matéria

O espírito do meu pai chegando no meio da sala

Com um dedo apontando, grave, os meus pecados, minhas misérias

Enquanto os mundos da minha infância se refariam no súbito do nada:

Uma luz que faria cioso o infinito apagaria o pouco sol dessa manhã

E inundaria os átomos, o quase ateísmo, a ausência

Os olhos do meu pai cansados, as mãos graves, já pensas

O peso de outros mundos nos ombros, embora visível aos meus olhos incrédulos


Mas o espírito do meu pai não vem

E cedo o homem já acorda

Os automóveis começam a ser ligados, os computadores acordam seus donos

como os antigos animais de estimação

Os barulhos da metafísica perdem a chance, vencidos pelos diálogos das coisas

O sino da igreja convoca, na missa da televisão

O pastor maquiado que prega, Deus está chegando

E eu solitário, quase crente e humano

Já posso tocar o abstrato da minha imensa solidão

sábado, setembro 03, 2011

MOMENTO GASTRONOMIA: INFÂNCIA



A infância é um lugar fechado dentro da memória das gentes, uma rua que só existe à noite, sem luz, sob uma chuva fina. Mas existe, está lá, é só querer visitar. Foi em uma visita não programada à minha infância que tive a oportunidade de rever o meu alicerce gastronômico. Colocado ali, por duas pessoas que contribuíram para o meu interesse sobre o gosto que nos invade a língua e adentra pelo sonho.

A primeira delas, minha avó paterna. Acho que toda criança guarda a lembrança da comida da avó. Ela é o lumiar afetivo que nos guiará ao longo da nossa vida em forma de sopas, massas, doces, bolos. Não sou diferente dos outros. Minha avó era o ponto de encontro de diversas nações: a portuguesa, na sua origem, a palestina, pelo seu casamento, a italiana e a judaica pelo convívio bastante comum, nas comunidades pobres imigrantes, na primeira metade do século XX. Dentre tantas coisas que eu devo a ela, devo o cosmopolitanismo que permeia a minha fome. Fome curiosa, que não tem medo de texturas, de cheiros, de origens. Desde muito cedo aprendi a conviver com nascedouros étnicos diversos: o kibe, os legumes e folhas de parreira recheadas com arroz e carne (os famosos charutinhos), o marmaone de trigo e caldo de galinha, pratos de origem palestina, que evocavam o nome do meu bisavô. O varenike judaico que ladeava a comida árabe sem a necessidade de qualquer acordo internacional. O famoso ravióli que levava o molho de três carnes diferentes, aprendido diretamente com os italianos que vieram aportar por aqui. Mas havia o toque que só os netos conhecem, metafísico, sobrenatural a dar sabor e vida a esse mundo redescoberto a cada mordida em flor e gozo. Feliz eu sou, menino criado por vó.

A segunda delas, Edmilson, cozinheiro da minha madrinha Diva, nos confins de uma Caruaru distante, na época que São João não era desfile de moda. Edmilson era egresso do Guanabara, restaurante famoso da Caruaru antiga, de propriedade da minha madrinha e do falecido marido que eu não cheguei a conhecer. Veado tímido, calado, submisso à personalidade forte de Diva Julião, delicadíssimo e sensível como poucas mulheres. Mas era um gênio. Sem qualquer escolaridade, sequer sem saber ler ou escrever, colocava qualquer grande chef no bolso com sua intuição que eu imagino também ser sobrenatural. Fazia um arroz de pimenta amado igualmente por mim e por meu pai. A sua macarronada era esteticamente refinada e de sabor místico. Fazia um carpaccio de carne de charque: fatiada finíssima, crua, temperada com limão. O seu creme catalão era inigualável, mesmo na Espanha nunca comi nada igual. Certa vez, meus pais fizeram um jantar para o cônsul da França e comitiva; dentre os ilustres: Gilberto Freyre. Minha mãe não teve dúvidas, trouxe Edmilson de Caruaru e deixou ele se assenhorear da cozinha e das nossas expectativas. Os franceses, ao final do jantar, queriam levá-lo embora. Mas Edmilson era como o Touro Ferdinando: enorme, forte, genial, mas só queria contemplar as flores no seu cantinho de interior.

Como era bonita a rua da minha infância. O diabo carregue quem me pôs velho no Mundo.

domingo, agosto 14, 2011

PATER FAMILIAS







a Josué, Maria e Filipe


Paternidade é presença e ausência
Palavra silenciada no peito em carne viva
Mil vezes pedra na solidão da coadjuvância
Mil vezes estio na chuva que tarda a chegar
Vocativo afogado na seca dos olhos em lágrimas
De tanta coisa sentida que já não se assemelha a palavra
Lavrada pelo ódio das regências e das normas
Aquecida duramente pelo carinho não confessado dos séculos
A paternidade custa a entrar em nós e é árida
Mas no amor das rochas dorme o que escapa da morte e do nada

sexta-feira, agosto 12, 2011

FDR





Do lugar em que me formei, diz-se Casa de Tobias
Por ter sido, Tobias Barreto, seu aluno melhor
Escreveu grandes obras jurídicas e de filosofia
Concorreu à cátedra na sua Casa e ali se eternizou

A Casa de Tobias nunca foi casa minha
pois nunca soube da vida o que seria meu
Minha filosofia não se alimentaria da poeira do passado
Nem minha poesia nasceria de um fogo que anoiteceu
Eu vivia fora da sala de aula,
Esperando, com um copo, o Mundo que me corrompeu

