sexta-feira, dezembro 31, 2010

A última crônica do ano

O ano de 2001 foi um ano especialmente bom para a uva Cabernet plantada no Chile. As condições climáticas, aliadas à inserção de novas técnicas introduzidas por experts europeus recém empregados em vinícolas chilenas, produziram uvas que atingiram seu grau ótimo para a produção de vinho, resultando em um congraçamento entre enófilos apreciadores da espécie Cabernet, ao redor de todo o mundo.

Nós não somos uvas. Não seremos colhidos. É certo que nos transformaremos em algo, adiante, mas esse algo permanece como coisa impronunciável encoberto pelas limitações da física, da fé e do homem. Por isso, eu não acredito em um ano bom. Eu acredito na sucessão de eventos previsíveis e imprevisíveis que está pautada de maneira fictícia por uma divisão estabelecida pelo homem que se baseou no seu conhecimento imperfeito acerca do movimento da Terra. O ano, do seu começo ao fim, é uma simples e imperfeita ficção.

A cada espaço de tempo pré-determinado nesses doze meses nós choramos, sorrimos, temos explosões de felicidade, sentimentos de solidão infinita, melancolias, achamentos e despedidas. Todo ano é e será assim.

No fundo, para nós, o ano de 2001 não foi muito diferente do ano de 2011. Os marcos mudaram decerto, mas a percepção subjetiva do mundo segue sob a pauta das mesmas emoções que serão renovadas em outros eventos. Em 2011 e me despedirei, eu acharei, sorrirei em explosões de felicidade e me sentirei impotente perante a solidão avassaladora do ser, tal como vem ocorrendo desde o primeiro ano em que me apartei do universo para ser um sujeito único e caminhante sobre a superfície do perceptível.

O engraçado e contraditório disso tudo é que, a despeito dessa racionalidade que antecede o brinde do vindouro, no momento do verso contrário da Tabacaria, vem sempre em mim a esperança da uva: de que o próximo ano seja um bom ano como o de 2001 foi para a uva Cabernet plantada no solo fértil do Chile.

A esperança é sempre maior do que aquilo que eu penso acreditar. E de uma maneira sub-reptícia, a ficção do tempo, criada de modo imperfeito pelo homem, subjuga a realidade corpórea e sem graça da vida desencantada, ao som dos fogos infinitos da fé e ao sabor de um vinho degustado no entreato de uma década que se foi.



ps: Um bom ano aos que desejam o melhor possível de dentro de uma taça ou de uma casca de noz

domingo, dezembro 26, 2010

Feliz Pós-Natal

O natal saiu pela porta e eu fui com ele,
Rodar pelas ruas antigas da cidade
Em tudo havia uma paz extremamente subjetiva
Que só o comércio adormecido pode ofertar
Uma mulher louca falava consigo
A sombra de alguém cambaleava embriagada rumo a nada
Dois policiais faziam uma velha cuspir pedras de crack, na ponte

Não havia anjos, não havia reis
Nenhuma glória a distinguir a pobreza sagrada da profana
A cidade era uma grande manjedoura vazia, sem pastores e vacas
E não havia homem ou deus que desejasse romper um ventre,
E embalar seu sono naquela pouca, magra e recifense paz.