sexta-feira, dezembro 24, 2004


Minha maloca, minha maconha Posted by Hello

Minha maconha, minha menina, minha galera

O minha maconha
Minha torcida
Minha querida
Minha galera
O minha cachoeira
Minha menina
Minha flamenga
Minha capoeira
O minha menina
Minha querida
Minha Formiga...
O minha maloca
Minha larica
Minha cachaça
Minha cadeia
Minha vagabunda
O minha vida
Minha mambembe
Minha ladeira
O minha menina
Minha querida
Minha Formiga...
O minha torcida
Minha flamenga
Minha cadeia
O minha maconha
Minha torcida
Minha querida
Minha galera
Minha vagabunda
Minha mambembe
Minha beleza
Minha capoeira...
O minha menina
Minha querida
Minha formiga...
Minha torcida
Minha flamenga
Minha cadeia
O minha maconha
Minha torcida
Minha querida
Minha galera...

(Manu Chao- com algumas alterações)

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Retrospectiva 2004

Estou me guardando para quando o carnaval chegar
eu quero a carne do impossível entre os meus dentes
é como um bom samba mesmo
que nunca será de ninguém
para quê você quer meu celular?
então está convidado
vem mais prá perto
acho que estou apaixonado por você (que bom)
você não está se esquecendo de nada?
eu te amo
a Rússia é tão longe
Não se esquece de mim, tá?
do you speak english? I lost my luggage
está frio...então vamos a pé
Dr. André, estou indo para São Paulo cuidar de um problema de saúde, Deus dá, Deus provém
quem tem que decidir isso sou eu
sua avó está muito doente
oi, vó!
meu filho, sua avó descansou
os novos árabes dizem "enfim"
estou aqui, tá?
o último suspiro da carne é o choro de nascimento do mito
tchau, Sandro, se cuida...
Semana que vem a gente se muda em definitivo
Nós vamos morar juntos
Eu sou uma pessoa bruta, mas vejo pelos seus olhos que você é uma pessoa boa
vamos gravar ano que vem, o nome do disco é "Quem tem cu reza, ou O Inevitável Disco Místico"
estamos comunicando a unificação do escritório Urbano Vitalino com o Siqueira Castro
São Paulo, São Paulo, tá na hora, São Paulo, São Paulo
classe executiva é outra coisa
dorme garrinho comigo?
vamos lá prá casa e depois vamos prá sua
o ano ainda não acabou
estou me guardando prá quando o carnaval chegar
(mas eu vou com você)

terça-feira, dezembro 07, 2004

Rio

Por diversas vezes tentei traduzir - na forma de um poema - um Rio de Janeiro idílico, que resultou do meu encantamento ao ver a cidade. A tradução não veio, e eu não me permiti lutar com as palavras para apressar um poema que, com certeza, um dia virá. A relação do homem com a urbes é uma relação quase matrimonial; de intimidade devassada mesmo. É preciso ódio, amor, encantamento, casamento e divórcio; desejo e repulsa, para se escrever com propriedade sobre algo que foi construído para nos limitar em sua própria liberdade. Não tenho isso do Rio. Não tive tempo, foi só um beijo passageiro, um amor à distância. Quem sabe um dia, morando lá, possa eu fazer propriamente um poema sobre o Rio?

Posso falar das minhas impressões: pois foi no Rio que pude entender propriamente Machado de Assis. Só lá é possível uma Capitu. Só lá é possível essa sensação de que se busca um desejo a cada segundo. Só lá eu pude conviver mais com o seculo XIX do que aqui em Recife... e talvez isso já seja um poema. Machado de Assis não seria ele mesmo se não tivesse nascido no Rio, vivido no Cosme Velho. Há um quê de naturalismo nessa minha constatação, e não é à tôa. Só no Rio eu pude entender Aluísio Azevedo.

Mas deixemos disso por ora, meu caro amigo. O Rio é uma menina bonita pegando um ônibus no subúrbio, pensando nas contas que ela tem para pagar....e em algum lugar, um poema meu está guardado em um porta-jóias feito a mão.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Homem Animal

Não chegarei a ver os quadrinhos (comics) alçarem o status de arte, como aconteceu com o cinema e a fotografia (que findaram por libertar-se do jugo da categorização artística clássica) no passado século XX. Talvez seja necessário o advento de mais uma geração fanática por este meio de expressão da alma figurativa humana para que estes instrumentos, que tanto me divertiram nos meus melhores anos, sejam tidos por paritários à música, à poesia, e às outras musas velhas e novas.

Cá com meus botões, nunca torci o nariz ao bom e velho gibi. Ao contrário, devo a eles momentos significantes de gozo artístico literário. Giórgio me presenteou com a recordação de uma das histórias mais envolventes publicadas pela D.C comics que eu já tive o prazer de ler. Nela, o transborde das citações pop de um mundo que preenche (ainda preenche) meu imaginário. Metalinguagem pura. Diversão pura.