Mas por lá também estudou Carlos Pena Filho
Que o efeito da vida sobre a poesia preferia estudar
Nas mesas de ferro do extinto Bar Savoy
(que mimetizava o Mundo que dói em forma de bar)
Os homens engarrafavam sonhos em forma de navios
Dando-lhes nomes de mulheres e de heróis vindos do ar

Que maravilha seria estudar ao lado de Carlos
E ver o direito internacional, nos copos de vidro, naufragar
Do direito penal exigir somente a liberdade das gravatas
E do direito privado pedir que apenas nos deixassem público o mar

E proclamar que nenhuma norma é válida
Com tanto desejo preso no coração
Depois da meia-noite seríamos todos réus primários
Buscando no navio do Mundo a nossa consolação

Por isso quando perguntam onde eu estudei
Se é na Casa de Tobias que a saudade me corrói
Eu engarrafo um navio em forma de sonho
E digo que minha Casa é a Casa de Carlos,
O Carlos do Bar Savoy

quinta-feira, julho 28, 2011

Oikos


Na Rua Engenheiro Sampaio, havia uma casa assim
Metade dela era feita de sonhos, a outra, feita de mim
Nela havia mentiras tão belas, de soldados que dançavam no ar
De objetos transmutando em feras, de árvores que sabiam cantar
Havia um piano imaginário e um quintal que não tinha mais fim
Alguns gritos abafados em segredo, apossados como pesadelos
Nas mãos de um homem ruim
As mentiras encantavam meus olhos,
(mentiras que me diziam “sim”)
Na Rua Engenheiro Sampaio, havia uma casa assim


Mas veio a verdade dos homens, e com cimento me soterrou
Levou minha avó, seus segredos, o mistério que meu avô guardou
Os soldados que meu pai enterrava
No quintal que, depois, me acolheu
Eu disse à verdade: “me devolva”, “esse quintal é só meu”
A verdade não perdoa nada
(Nem mesmo o fato que jamais ocorreu)


O corpo do meu pai foi embora
A cozinha da minha avó, nunca mais
E as mentiras que encantavam minha história
Agora seguem insepultas na memória
E nos meus olhos que só olham para trás

domingo, julho 17, 2011

Carta ao meu pai



Querido pai, ontem fui à casa onde você nasceu, no Bairro de São José. Um gosto antigo de saudade tomou conta do meu presente. O velho casarão continua lá, caiado de verde, mas gasto pelo descaso cinza dos homens. Aliás, como os políticos têm descuidado das coisas que você amava. A arquitetura da cidade, testemunha do nascimento de tantos grandes homens, é um emaranhado de fios, abandono e ruínas. O trânsito continua um caos, mais carros nas ruas, menos pedestres nas avenidas e a vida vai passando fosca pelo vidro do carro, sempre fechado que a criminalidade não está brincadeira. Tudo no mundo anda financiado, pai: carro, moto, nascimento, casamento e até divórcio. Tenho medo do endividamento do povo. Você que tanto ensinava que comprar à vista é a chave para a paz no travesseiro. Mas parece que o motor da felicidade da nossa gente é a televisão de LCD iluminando a sala, como uma árvore de um natal infinito que se renova dia após dia. Você sempre achou isso curioso, e sabia, como ninguém, que todas as teorias econômicas ficam pequenas diante da alegria do povo, ainda que embalada no papel brilhante do crediário. A corrupção, por sua vez, meu pai, anda grande. Tanto dinheiro público gasto em quilômetros infindos de estradas que eu chego a suspeitar que estão fazendo um viaduto para chegarem por aí no céu (porque, pela porta da frente, “eles” não vão entrar). Você, que sempre lutou contra a malversação do alheio, espumaria de raiva, se a ira não fosse um grande pecado aí no paraíso celeste. Quanto a isso, não se preocupe, a gente vai se irando aqui por baixo e qualquer dia desses, tenho fé, os julgamentos deixarão de absolver os maus políticos e será permitido ao povo o uso do ovo podre e do bagaço da laranja como instrumentos da democracia participativa. Maria Eduarda perguntou a mim como é virar estrelinha no céu. Eu fiquei mudo, sem resposta, pensando que você já era uma grande estrela aqui na terra e que a gente ficou no escuro imenso sem sua luz. Meu time perdeu, pai, pode rir daí de cima. Esse riso de criança, provocador, jocoso, vai matar como pouca coisa a imensa saudade no meu peito. Por aqui a gente vai levando, vai poupando e investindo esse pouquinho da gente que sobra no final do mês.
O rádio está ligado, mas eu só ouço o eco do meu coração.

quinta-feira, julho 14, 2011

ÚLTIMA MANHÃ



Os mercados amanheceram em silêncio
Os bancos estavam de portas fechadas, não havia o que comprar
A ciranda financeira que permeia todas as coisas tácteis
Parou repentinamente como uma brincadeira de criança
Que já não quer mais brincar
Não houve pregão, nem cotação do dólar
As guerras cessaram dentro dos livros de história
Os gritos dos soldados mortos emudecidos pela manhã

