sexta-feira, dezembro 22, 2006

Feliz Natal

Qualquer coisa que se escreva sobre o natal
vira um enorme clichê
então, fala o Rei David:

"Bendito seja o Senhor que de dia em dia nos carrega de benefícios
O Deus da nossa salvação"
(salmo 68)

Ps - não virei evagangélico :)

quinta-feira, dezembro 14, 2006

O Jovem Gilberto Freyre ou A Invenção do Brasil (chorinho)

Essa mulata, quando pisa no terreiro
ilumina um povo inteiro
dentro do meu coração

E vou traçando - em suas pernas - novas rotas
como quem suave aporta
em um porto em formação

Essa cabrocha de gostinho brasileiro
me concede o corpo inteiro
para eu entender a minha mãe

Vai tatuando em minha pele um novo Estado
que emerge inventado
na ante-sala das manhãs

Se ela vive entre as estrelas
Se ela é meu grande amor
Ah, minha cabrocha,
Flor do mundo, minha flor

Ela vem me dar um beijo
reconstrói minha raiz
abro os meus braços
e abraço o meu País.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim...
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira com galinha de oxinxim!

Ascenso Ferreira. Oropa, França e Bahia

Estorinha para Bia :)

De um a oito estava tudo dominado. O mundo estava ali. Fechava os olhos e colocava os braços no muro: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito; e os mistérios do mundo, a matriz dos anjos, o porquê da lesma: estava tudo ali, no oito.
Mas chegou sua mãe. Depois do oito tem o quê, Bia? Bia não sabia responder.Existia algo mais para saber? Algo além do que tudo aquilo que ela sabia? Era assim, de um ao oito. Mas não era, sorria sua mãe. Com uma singeleza cruel dos emissários do Misterioso disse: depois do oito, vem o nove.
Nove? O que é o nove que eu não conheço? E se depois do nove vier algo novo? De repente, os anjos voaram, o mundo alargou, a lesma virou algo indefinidamente complexo. No nove, Bia havia crescido.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Crítica de documentário e poema

Aí, deu-se que ontem eu estava assistindo a um documentário sobre João Cabral de Melo que abordava sua relação com a Espanha. Com Sevilha. Um cheiro de taco subiu pela sala e eu fiquei vermelho. Via por causa do poeta ou era Sevilha que prendia meus olhos dormentes pelo domingo que ia? Mas era possível separar João Cabral de Melo Neto de Sevilha?

Enchemos a boca para adjetivá-lo pernambucano, com os orgulhos que prezamos desde nossa gênese, mas João Cabral de Melo Neto não era pernambucano. Era de Sevilha.

De Sevilha porque não somos de onde nascemos, somos (pertença) de onde somos (existência). De onde nos descobrimos. Há uma pátria oculta em nós, que se aparta - tanta vezes - da nossa geografia e que irrompe quando a inexatidão do solo se equaliza em uma viagem e aí dizemos: é aqui que eu sou.

Eu sou de Recife. E já estive em tantos lugares. Mas em qualquer lugar do Mundo, eu trajo esse mar de mortes e esse povo mambembe que come caju. Acontece que minha pátria oculta coincide com a geografia plantada sob meus pés, para o bem ou para o mal.

Mas do documentário, deixai que o diga: a parte que me fez rir à beça é essa. Quando João Cabral - em depoimento - rememoria um acontecido na casa do embaixador na Suíça, quando do auge da Bossa Nova. O amigo Vinícius de Moraes cantava baixinhos coisas lindas: "o coração, o coração, ah, o coração..." E João Cabral lá do fundo: "Vinícius, você não tem outra víscera para cantar não? Se não for de amor tu não sabes né?..."Para gargalhada geral, inclusive a minha.

E aí entra a filha de João Cabral lembrando do que o pai dizia: "minha filha, devemos fazer poemas sobre o copo d´água". Ofício difícil esse. Belo documentário.

POEMA DE COISA POUCA


Um copo d´água:

paz da carne que suor transpira
sossego da saliva
que irmanada nas líquidas víceras da coisa translúcida
adentra infinita na seca da boca
e renova a vida
"Minha carne é de carnaval,
meu coração é igual"
(galvão/moreira, campo grande)