Em um dos melhores momentos, um arroubo poético do escritor Grant Morisson que trago a vocês...Está lá, no "Evangelho do Coiote":

"Dói respirar e tem um estilhaço de pedra cravado em sua virilha
Ele jamais saberá que a rocha contém uma anêmona fossilizada de perfeita e microscópica beleza"

Muito bom.

quarta-feira, novembro 24, 2004

A Luciana Espíndola

Lembra desse poema? Achei mexendo em umas coisas aqui em casa...amanhã eu vou para o Rio. Nesse meio tempo, fica bem tá? Quando eu voltar faço um samba prá você. Caço vaga-lumes no quintal prá fazer você rir. Encho o seu copo de cerveja, e não deixo ela esquentar. Tiro você da dieta. Conto piada sem-graça. Vou até o Araguaia tecer um país só prá você.

Beijo, Lou.



Acorda Luciana


Acorda Luciana, acorda anjo meu
Há uma menina dormindo com os olhos que são teus
Há um corpo velando um corpo que não quer acordar
Há um sonho estranho que não se pode querer sonhar

Há um sangue parado na veia que quer se mover
Há um beijo roubado na boca que está por se ter
Há uma banda lá fora, tocando uma muda canção
Há uma batida mais forte esperando o teu coração

Há um deus cabisbaixo, esperando uma oração para ele
Há uma alma intranqüila esperando, morte, carne e pele
Há uma seca lá fora, (será lá fora que se dá o agreste?
Ou será aí dentro, que a terra seca o verde veste?)

Há uma coisa escondida, que sequer sei nomear
Mas que guardas aí dentro, esperando você mesma acordar
Uma coisa que não tem peso, mesura ou tradição
É sequer uma presença, é sequer consubstanciação

São as suas reticências, é a sua imperfeição
A beleza de se estar incompleto, o si em sempre construção
Acorda, para isso, Luciana, acorda anjo meu
Há uma menina dormindo um sono que não é teu

segunda-feira, novembro 22, 2004

Eu, a sombra

Meus braços, perdi-os ao acenar para um barco
meus olhos, fecharam-se ao ver beleza demais naquilo que não podia se enxergar
minha boca selou um choro e nunca mais abriu
minhas pernas ficaram na ante-sala da competição como memorial ao que sequer tentei
meus pés se afundaram nas pegadas deles mesmos
e meus cabelos e minhas unhas e minhas pupilas, tudo deixei ao sair de casa numa segunda-feira

Mas a minha sombra, essa que transcende o meu corpo
que me lembra que eu permaneço até quando estiver em meu caixão
fica como cicatriz inexistente em corpo-quase-nada
a sombra fica como o melhor que nunca existiu em mim


sexta-feira, novembro 19, 2004


just testing Posted by Hello

outsider me Posted by Hello

sábado, novembro 13, 2004

Mestre

a Souto Maior Borges


No hiato de mim-a-ti uma estrada continua se construindo
nela, aquilo que nos constitui esse aperto de mão que me desses:
um livro não lido
uma xícara quebrada
o lençol amassado ainda na madrugada suada
os homens que invadem e amanhecem em Kabul

As palavras são abstratas, as fórmulas, o cancioneiro
Mas nós mesmos...não somos nós a perspectiva de um que nos viu?
Não somos nós um rastro de linguagem que aprendeu a falar de si?
Em vão tento me tocar, tocarei outro, ainda que o outro seja eu mesmo
E se tu se esqueceres de mim, terei eu existido para o mundo que permancerá no após de mim e de ti?
Eu, abstrato como a coisa abstrata que intuo por coisa real

Coisas, coisas, coisas...as coisas quedam suspensas mas nós nos movemos
rumo ao mar de alma que separa os dois portos de carne
Mestre, eu recebo teu navio de joelhos
Recebe em ti a frustração dos náufragos e a tristeza dos que vieram recepcioná-los
É apenas isso que posso atracar em ti.

quarta-feira, novembro 03, 2004


Eu não abaixo minha cabeça  Posted by Hello

sexta-feira, outubro 29, 2004

O Rio

O Rio

Eu, que sou tudo isso para mim e nada disso para o mundo
Tenho tocado com meus dedos o que milhares de dedos tocaram antes
Tenho apoiado os meus cotovelos na mesma superfície regular que suportou os cotovelos do bancário da esquina
Tenho pisado com meus pés quilômetros de terra domada pelos que me precederam

Eu, sempre esse sorriso presumido, esse abraço aguardado, essa presença intuída
Sempre o mesmo, mesmo que sempre para olhos estranhos
Sempre aquele que não precisa de verbos ou adjetivos
Sempre o captado por um olhar furtivo pelo canto do olho

Tenho honrado meus antepassados ao amarrar os cadarços do sapato
Tenho recebido menções por fazer sempre as três refeições
Tenho engrandecido o meu espírito ao contribuir com o sistema previdenciário

(Ao passar pela mesma rua em que sempre passo, sinto que alguém me saúda
Sou saudado mais pelo gesto do que pelo homem estranho do canto da rua
Que nunca me viu, mas pensou ter-me visto sempre
E lhe sou familiar porque existo, porque falo, porque sou
Eu, que estou multiplicado no sorriso presumido, no abraço aguardado, na presença intuída
Cujos olhos são olhos e nada mais, cuja pele não é porcelana mas carne que perece
Cujos sonhos são roubados daqueles que sonharam antes de mim:
quedo homenageado pelo ato de ser apenas mais um)

Eu, que sou nada disso para mim e tudo isso para o mundo: Mais um...