Você silenciosamente caminhou por entre nossas ignorâncias
Beijou os olhos dos seus netos que dormiam
Andou pelas ondas das rádios que noticiavam o imponderável
Riu mais uma vez das nossas caricaturas, um apelido para cada um
Naquela manhã a Itália entrava em crise, os homens submergiam em corrupção
E sua crítica que antecipava, nas rádios, a nossa miséria humana
Agora desce em forma de bênçãos, de esperança, de fé e de união

terça-feira, julho 05, 2011

FILIPE

Ele vem como o vento em uma tarde vermelha

Toca a mão no meu rosto, já velho e cansado

Queria falar-lhe, mas não posso, porque já gastei todas as palavras

Ele me beija a face e aeroplanos não construídos descem em suas lágrimas

Um quarto de brinquedos cabe no hiato entre nós, na praia, no deserto

Ele fecha os meus olhos com as mãos

Eu não preciso mais ver nada

quinta-feira, junho 30, 2011

Clara, Chris e eu

http://www.youtube.com/watch?v=oEn2T1dDsB4

Momento Gastronomia: Mocó

Acho que eu sou a primeira pessoa a falar sobre o Mocó. O Mocó é um segredo tão bem escondido que alguns juram que se trata de mais uma lenda urbana. Tratarei deste texto, portanto, como uma dessas fábulas que minha filha consome com os olhos brilhando querendo
em uma vontade tão lúdica que seja a mais pura das verdades.

Dizem que Marcílio de Pádua, chef de cozinha talhado pelas mãos do mundo, depois de tanto andar na contramão da rotação, resolveu aceitar uma paragem e construiu para si um bocadinho de lugar que lhe permitisse alterar a lei do cotidiano. Que lei? A lei que determina as formalidades dos ternos, das gravatas, dos extratos, dos contratos, das notas fiscais. Marcílio deu uma ordem "fiat pax", e tudo aquilo que irrompe como as amarras da modernidade dissolveu-se na entresala do Mocó.

Lá, só existe uma lei: coma como se sua vida existisse para o prazer da gastronomia. Seja um epicurista, pão e vinho. Aceite a cerveja como consequência inasfastável de algo que começou na Suméria há milhares de anos atrás. Coma aquilo que se lhe oferece, cozido a fogo lento, com açúcar, com afeto. Pode ser um joelho de um porco. Pode ser um peixe sob o manto de uma manteiga preta. Pode ser um sarapatel, pode ser um cozido legitimamente madrilenho.

Pode ser tudo que sua imaginação permitir, como nos sonhos.

Onde fica? Perto das terras de São Serapião, no descanso do Cálice Sagrado, à direita da Ilha de Avalon. Talvez fique perto da minha casa, mas sempre encoberto pelo desejo de se mostrar apenas àqueles que carregam na vida a certeza de que a felicidade se mastiga.

Da Solitude (letra Rodrigo Pinto, música André Mussalem)

Está chovendo na cidade
E eu moro nessa cidade há tanto tempo
Mas nunca vi chuva assim
Tão limpa, tão pura, tão mágica
Água benta que carrega todo concreto e a tristeza e a mentira
Da boca dos homens

Homens que se protegem
Da chuva e da dor
E eu quero que essa chuva me molhe
Que me transforme, me purifique, me reanime
Para a realidade seca que vem com o céu lavado

Minha carne pouca e fraca
Teme a tristeza do escuro que me cerca
Meus pés já não tocam o chão
Em vão as mãos suplicam em prece
E é de sonho e de desejo

Soa no peito o eco de apelos
Por breves sorrisos de alento
Meu corpo é um baú escuro
E no fundo, jaz um coração
E eu quero ser limpo e suave
Como a chuva da tarde

Mas ele disse: “não tenho em quem pensar
Volto prá casa vazio”
E ela me disse: “desejo mesmo voar
Que nem passarinho”



PS - Letra escrita em 1994 por Rodrigo e musicada por mim em 2011. Parte do projeto Antology da Banda que poderíamos ter sido mas nunca fomos.

domingo, maio 29, 2011

Momento Gastronomia: Bar do Luna

"Sexta-Feira à tarde, o Bar do Luna é um problema"

Cantava assim o Suvaca di Prata, mais ou menos na época em que Waldemar (o Tenente Docinho) me levou para conhecer o Bar do Luna, no IPSEP. Estávamos fazendo um tour gastronômico pelos botecos da cidade, e o Tenente veio com essa novidade. Lôas ao Chambaril.

Não perdemos tempo, então: rumamos para os lados da Avenida Recife em busca de mais um ponto de refúgio para o cotidiano estafante de quem milita na advocacia.

O Bar do Luna não tem placa, nem posição privilegiada em relação às demais casas familiares da rua. Mas se você vai pela primeira vez, é só seguir o burburinho na calçada e prestar atenção na quantidade de carros estacionados em frente a uma casa de portão de ferro. Restaurante caseiro, montado em uma casa de família, mas já devidamente estruturado para a quantidade de pessoas que recebe, você está no mundo pernambucano do Bar do Luna. O Seu Luna está sempre no meio dos garçons, checando cada detalhe relativo à satisfação do cliente. Ou melhor, satisfação do freguês.

Sugiro que você comece com o caldinho de dobradinha, inteligentemente acondicionado em uma garrafa térmica, que fica na sua mesa, até você se fartar do início. O Bar do Luna não serve para a fartura de um só. São pratos para serem divididos, compartilhados, pois no pirão, nos miúdos, no sangue coagulado o socialismo é mais que possível: é uma obrigação.