Nem um Sartre a descobrir que é liberto porque é
Nem um Ford a imaginar novas formas de diminuir o mundo para nossas pernas
Nem um Judas a causar chagas em Deus e fazer isso simplesmente como quem beija...

Nem mesmo nada a se imaginar nada de tudo e por isso mesmo o fim de todas as coisas
Não, nem mesmo isso...

O Paciente Inglês

Eu estava vindo de um combate. De mãos atadas, pois havia perdido uma batalha. Estava cego. Estava queimado. Eu tinha em mim os sons de todas as cidades: Berlim, Milão, Lisboa, Paris. Eu tinha em mim as feridas de todas as pessoas, transubstanciadas na minha exclusiva e intransferível dor. Em cada chaga havia uma sombra. Em cada sombra havia um passado. Em cada passado havia a ausência de mim. Eu que conhecia a amargura dos judeus cativos. Eu que havia penetrado Berlim com meus cadáveres. Eu que sonhava com a neve derretida em meus lábios...e isso, naquela guerra, era impossível. Então me joguei na areia. Chamava a morte e a morte não vinha. Vinha a vida e era pior que a morte. Chegava a noite e me lembrava que viria o dia. Chegava o dia e me lembrava de que existia o tempo. E quando tudo parecia que se abismava ao meu redor, uma gota de saliva tocou minha nuca. Em meio ao ensurdecedor silêncio da minha alma eu ouvi um riso. Um riso desprovido de grandes cidades, de pretensões de guerra, de conquistas de mundos...e eu que não sabia que existiam os joelhos me prostrei frente ao que eu não entendia. Minhas chagas foram pensadas sem nenhum pedido de coisa em troca. E pela primeira vez na minha vida, eu amei o outro.

Fátima...eu criei essa página para falar das coisas que não são minhas, mas são do mundo. Prometi que pouco diria de mim mesmo, embora quedasse sempre descoberto em cada poema que aqui publicasse. Você me pediu um poema, mas não posso forçá-lo. Eu o chamei e ele não veio. Ele virá novamente, como um cavalo insubordinado, que ama o homem a distância, ele se aproximará para comer esse torrão de açúcar que estou a oferecer. Mas se não posso lhe dar o poema, que a prosa lhe diga: sim, eu hei de nascer ao seu lado. Diuturnamente. Em ti, eu encontrei o prêmio nobel da minha paz.

Eu e você vistos por uma míope sob a luz dos automóveis Posted by Hello

quinta-feira, outubro 28, 2004

Geografia da terra seca e do papel

Eu sou adepto da poesia pela pedra. A poesia pensada e perene. Fazer poesia é antes de tudo pensar a poesia; interpretar o que cerca o homem de uma forma poética, mas sem "poetizar o poema". Não consigo exergar poesia na poesia que é fruto da alma derramada em fluxos constantes de amor lírico. Por isso ponho-me de encontro àqueles que exergam o derrame em poetas como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira ou mesmo Pablo Neruda. É uma falácia. São todos sapos tanoeiros fazendo e refazendo a linguagem coloquial de maneira pensada, mas sob um verniz de impulso d´alma que aparentemente esconde o processamento do mundo através da reconstrução lingüística.

É preciso mãos de artesão. E isso nem todo mundo tem.

(À Rodrigo, que já havia intuído isso em o
"Verso e o Seco")


Geografia da terra seca e do papel


Teu instrumento é a terra seca, esta que tudo impede
Mas que abre a carne seca para algo, tão mais molhado quanto agreste
Algo que a seca veste, mas não corrompe nem alivia
Algo que faz parte da terra seca e na terra seca busca alforria
Algo que desfaz a terra seca e a mesma terra seca depois principia
Em outra superície seca, porém mais branca do que a que antecedia
O papel essa nova terra seca, onde escrevemos nossa geografia
E o molhamos com nossa veia aberta a terra seca que em nós existia

quarta-feira, outubro 27, 2004


Shylock: um deus aprendendo a sê-lo Posted by Hello

Shylock

Era apenas um gato para mim; hoje é um espelho. Sou devoto de sua fidelidade canina (ops!) que me acompanhou em momentos de tormenta e de calmaria. Tem gente que até reclama seu dominus. Tola gente. Shylock não pertence a ninguém, nós que pertencemos a ele. E em mim reside a certeza de que, acima de todas as coisas, ele me escolheu como parte inafastável de sua vida. Estaremos juntos por tantas tormentas e calmarias quanto existirem mundo afora. Ninguém nos impede. Nem a calma do vento. Nem a fúria do mar.

Sua ode, meu filho...

Ode a Shylock


Excelentíssimo Senhor da minha concentração
Marquês das roupas estiradas na cama, ou em qualquer lugar mínimo que lhe pareça aconchego
Duque da vista da minha varanda, cuidadosamente colocada por Deus, unicamente para o seu deleite
Sire do Mundo todo que presumimos por todo
Milord
Permita-me dois dedos de meus poemas, para dizer-lhe o que não precisas ouvir:

A tua cauda aponta para a via Láctea, os teus olhos apontam para o que tu queres
És o conquistador terrível das tuas vontades, a polícia desbravadora do que não sabes
O sorriso oculto em Da Vinci, que se equivocou ao pintar uma reles
Quando toda a explicação reside no sorriso que dás e que olhos comuns não percebem

Esticador hábil do próprio corpo, que faz dele a ponte entre o prazer e o deleite
Mestre das próprias unhas, elegantemente dispostas ao ato de apenas dizer-lhes:
“eu as tenho”
e calado mostrar quatro bainhas que, de tão nobres,
faz-te apenas expectar que as aceitem

Cavaleiro do próprio corpo, que não precisas de qualquer outro pra completar o trote
Ser completo em si mesmo, dono do próprio dote
Eu quero cantar-te porque só sei de mim se contigo, porque não és meu amigo mas mi lorde

Eu que nada sou, nem poeta, nem gente, nem nunca serei nobre
Curvo-me ao que não entendo: letra, ouro, corvo e sorte
Curvo-me então aos teus olhos que reclamam a propriedade
Do meu corpo, dos meus bens, de tudo que percebem e colhem
Pois é este o ato maior de Deus: de ser senhor de tudo o quanto se pode

E ainda assim, nesta que é a maior de todas as posses, deitar diante de mim
E ofertar-me. O prazer de ser seu senhor e aplacar minha sede
De não querer ser gente mas este
Mistério indecifrável que tem a mim e eu a ele.




quinta-feira, outubro 21, 2004


Essa foto deve ter direitos autorais. A quem terei que subornar para nunca ter que pagá-los? Posted by Hello

Corrupção: Você ainda vai se deparar com uma

Felizes os que não vêem a face da coisa pública. Porque esses herdarão o reino dos céus(nem que subornem São Pedro para entrar)

André e a Quimera


Crio, em minha casa, uma quimera.
Colhida à rua, ainda pequena,
Atraiu-me seus olhos puros
Sua meninice mitológica ainda reticente
reticente como eu me encontro frente a este poema,
tomei-a nos meus braços e fiz-lhe meu canto:

Alegra-me sua pureza quase indecente de verdade tão grega
Essa coisa pequena alheia às circunstâncias do mundo que chamamos moderno
sem qualquer condescência à hierarquia dos justos
Livre dos esquemas e das tramas que nos exigem o dia.

É apenas uma quimera que brinca (ora dorme, ora ri)
E não lhe aturde a estampa jornalística que denuncia a verdade comprada
Ela sequer sabe dos subterfúgios disfarçados de coisa-bela
Das togas, dos ternos, das peles
Humildemente estendidas à passagem do que lhes é maior

Eu a crio assim
(circunscrita à sua infância
essa era maniqueísta que diz: feio, bonito
Bom, mau
Ao passo que a maturidade é a relativização de todas as coisas
E dizemos: não é bem assim
A justiça não é bem assim
A verdade não é bem assim
O homicídio não é bem assim
Deixamos subornar os postulados que um dia nos foram caros
Mas suborno não é bem assim

Salvaguardarei essa minha quimera
Sequer lhe contarei meus próprios pecados
Há de doer em mim a solidão da penitência subjetiva, do chicote imaginário
mas não lhe contarei o meu maior erro:
o pecado de ver e achar normal,
ver a normalidade normalmente normatizada
(e restar calado como homem rico que devora com os olhos o pão roubado
e virtualmente o come ainda que de barriga cheia
que seu sabor não vem da matéria mas dantes da própria fome inexistente)

eu findo por achar normal minha admiração contida em recurso viciado
Achar coloquial, o estupro
Cotidiano, o descaso
E eu digo sim, omissivamente. Sim ! ainda que calado.
Ato! ainda que parado
(eu pecarei por simplesmente existir)

Por isso não cedo informações à minha quimera
Que país é esse? Nenhum
Que democracia é essa? Alguma
Quem governa esta terra? Ninguém

Ser-lhe-ia melhor surdez ante tantos sussurros
Ser-lhe-ia melhor o silencio perante a palavra estuprada
Ser-lhe-ia melhor a cegueira diante da imagem glorificada
Ser-lhe-á benéfico o ateísmo na terra dos deuses nomeados.

Qualquer cortina fechada servir-lhe-á de janela
Janela de mim-para-mim, salva-me ! Purifica-me na ignorância ilusória de não ver
Não quero ver esta festa em que se decidem os nossos destinos
Onde tantos favores serão servidos em pratos de bronze
(e eu rezarei ao Deus velho, o Deus do velho testamento
para que o mundo dos probos seja devorado pelas águas impuras do ópio popular)

Mas ó coação irresistível que é meu sobrenome: à festa, eu irei...
A festa é meu fim.
Hoje eu sou o filho
amanhã serei o pai
e por fim, o busto
Morrerei acorrentado às minhas flexibilidades.