Às vezes a semente da discórdia é plantada por quem disputa o tutano, mas nada que faça esmorecer a beleza do chambaril robusto, a cor sagrada do sarapatel, o ouro fino da dobradinha. O sol vai morrendo dourado e o dia fica da cor da cerveja que sobeja no copo, e a sexta-feira já deixou de ser um problema, virou uma recordação.

segunda-feira, maio 09, 2011

A Arquiteta

Mãe:


A proporção das coisas você tatuou nas minhas retinas
O vermelho tem inúmeras significações nas suas palavras
Eu vejo o belo porque você me ensinou que havia o belo
E me mostrou que as palavras eram limitadas frente ao infinito das maravilhas


Eu escapei do seu compasso e me lancei no mundo
Esse traço de grafite que compõe meu sonho roubado
Quem dera eu pudesse apagar o traço furtivo de cada palavra
Como você bem fazia quando me desenhava uma flor


Eu sou seu projeto imperfeito e inacabado
Constantemente inacabado
Mas perene e extremamente feliz
Estendido na imensa prancheta que é o colo seu

segunda-feira, abril 18, 2011

Poliedro







O amor essa forma indefinida na mão do arquiteto
Poliédrica, inexplicável na superfície mutável
Vê? Já não é mais um quadrado.
Daqui a pouco não será mais um urso
Morrerá sempre projeto por ser incompreendido na forma
E passará desapercebido como vaso no canto da sala



Já foi um bonde, já foi uma canção
Cantada silenciosamente no campo do nada
Já foi uma onça de ouro, uma ação de resgate futuro e um tostão
Na cama silente, no grave arquiteto, toma por si próprio sua outra forma
E daqui a um segundo e mais um pouco não será mais não


O amor essa forma indefinida na mão do arquiteto
O arquiteto esse ser incompleto na mão do amor

sábado, abril 02, 2011

As mãos do meu pai





As mãos pensas de meu pai na sala a murmurar em gestos o cansaço do corpo
Tateiam em busca de outras mãos que já não acenam mais
Quantas guerras, meu Deus, quantos exércitos dizimados
Cabem naquele gesto que desenha sem potência o imponderável?


Maré de sangue e vento e vísceras e um grito pende do tato – mamãe,
O resto é nuvem de pássaros abatidos por tanques de guerra e os meus olhos de menino a não crer na própria história, meu Deus, meu Deus
Quantos deuses mortos, quantas valsas perdidas no meio da sala cabem naquele gesto que firma no espaço o vazio da minha herança?


As mãos pensas de meu pai na sala e as réplicas da França conquistada que lhe pendem dos dedos
ofertam-me a crueldade dos campos de batalha e o sorriso fácil dos diplomatas que dividiam entre si o resto do século
e a oferta já é pouca, por não sobrar a esperança da vitória depois da noite
Quantos cadáveres, meu Deus, quantos tios amputados
Cabem naquele gesto que escava no ar a sepultura dos homens fortes?


João, José, Celina, as armas prontas para um combate que já não existe mais
O resto é guerra invisível travada a partir na terra suja das unhas, na carne restante dos molares
Quanto do meu silêncio, nascido na contramão do combate
cabe no gesto de perplexidade perante a nova cosmogenia do Cais?


Elas chamam por algo, as mãos pensas do meu pai, e esse algo tarda a chegar
Não sei bem se pássaro ou finitude,
se começo da praia para a onda, se início do asfalto para o onde
Os corpos se amontoam no vão do hiato e fica este gosto de pólvora
a sobejar na língua morta e insepulta no horizonte da boca

terça-feira, março 08, 2011

carnaval e herança


Foi pela mão do meu pai que eu conheci o carnaval. Justamente por ele, um dos homens mais anti-carnavalescos que eu conheço. Avesso às multidões, ao calor, ao barulho, apraz-lhe um livro de guerra, um bom filme, um bom almoço nos dias de folia. Eu também sou pacato, dou-me muito bem com meus botões, com meus discos, com minhas pesquisas. Mas nesses dias milagreiros de são-ninguém, tomado por uma inexplicável turba de bichos-carpinteiros, corro para as ruas antigas do Recife e de Olinda, não sei quem sou, nem prá onde vou, só sei que tudo acaba na quarta-feira.


Acuso beneficamente o meu pai dessa imensa responsabilidade. Tomava-me pela mão, ainda bem criança, como salvo-conduto, e me levava para o bloco da Turma da Jaqueira, cria dos funcionários e motoristas da Fundação Joaquim Nabuco, órgão federal em que meu pai, por vários anos, exerceu a função de superintendente sob o comando de Gilberto Freyre (e posteriormente de seu filho, Fernando Freyre). Em meados da década de 80 do século XX, a Turma da Jaqueira (co-denominada de “Segurando o Talo”) era uma troça ainda pequena, que seguia pela Avenida 17 de Agosto, até a casa de Gilberto Freyre (atual Fundação Gilberto Freyre). A troça terminava na Associação dos Servidores do Instituto Joaquim Nabuco. Eu, menino, sob os acordes do frevo, feliz, suado, juntando confetes no chão. Meu pai acompanhava ao longe, sob distância segura.


A Turma da Jaqueira é, hoje, um bloco imenso, que arregimenta mais de sessenta mil pessoas pelas ruas de Casa Forte, por certa ironia do destino, meu atual endereço. Não acompanho mais o bloco, mas decerto que meus passos estão ainda marcados no itinerário seguido pelos foliões mais novos, seguidores antigos, gente que se irmana a mim pelo menos na minha imaginação.