Por isso, esse meu ofício: de guardar a pequena quimera em minha casa
E em minha casa fazer-lhe o berço-ilha de tudo que achamos por verdade

Um dia ela crescerá e se tornará o monstro, tal qual nas fábulas gregas
E devorar-me-á, selvagem, com seus olhos de besta
Pondo termo enfim a essa minha existência acorrentada
Eu serei devorado pela coisa pura
E para a coisa pública quedarei como verdade não alcançada.

quarta-feira, outubro 20, 2004


Sevilha é de pedra como a alma de quem se deixa Posted by Hello

segunda-feira, outubro 18, 2004

Aos que estão longe de Sevilha

Sevilha e flamenco. Sevilha e vinho. Sevilha e lulas. Sevilha e ciganas. Sevilha e João Cabral. Para quem nunca foi, para quem sente saudades, para quem quer voltar: Sevilha e dança - ainda que nós quedemos imóveis.

A Dança Imóvel de Sevilha

Dança como a catedral imóvel, que de si a si principia
A dança dos que não se movem - mas sonham com essa ousadia

Dança como a faca embainhada, presa na carne-bainha
Embora contida na carne - faz temer quem anda na linha

Dança como a semente intacta (virgem de vida explodida)
Move-se no sonho de árvore, antecipando a próxima vida

Dança como o touro cego que pressente o que se anuncia
A morte - essa bailada – e, parado, se joga à alforria

Dança como o fogo extinto que em suas cinzas traduz minha calma
Preparando-se para ser novo fogo, enquanto - chama - dança na alma

quarta-feira, outubro 13, 2004

Viajar é se perder - Na Estrada de Sintra

Moscou ou João Pessoa, a essência do ato de viajar é a mesma. Não importa o veículo ou a distância, o desejo é de se perder. Para que possamos nos perder é necessário deixar para trás a nossa identidade, nossos signos, nossas circusntâncias.
Quando desculpamos o ato de deixar nossa casa com o descanso para o enfado da alma, queremos não ser mais os mesmos porque estamos enfadados de nós; queremos nos perder longe dos nossos próprios braços.
Nesse breve espaço de tempo, circunstanciado na viagem, descansaremos de nós no outro, estaremos despertos para as diferenças culturais e sociais.Assim, esqueceremos um pouco essas circunstâncias cotidianas que nos constituem.
E quando retornamos ("retornar é partir novamente") poderemos nos ver mais inteiros, mais completos porque nos perdemos.
Viajar é preciso: só nos perdendo poderemos nos achar. Ok, isso é um clichê...mas foi isso que Álvaro de Campos nos legou nesse belo poema que passo a transcrever.
E hoje, só hoje, não chatearei vocês com meus poemas...que venha a qualidade:


Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa. Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem conseqüência, Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...
Maieável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no mundo
Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz. Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que está em cima
Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada real. Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da cozinha
No pavimento térreo, Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de rapariga,
E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me perdi. Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel emprestado que eu guio?
Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite, Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente, Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,
E, num desejo terrível, súbido, violento, inconcebível,
Acelero... Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo sem vê-lo,
À porta do casebre, O meu coração vazio, O meu coração insatisfeito, O meu coração mais humano do que eu, mais exato que a vida.
Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao votante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...
(Álvaro de Campos)

sexta-feira, outubro 08, 2004


Raquel - Gare do Mar - Tejo ao desconhecido Posted by Hello

A minha irmã

Fazer anos é belo e doloroso. E solitário. Poucos percebem...absortos nos presentes e nos amigos e no copo de refrigerante que acabou de cair no chão. Mas pode ser um novo ponto de partida para se fazer outro ano, basta assim o querer. Minha irmã, eu te amo e desejo a ti tudo que houver de vida nesta vida. Quero você intensa como seu sangue que corre em minhas veias. Um beijo -

André

GARE DO MAR

Gare do mar
um gosto de partida que entorpece o sonho ao fazermos anos
e não sabemos mais o que somos, mas o que fomos
irmanados no vaso que se quebrou e que se jogou fora
como ele morremos para vida e nascemos para a memória

Seremos sempre a foto tirada descuidadosamente por um Deus
ou por nós mesmos – a sonhar à parte disso tudo que chamamos de vida
já mortos para nós e vivos para a impressão
seremos sempre os que fazem anos com um gosto de partida
para a Gare do mar – irmanados no vaso, como na foto, como no sonho

quinta-feira, outubro 07, 2004


"saudade não tem idade" - Madredeus Posted by Hello

Os carnavais saudosos

Uma menina linda me fez recordar o carnaval. Ainda em Outubro, eu já sinto a anunciação da carne, o re-ligar com tradições tão ancestrais quanto a prostituição. Lógica malévola essa que permite o desbunde em quatro dias, antes de apiedar-mo-nos de nós mesmos e clamar a misericórdia das cinzas frente ao madeiro (que o cupim não rói). Eu mal posso esperar pela chegança do mar de gente...e ainda é Outubro. Meus pares entendem essa agonia, faz parte da vida da gente (menos de Sandro que agora curte a Love Parade na Alemanha). Esse hiato de tempo roto é que dá a conotação de tristeza e saudade do carnaval; por isso eu misturei Fernando Pessoa e Capiba na canção que eu fiz para inaugurar meu carnaval revolucionário deste ano que já vai embora (mas qual carnaval não revoluciona?). Sem delongas:


Árvore de Maravilha:

Eu quero a carne do impossível entre os meus dentes
quero ser a vã semente que você não vai plantar
para germinar entre meus pares em degredo
(vou contar-lhes um segredo, meu degredo é o carnaval)

Eu quero a estrela mais remota da existência
quero perder a minha essência na essência da ilusão
e ter por máscara a árvore de maravilha
para ela reinar na minha ilha onde reina a solidão

Árvore de maravilha tu és mãe e filha do que um dia eu fui
árvore de maravilha tu és mãe e filha do que um dia eu fui

Eu quero a sorte de ficar na tua lembrança
como um sonho de infância que nunca se perdeu
e retomar o nosso encontro algum dia
sob o signo da alforria que só há no beijo teu

Eu quero deusas, quero a fronte coroada
a moça rosa e dourada que de mim se desgarrou
e entre meus blocos a árvore de maravilha
pavilhão da minha ilha, monumento ao meu amor

Árvore de maravilha, tu és mãe e filha do que hoje eu sou
árvore de maravilha tu és mãe e filha do que hoje eu sou

quarta-feira, outubro 06, 2004

Mais um poema erótico

Isso aqui está parecendo dia de ação de graças em uma mesa Amish. Ao inferno com o puritanismo: mais um poema erótico.


Cavalgar a mulher madura

Cavalgar a mulher madura é não doma-la
Deixar livre o campo do peito para ser pisado
Entre as pernas da mulher madura colher o reinado
Que deixaste escapar das mãos ao corteja-la

É deixar de ser forte e firme e tanto homem
Quanto o que te fizeram crer na tua infância
Quedarás mais por fêmea quando em ânsia
Render-te aos desejos de mulher que te consomem

Saborear o gosto da vulva percorrida
Não ter ciúmes da tua inexistência no passado
Se percorreram dantes o que hoje estás fadado
Agradeça em suas pernas a experiência dividida

Cavalgar a mulher madura é ter no falo
Várias mulheres e homens que lhe são estranhos
Desejar a sela entre os pelos castanhos
Presumir que monta, o pobre cavalo

Carta

Carta bem escrita e tão bom quanto cheiro de café quente no frio. Poucos (as) são os que fazem cartas tão belas que poderiam ser facilmente publicadas em um coletânea de boas coisas da vida. Eu tive a sorte de receber uma carta tão bela que nunca me saiu da cabeça. Serei discreto com o nome de quem me enviou. Se ela entrar por aqui, ela saberá.

"Fiquei pensando em uma forma de agradecer pelo presente, às vezes demoro tanto pra dizer as palavras certas que chego a virar folhas...
É como um bom samba mesmo, aquele que chega de mãos dadas com a lua e sai derramando pela boca da noite todos os propósitos da vida. Ao me deparar com o gesto, não sei como não deixar o encanto não vir; chego a pedir licença ao tempo para retrocedê-lo:
- Em que momento chegastes a pensar nesse mimo?
Talvez o acaso possa responder-me e, mesmo não podendo dizer-te tudo, admito: o teu agrado calou-me os olhos.
Então que a poesia te diga:

'-De sua formosura
deixai-me que diga
belo como o coqueiro
que vence a água marinha

- Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria
-Belo como a coisa nova
na prateleira vazia
- Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia
- Ou como caderno novo
quando a gente o principia

- É belo porque com o novo
todo o velho contagia
- Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia
- Infecciona a miséria
com vida nova e sadia
- Com oásis, o deserto
com ventos, a calmaria'
João Cabral de Melo Neto

Recife, quase treze de Fevereiro de dois mil e quatro"





segunda-feira, outubro 04, 2004


Os passos que nunca dei Posted by Hello

Imagens do Recife Antigo

"Essa cidade é meio bruxa, meio mágica.
Enfeitiça, quebranta,
tira as forças" (Nilo Pereira)

As cidades definem seus homens. Eu sou este que sou porque nasci aqui. O Pátio da Santa Cruz é parte indelegável da minha forma de ver o mundo.


Pátio da Santa Cruz


No Pátio da Santa Cruz, procuro em mim a razão das coisas outras
Sou invadido pelo alheamento dos homens que passam, e que não se dão conta que são homens que passam
Pois sempre nos damos por achar que quem passam são os outros
Até que nos chega a noite e nos relembra que, por sermos tempo, estamos sempre a passar

No Pátio da Santa Cruz, meridiano de mim circunstanciado aos meus sonhos
Cheiro da minha infância brasileira, da infância dos outros que passam
Mas o que sei eu dos cheiros das infâncias dos outros? O que sei eu mesmo da minha infância?
É tudo a intuição de um fio de prata, ligando uma circunstância à outra
É tudo uma trama de nós sem nos darmos conta da trama

(procuro em mim a razão das coisas outras...)