Desde essa época passada, o frevo não saiu mais de mim. Um dia eu hei de morrer, como todo bicho que pula, mas essa alegria há de se perpetuar nos meus filhos. Tomo eu, pela mão, Maria Eduarda e mostro a ela a riqueza dessa festa que desafia toda lógica, como a própria humanidade. Talvez o carnaval seja a mais humana de todas as festas, com as suas contradições. Dou a Maria Eduarda esse quinhão, essa parcela inexplicável da minha conjuntura legada pelo meu pai. Não sei se ela amará o carnaval como eu amo, mas abro a minha mão, como o meu pai o fez, para que ela tenha uma escolha. E possa, quem sabe, escolher o transitório sem abrir mão da permanência.


Hoje, terça-feira gorda, é aniversário do meu pai.

domingo, março 06, 2011

PADARIA IMPERATRIZ


Há mais de cem anos, servindo aos foliões carboidratos e esperança para os outros dias de festa

NA FRENTE DO SAMU

Esperando o amigo que exagerou na dose

O FAMOSO TCHAU-DEDADA


O ENTRUDO


No chão, lugar de bravos e de anônimos

A COLONIZAÇÃO PELO CAMAROTE


“Depois de 33 anos desfilando pela Rua da Concórdia, o Galo da Madrugada estreou na Dantas Barreto. E fez bonito. Seus súditos leais lotaram o Centro do Recife com risos e fantasias. Nos camarotes, autoridades, artistas e muita gente bonita.”

Chamada do Jornal do Commercio de 06 de Março de 2011


Eram duas festas no período momesco: o entrudo, de tradição ibérico-portuguesa, era considerado agressivo pela sua permissividade, quando pacatos senhores saiam de suas casas, munidos de limões de cheiro, farinha, ovos e se misturavam à turba, emporcalhando a cidade com sujeira, suor e risos. Havia o entrudo familiar, que designava a brincadeira restrita entre as famílias, mas que, freqüentemente, descambava para a mistura de classes, como atestava Joaquim de Manuel Macedo, autor do livro “A Moreninha”, em 1871.
A outra festa, o carnaval, foi trazida pela corte da Imperatriz D. Teresa Cristina a partir do seu casamento com o Imperador D. Pedro II, em 1843. Trouxe junto com ela músicos italianos que importaram os arlequins, os pierrôs, as colombinas e o carnaval de Veneza, das fantasias elaboradas, restrito aos bailes, aos convites reais. Como tratou Luiz Felipe de Alencastro, no seu ensaio “Vida Privada e Ordem Privada no Império”, “Separou-se a festa da rua, popular e negra, embora de origem portuguesa – o entrudo -, da festa do salão branco e segregado, o carnaval”.
Em algum momento, entretanto, entrudo e carnaval passaram a designar a mesma festa e, por influência da música do século XX, do samba carioca, do frevo pernambucano, da sua variação, o frevo baiano, dos grupos ritualísticos negros e índios, a rua cada vez mais foi vencendo o salão. A festa de rua foi nomeada de carnaval, embora fosse mais próxima do entrudo. Carnaval também era a festa dos clubes (substitutivos dos salões e das sociedades carnavalescas) da alta classe social, mas restrita, ilhada no Sudeste e no Sul do país.
Na década de 80 e 90 do século XX, e principalmente no início do século XXI, o Estado percebeu que o carnaval de rua era uma fonte bastante interessante de captação de recursos, principalmente pelo crescente interesse das grandes empresas (consolidadas pela estabilidade econômica) em investirem no manancial quase infindo da alegria de rua, sempre possível de ser catequizado pelo marketing.
Assim, autoridades, artistas, e pessoas de importância, que evitavam o carnaval de rua, por causa do descontrole de ânimos que caracteriza o entrudo, passaram a olhar com novos olhos a multidão anônima e feliz, que se acotovelava absorta na alegria circunstancial dos dias de folia. Só que a freqüência das pessoas revestidas pela importância do cargo, da mídia, da arte não podia conviver com o anonimato da turba enfurecida pela felicidade: era preciso reinventar o espaço da rua, para que se permitisse uma segregação branda, quase democrática, sub-reptícia, da felicidade. A sua felicidade termina onde a minha começa. Gente bonita junta acotovelando-se refrescada pelo ar-condicionado e olhando de cima a gente sem beleza, sem nome, sem importância.
Os camarotes representam a invasão no animus do carnaval sobre o entrudo. A segregação que antes ocorria nos salões e nos bailes passa a ocorrer na própria rua, no próprio espaço democrático. Invade com tanta força que coloniza até as classes menos abastadas, pois o carnaval de camarote passou a ser um produto industrializado para classe “c” se diferenciar da classe “d”. Mimetizados os pierrôs de academia, as colombinas do reality show, os arlequins da política, importados de um país distante que nunca vingou aqui em baixo, nos tristes trópicos.
O espaço da rua categorizado como se fosse um imenso espaço privado, colonizado por palafitas de luxo, de quase-luxo, de anti-entrudo, de pseudo-carnaval.