Vem em mim essa intenção maior que a noite, de saber o motivo do alheamento
De decifrar a cor antiga da casa, a posição geográfica da igreja
O símbolo do sol que,
de olhos fechados para nossos olhos abertos,
amanhece apenas para si

De domar aquilo que é um atravessar-me de sensações cotidianas que renascem de si para mim como se eu fosse a passarela de todos os homens
Como se eu fosse o tradutor juramentado das coisas que nunca foram ditas

Lá fora, no Pátio da Santa Cruz;
aqui dentro, no Pátio da Santa Cruz

sábado, outubro 02, 2004

Sandro, seu filha de uma puta

Sandroca:

Parece que pedantismo vai mesmo invadir a Alemanha. Não bastasse a penca de filósofos alemães que somos obrigados a ler, ainda teremos que aguentar você daqui a quatro anos, mais insuportável do que nunca, falando alemão e metendo o pau na cultura brasileira. Não sei se meu saco escrotal tem pele o suficiente para suportar o esticamento que advirá da sua chegada no aeroporto. Mas tenha certeza de uma coisa: eu estarei lá. Estaremos todos juntos, tal qual nesse sábado esquisito em que você saiu chorando pelo lado errado do portão. Adauto chorou. Eu não. Estou feliz por você. Você quis isso mais do que qualquer coisa. Invejou doentemente os que lá já estavam. Você conseguiu. Vá tomar no cu por isso. É como saudamos os felizes. Você vai sentir saudade seu merda, ainda que não o admita, fazendo essa pose de superioridade intelectual que deixa você ainda mais com cara de mané. Você vai ser um ponto de saudade em uma terra branca, asséptica e correta como um relógio suíço. Saudade só existe na língua portuguesa, e essa língua vai te fazer tanta falta quanto o gosto de feijão e o cheiro do mar que não vem. Mas seu copo de cerveja está lá imexível, intocável na mesa de qualquer bar que nos receba por estes lados da pobreza tropical. Daqui a quatro anos esse país continuará sendo miserável, os tubarões continuarão comendo os surfistas infelizes, o sol continuará de rachar, os livros de auto-ajuda continuarão no topo das listas dos mais vendidos, e nós estaremos no contorcendo de novo de rir por causa do novo óculos que você terá acabado de comprar. Com eles ou sem eles, nós estaremos por aqui.

Até breve, seu mané...

sexta-feira, outubro 01, 2004


São Jorge de Novgorod. Século XIV. Santo mais de lenda do que de fato. Como, de resto, são todos os santos. Como nesse poema abaixo Posted by Hello

SANCTUS

SANCTUS (ou a essência)



Andando pela rua do Hospício, e absorto em mim mais que no mundo
Cruzo com o Antunes, o da igreja
E diminuímos juntos a distância que só tempo é capaz de tecer
Eu olho para o Antunes e meus olhos abrem os braços
- Olá, Antunes, que bom acaso traz o acaso de te encontrar...
e ao abraçarmos sabemo-nos existindo
(que só existimos para os outros;
para nós mesmos, somos sempre a dúvida de sermos algo que sonha em ser o que nos presumimos).

Digo-lhe isso: “Antunes, que bom saber da tua presença
Pois sabendo da tua, sei da minha
E sei que tenho olhos porque olhas nos meus olhos
E que tenho mãos porque as reputa cansadas
Sou porque és, porque as carnes só podem ser juntas
(e o meu velho amigo sorrindo discorda silenciosamente de mim)

“Porque precisas do que vês? Não basta cogitar a ti mesmo para saber que existes?
Mas dantes, saber que somos invisíveis a qualquer dos olhos
E quando eu vejo teus olhos, não são teus olhos que vejo
Mas o que reputo por teus olhos, o que reputo por mim mesmo”

E diz isso, por não ser ele qualquer Antunes, mas Antunes, o da igreja
E sempre fomos assim: eu como coisa que traz o Mundo para dentro da alma
Ele como coisa que leva à alma para fora do Mundo

Eu vivo para isto que ocorre agora, para o que teus olhos, ó leitor, toma por casual
E que é concreto e amigo da minha pele, e que justifica meus sentidos
Sentidos que usarei até ter gasto todas as sensações e eu não ser mais gente
Mas a memória de um cheiro, de uma saliva, de um corpo que nunca foi o meu

E digo isso ao Antunes: “morrerei na glória de ter sangrado pelo próprio sangue
Mas, você, Antunes, o que é você?”

“Eu vivo para isto que ocorre e que não sentes
Mas que intuis, ainda que te odiando a ti mesmo por intuir
Eu vivo para a alma.
Porque sei do Senhor que desconsidera todas as carnes: as de pedra, as de árvores, as de carne
Eu não posso gozar minha pele, se há antes da pele uma angústia
E que não é minha mas dói em mim, e dói justamente porque há carne

Eu vivo para a alma”

Mas há alma fora da carne?
E se tudo isso que chamamos alma for nossa epiderme
Mas nossa epiderme tocada pela nossa mãe
E se o que dizemos ser espírito for o cabelo desgrenhado pela brisa que vem do mar?