sábado, fevereiro 05, 2011

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

O Elogio ao Grotesco e o Casal Huck






Para João da Costa, manter o concurso do Rei Momo, que acontecia no Pátio de São Pedro, representa uma falta de coerência numa época que, na avaliação dele, as pessoas estão preocupadas em cultivar práticas saudáveis. ´É um contrassenso hoje você trabalhar a obesidade mórbida como um problema grave de saúde e incentivar um Rei Momo a isso`, defendeu. Para o prefeito, essa é uma discussão que deve estar acima das tradições culturais. ´Essa não é uma tradição boa. As boas a gente preserva`, colocou. A Fundação de Cultura do Recife ainda não definiu os critérios do novo concurso. No entanto, o prefeito já antecipou que os gordinhos não serão impedidos de concorrer. ´Não sei se vai ganhar, mas nós não vamos proibir`, disse.
(Extraído do Diário de Pernambuco, edição de 22 de janeiro de 2011)




Folia de Momo é apenas um dos vários designativos do carnaval brasileiro. Aqui, como em outros lugares do mundo, desde o início do século XX adotou-se o deus grego Momo como o patrono dos dias de carnavália.

Momo é um deus peculiar. Ele está ligado à picardia, à denúncia vexatória dos demais deuses. A tradição greco-romana narra a expulsão de Momo do Olimpo por suas brincadeiras inconvenientes e seu conseqüente envio para o mundo dos mortais. Momo foi bem recebido por aqui e fazia parte da tradição romana a coroação de um centurião que no dia de seu reinado simbólico podia comer e beber livremente. A obesidade de Momo não significava doença, significava fartura e extravagância em uma Roma onde não havia a culpa católica da quaresma.

A partir de 1932, o carnaval brasileiro, mais especificamente o do Rio de Janeiro, adotou a figura do Momo-rei como um dos personagens da corte real do carnaval. Naquele ano, Momo foi personificado em um boneco de papelão. Algum tempo depois, o boneco de papel foi substituído pelo jornalista Morais Cardoso, justamente por causa de sua figura redonda, farta, imensa. Simbolicamente, o Rei Momo aparecia como a imensidão do homem-rei sendo dividida pela massa anônima do povo.

A figura do gordo é o antípoda da forma clássica do belo masculino. Para além das discussões históricas sobre a estética e a modernidade, hoje em dia a figura do gordo é o estereótipo da má saúde, do desleixo, da humanidade que não deveria existir frente aos inúmeros expedientes atuais de se conseguir alçar a significância do belo no corpo.

E justamente por isso, a figura gorda do Rei Momo era tão importante para nós.
Para nos lembrar do quanto somos grotescos na nossa pulsante humanidade. Do quanto há de beleza na fartura livre do corpo, cuja estética não está amarrada a nenhuma pré-determinação convencional. Nisto reside ou residia a democracia do carnaval. Um rei-deus, obeso, simpático, ultrajante, era coroado em meio à felicidade do povo, extirpando a figura do príncipe encantado, belo como nas falsas estórias de Walt Disney.

Mas a voz do politicamente correto gritou no coreto, em nome de uma imagem sadia do folião. O prefeito do Recife, seguindo uma tendência nacional, decretou o fim do reinado de Momo no carnaval. O Rei não poderá ser gordo, e se ele não é gordo, não é Momo.

Há ainda espaço para um afago na cabeça dos desleixados: o gordos ainda poderão concorrer ao reinado, embora já não se possa garantir que a coroa fará suas cabeças mais dignas: “Não sei se vai ganhar, mas nós não vamos proibir”, disse o prefeito do Recife.

Decerto o rei será branco, loiro, e apolíneo. Representando não os brasileiros de carne, osso, gordura, poucos dentes. Mas governando simbolicamente aquela parcela ínfima dos belos e bem-sucedidos empresários, que personificam a bondade e a mão estendida para quem embarcou de cabeça, equivocadamente, na tese da meta-raça. O novo rei representará o casal Luciano e Angélica Huck, eleito pela Veja da semana passada como a meta a ser alcançada por cada um de nós, gordos, pobres, desdentados e sem um deus que nos represente, pois a coroa agora pertence ao divino Apolo.

Este que justamente nunca foi expulso do Olimpo.

sexta-feira, janeiro 28, 2011

O Movimento dos Barcos









(Jards Macalé e Capinan)

Estou cansado e você também
Vou sair sem abrir a porta
E não voltar nunca mais
Desculpe a paz que eu lhe roubei
E o futuro esperado que eu não dei
É impossível levar um barco sem temporais
E suportar a vida como um momento além do cais
Que passa ao largo do nosso corpo

Não quero ficar dando adeus
As coisas passando, eu quero
É passar com elas, eu quero
E não deixar nada mais
Do que as cinzas de um cigarro
E a marca de um abraço no seu corpo

Não, não sou eu quem vai ficar no porto
Chorando, não
Lamentando o eterno movimento
Movimento dos barcos, movimento

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Amar




(Carlos Drummond de Andrade )



Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

O anti-britânico

Eu freqüentemente me atraso para a flor que a vida me ofertará
Como um vício não tão raro, que se cultiva dentro de mim
Por outra mão que não a minha, hei freqüentemente de me atrasar
E sequer hei de chegar ao dia em que se anunciará meu fim

Porque o tempo não negocia comigo,
taciturno como meu pai, não me lança um olhar
E a aurora das coisas, como fruto inalcançável – mas de beleza táctil
irmana-se fácil com o tempo presente
E minha pele ressente saber e não estar lá

Enquanto o mundo faz e se refaz dentro de um avião
Minha preocupação é correr e pegar o bonde
Que por um infortúnio do meu vício, gritou meu nome e já passou
Eu sigo atrasado sei lá, não sei, para onde
Pois o meu século vinte no meu século dezenove caiu e ficou

E assim eu durmo sem ouvir o relógio que deveria me acordar
As catedrais e as cidades vão se construindo para além de mim
Por outra mão que não a minha, hei freqüentemente de me atrasar
E sequer hei de chegar ao dia em que se anunciará meu fim

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Muitos amigos bons



Alguns amigos bons

And you can tell everybody this is your song


PS - É a cara da mãe, mas o espírito...é todinho do papai

terça-feira, janeiro 11, 2011

A valsa da princesa

A princesa que já não dormia,
por, quem sabe, esperar o fim do século
aguardava o homem Ulisses que lhe havia,
prometido ser-lhe contraparte do espéculo


A princesa enquanto paciente aguardava
bordou um imenso tapete de tramas
onde o Mundo era outro e estava
imune a tristezas, feridas e chamas


Bordada em cores, estampava a alegoria
da eterna felicidade da princesa
que perdida entre unicórnio, leão e utopia
mantinha a alegria da esperança acesa


E no tapete só reinava a princesa
que escoltada em ouro pelas suas damas
dançava eterna e infinita com alma tesa
bordada por si mesma nas entrelinhas das tramas


A princesa de fora admirava a princesa de dentro
por reconhecer que do tapete para si, duas havia
uma, bordada por Deus, era carne, dor e vento
a outra, fruto de si, era somente alegria


E eis que, absorvida na sua imagem bordada
surpreendeu-se a princesa com um chamado distante
Ulisses, o homem-deus que ela tanto esperava
apareceu perante seus olhos, em um rompante


E lhe arrebatou e lhe levou para casa
deu-lhe jóias, máquinas e cotidiano
cristais de murano, bichos fantásticos, carros com asas
deu-lhe todos os seus dias do ano


E em uma noite de núpcias e de paz
no instante em que Ulisses dormia
a princesa sorrateiramente por trás
estripou o dormente enquanto sorria


Encarcerada a princesa, questionaram-lhe o ato
“porque, de maneira tão horrenda, rasgaste a lei?”
e ela respondeu tranqüila sobre o ocorrido fato
“porque eu nunca fui feliz como no tapete que bordei”

segunda-feira, janeiro 10, 2011

A Função Social do Amigo Gordo




Ao Gordo (sempre Gordo)
A Filipe (a partir de amanhã, ex gordo)



Todo grupo social que se preze tem um amigo gordo. Ele é a liga que une os demais membros da confraria. Ele é o bonachão, por vezes, é o mal-humorado em outras tantas, é o cara que aceita a berlinda porque sabe que nenhuma reunião regada a cerveja funciona sem uma berlinda. O amigo gordo se sacrifica pelos demais, na sua imensa sabedoria, no santo ofício de beber até a última gota de cerveja, ou de comer o acepipe restante do prato. Morrerá um tanto mais cedo, com as veias entupidas, mas cumprirá, até o final, a sua missão de ligar nas noites de segunda-feira para exigir a presença daquele pai de família na mesa de ferro enferrujada que descansa tantos copos do líquido sagrado translúcido e que será o motor de mais uma discussão conjugal.
O amigo gordo tem uma pança farta, mas possui orelhas imensas. A ele nós confessamos os segredos mais remotos, as transgressões cotidianas, a tristeza de um projeto malfadado. O amigo gordo, por ser quase infinito, é um divã enorme que se oferece à análise do sagrado e do profano.
O amigo gordo sempre aceita um convite para almoçar no sábado. Está sempre disposto a alegrar a tarde de um fim de semana após uma sexta sombria. Ele tem o dom de absorver, em suas camadas adiposas, a tristeza e devolver a alegria que só existe no colesterol. Ele é a vaca mais preciosa do rebanho, o elogio à camaradagem, a irmandade do mundo inteiro personificada em um sujeito.
O amigo gordo nos faz sentir mais leves.

domingo, janeiro 09, 2011

Sobre o brega e outros bichos

Dentro do contexto social denominado “mundo cultural” ou coisa que o valha há uma supervalorização da música extremamente popular que se convencionou a chamar de “brega”. Basta uma pesquisa rápida sobre novas bandas do mercado musical independente para que se comprove a existência de um viés seguido por novatos e que está sustentado na música feita na periferia das grandes cidades do Norte e do Nordeste.

O grupo social que gosta de se afirmar na contramão da cultura de massa, e por tais razões mais culta que as demais, vem ostentando sua presença em festas realizadas fora das circunscrições geográficas da classe média de uma maneira ideologizada, utilizando não apenas como diversão, mas como provocação.

O questionamento da dicotomia entre a música brega e a chamada MPB já havia sido colocada em xeque desde a década de 70 com Caetano Veloso gravando (e cantando ao vivo no Phono 78) “Eu vou tirar você desse lugar” do Odair José. Posteriormente, Caetando gravou outros cantores tachados de “cafonas”, o adjetivo antecessor do “brega”. Algumas dessas gravações são memoráveis.