Então saudaremos nossas almas com beijos e abraços e com o sexo
Com qualquer coisa que reputamos como uma mínima descarga elétrica
Que atravessa nossas nucas e se espalha pelos limites tácteis de nossa existência
E terá sido essa a nossa oração.

quinta-feira, setembro 30, 2004

Maio Maduro Maio

Eis de onde vem o título deste blorgh: (Madredeus - Lisbon Story - Trilha do filme - Bonus Track)

Maio maduro maio
Letra e música: Zeca Afonso

Maio maduro maio
Quem te pintou
Quem te quebrou o encanto
Nunca te amou
Raiava o Sol já no Sul
E uma falua vinha
Lá de Istambul
Sempre depois da sesta
Chamando as flores
Era o dia da festa
Maio de amores
Era o dia de cantar
E uma falua andava
Ao longe a varar
Maio com meu amigo
Quem dera já
Sempre depois do trigo
Se cantará
Qu'importa a fúria do mar
Que a voz não te esmoreça
Vamos lutar
Numa rua comprida
El-rei pastor
Vende o soro da vida
Que mata a dor
Venham ver, Maio nasceu
Que a voz não te esmoreça
A turba rompeu

Fogo do sol, carne da lua Posted by Hello

Fire of the Sun, flesh of the Moon

Meu amor...

Quando eu estava na Rússia, queria me perder por lá e nunca mais voltar por aqui. De tudo tão belo que parecia pipocar as minhas retinas, foi surgindo uma saudade - tão portuguesa em sua maneira de ser sentida, tão africana na sua maneira de ser cantada. Adoeci de banzo. Eu olhava para cada menina russa e via você. Por isso não fique enciumada se eu desenhei uma menina que me chamou a atenção em uma loja de bonecas russas. Eu estava desenhando você. Foi lá, tão distante da terra em que piso, tão distante do mar que eu amo, que eu descobri que teria um motivo para voltar. Então eu não quis mais me perder. Fogo do sol, carne da lua.


Meu amor:
Você é o fogo do sol, a carne da lua
o brilho da prata, a nobreza do ouro
o ventre da terra, o móvel do ar
o sangue da água, o conforto do gelo
Você é a rosa dos ventos, a palavra pensada
o segredo da noite e o batismo do dia
o cheiro da madeira da casa para o corpo estrangeiro
a terra nunca dantes vislumbrada para os olhos apátridas
o repouso no seio da vida, a vã formosura
o elogio à companhia eterna e o terror do degredo

Eu perdi as digitais dos meus dedos e as íris dos olhos
eu perdi as marcas do corpo e a noção do meu tempo
fui apagado de cada memória, fui expulso de casa
eu retornei até o dia anterior ao meu nascimento
Para que nada restasse por antes e por gênese
para que nada eu soubesse por gozo ou por medo
Para que eu não existisse agora (como eu era)
para que eu nunca fosse o que eu seria, ou porventura
nem mesmo eu mesmo, nem nada
nem como tradição falada, nem como cultura
apenas como algo a porvir e que te louva
pois és o fogo do sol e a carne da lua.

quarta-feira, setembro 29, 2004

Seios

Um poema erótico para animar esta merda:

Seios

Se cabem em minhas mãos, não os quero
o paradoxo do peito pacientemente eu espero
ter peitos é não tê-los e sempre imaginá-los
pois se não cabem nas mãos, não podemos clamá-los,

por nossos como mãos que nas nossas mãos bem cabem
só quero peitos que fartem,que deleitem e que sobrem
para perder-me entre eles e entre eles me achar
para vê-los crescer nas meninas a rodar

pois se vejo com ânsia esse crescimento
é que há um momento, de noite ou de dia
onde há uma alegria no porvir que imagino
o fino tecido ser rasgado com euforia

Então terei finalmente saciada essa fome
que habita meu pau, minha boca e meu nome
o paradoxo do peito ministrará meu prazer:
de ter em minhas mãos o que não posso reter


Eu, por exemplo

Era uma vez um patriarca judeu que morreu e nunca foi enterrado pelos seus filhos. Era uma vez um garoto que foi trabalhar em um hotel em que Sartre se hospedaria. Era uma vez um Barão que fez um pacto com um demônio. Era uma vez três amigos que descobriram uma sociedade que tinha por objetivo libertar as mentes do pensamento medieval. Esses sou eu. Alguém que neste momento se utiliza deste expediente para comunicar. Re-ligar. Existir. Alguém que está em um lugar que não mais importa, porque todos os lugares acabam aqui. Alguém que conhece a fúria do mar. Você conhece a fúria do mar? Então foda-se, porque ela não me importa. Eu a venci. E vim contar essas histórias (e não estórias) a vocês que sequer existem.