Particularmente eu já apresentei minha opinião quando tive a oportunidade de escrever sobre o fenômeno João do Morro (quem tiver curiosidade, ver os comentários http://acertodecontas.blog.br/atualidades/joao-do-morro-um-sambista-de-verdade/).

Gosto bastante de algumas músicas do grupo Calypso e acho “A Vida é Assim” uma música muito bem estruturada, apesar da letra simples e sem pretensão. Qualquer segregação apriorística do que é ou não é arte será sempre o mesmo preconceito que, no início do século XX, recaiu sobre o samba.

O que eu não concordo é o tratamento ideologizado do “brega” e a tentativa de impor qualquer música feita na periferia (geográfica ou cultural) como ponto de resistência à massificação midiática. Para mim, tal atitude esvazia o conteúdo crítico, empobrece o reconhecimento do que é arte popular e desvaloriza a espontaneidade da música que paradoxalmente (e momentaneamente) é louvada.

A boa música se releva por si, independente de posturas guerrilheiras da pseudo-intelectualidade que faz da falta de recursos uma bandeira que se perpetua para legitimar a divisão cultural.

PS – Para fins de fomentar a discussão eu coloco uma versão feita para o novo fenômeno popular “Vou não, posso não”, onde um arranjador preencheu a música com acordes dissonantes não existentes originalmente na música e deu um andamento de bossa nova.
http://www.youtube.com/watch?v=YiPMK6e6bT0&feature=player_embedded

Evidentemente trata-se, aqui, de uma tentativa de demonstrar que qualquer música bem arranjada é boa. O argumento é falacioso por dois motivos: 1) A música tocada é instrumental. A letra é suprimida. 2) A estrutura da música ocidental, desde a Idade Média, segue um padrão de escalas tonais que soa agradavelmente aos ouvidos. De Tom Jobim a DJ Sandro esse padrão é minimamente repetido (não vão sair por aí dizendo que estou a comparar um com o outro). Um arranjo bem feito em cima de acordes seqüenciais sempre vai soar agradavelmente aos ouvidos do auditório. Isso não quer dizer que a música é boa, nem que isso é arte.

Para ver as meninas



(Paulinho da Viola)

Silêncio por favor

Enquanto esqueço um pouco

a dor no peito

Não diga nada

sobre meus defeitos

Eu não me lembro mais

quem me deixou assim

Hoje eu quero apenas

Uma pausa de mil compassos

Para ver as meninas

E nada mais nos braços

Só este amor

assim descontraído

Quem sabe de tudo não fale

Quem não sabe nada se cale

Se for preciso eu repito

Porque hoje eu vou fazer

Ao meu jeito eu vou fazer

Um samba sobre o infinito

Pele Negra


Durante alguns anos, nesse blog, eu expus minha vontade de gravar um disco definitivo que assumiu diversas feições ao longo do tempo. O último disco foi gravado em 2003, há mais de sete anos atrás. Nesse hiato imenso eu compus novas melodias, escrevi novas letras, pensei em discos perfeitos. Mas minha vida não ficou estática e eu assumi muitos compromissos em cada meandro que compõe esse hiato. No ano passado, eu e Rodrigo fomos atrás de um produtor musical que pudesse nos orientar na direção certa, já que ambos guardávamos (e ainda guardamos) tantos projetos possíveis, sem qualquer pretensão mais adolescente de ser um rock (ou samba) star. E descobrimos que o mundo profissional da música não guarda qualquer relação com o universo imaginário da arte do compositor. São coisas completamente diferentes. A dificuldade de se concretizar um projeto findou por lançar ao mar profundo nossos projetos. Mas eis que ainda no mesmo ano de 2010, Chris Nolasco aparece na minha casa dizendo que havia aprovado um projeto no FUNCULTURA e que queria contar com quatro músicas minhas. Qual não foi minha felicidade. Maior felicidade foi acompanhar a feitura do disco, entender cada detalhe de uma gravação, da feitura do projeto, das condições profissionais dos músicos. Sinto que esse hiato valeu a pena. Que eu não estou parado. Que algo de bom me espera nesse ano de 2011. E eu queria dividir isso com vocês. Logo, logo o CD “Pele Negra” estará finalizado e eu poderei postar as minhas músicas gravadas por Chris, e compartilhar um pouco dessa minha arte mexida e remexida pela profissão de fé.

sábado, janeiro 08, 2011

A Corrupção do Mundo

Um rato debaixo da cama é um rato, é um rato, é um rato

é um rato, é um rato, é um rato, é um rato, é um rato,

é um rato

debaixo da cama

sexta-feira, janeiro 07, 2011

O Medo

(Alceu Valença)



Mas eu não quero viver cruzando os braços
Nem ser cristo na tela de um cinema
Nem ser pasto de feras numa arena
Nesse circo eu prefiro ser palhaço
Eu só quero uma cama pro cansaço
Não me causa temor o pesadelo
Tenho mapas e rotas e novelos
Para sair de profundos labirintos
Sou de ferro, de aço de granito
Grito aflito na rua do sossego

Mas na verdade é mentira
Eu sou o resto
Sou a sobra num copo, Sou sobejo
Sou migalhas na mesa
Sou desprezo
Eu não quero estar longe
Nem estou perto
Eu só quero dormir de olho aberto
Minha casa é um cofre sem segredo
O meu quarto é sem portas, tenho medo
Quando falo desdigo, calo e minto

Sou de ferro, aço e de granito
Grito aflito na rua do sossego