sexta-feira, junho 22, 2007

Na Rua do Sabão

Cai cai balão
Cai cai balão
Na Rua do Sabão!

O que custou arranjar aquêle balãozinho de papel!
Quem fêz foi o filho da lavadeira.
Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.
Comprou o papel de sêda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblongos...
Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame.

Ei-lo agora que sobe - pequena coisa tocante na escuridão do céu.
Levou tempo para criar fôlego.
Bambeava, tremia todo e mudava de côr.
A molecada da Rua do Sabão
Gritava com maldade:
Cai cai balão!

Subitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o tenteavam.
E foi subindo...
para longe...
serenamente...

Como se o enchesse o soprinho tísico do José.
Cai cai balão!
A molecada salteou-o com atiradeiras
assobios
apupos
pedradas.

Cai cai balão!

Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas municipais.

Ele foi subindo...
muito serenamente...
para muito longe...

Não caiu na Rua do Sabão.
Caiu muito longe... Caiu no mar - nas águas puras do mar alto

Manuel Bandeira

segunda-feira, junho 18, 2007

Ster, Pernambuco na imensidão

Estava em falta grande com Ster. Aí me apareceu essa foto, onde ela é uma personagem de Jorge Amado (em miniatura) ou a inspiração de Alceu Valença na composição de Morena Tropicana. Mais São João impossível. Beijão, Ster; você é linda.

quinta-feira, junho 14, 2007

O FANTASMA DA REPARTIÇÃO

Quando o corpo esfriou de matéria
E o caixão era tudo que se mostrava restar
Sr. José Antônio levantou-se do seu túmulo
E objetivando a repartição pôs-se a andar

Anda que anda: “será que não há descanso
para a alma concursada?”

Enquanto algumas almas seguiam para o inferno
Enquanto outras tantos para o céu rumavam
O Sr. José atravessa a Rua do Imperador
Como se os formulários públicos fossem sua estrada

E o vigia da repartição por vezes e outras
No fim da noite jurava que ouvia
Uma máquina de escrever batendo sozinha
Escrevendo em papel nenhum a mesma melancolia:

“É da eternidade da alma que nasce o suspiro
É da eternidade da alma que nasce a burocracia”

terça-feira, junho 12, 2007

“Quando teu não-olhar encontra meu olhar
é mentira
é o desejo querendo concretizar-se
teu ícone paralisado bebendo meu movimento
o que poderia ser e o que não é”
( Poema extraído do Diário de um Médico de Rubens Aires)

“ Então eu vi Rubens pela primeira vez. A princípio o achei parecido com Fabrício. Deus meu, como estava enganada. Do segundo relance, quando meu noivo chamou a atenção, vi uma beleza que não era comum a tantos homens com quem tenho cruzado por este mundo. Seus olhos escuros, sua face lisa, sem barba, sua boca bem feita. Não era alto, não era baixo, mas quando gesticulava, parecia tornar-se enorme frente a pequenez da nossa pluralidade campestre. Rubens era singular, diferente da introspeção destas terras que se parece muito com a introspeção dos suíços e dos belgas. Naquele momento em que ele beijou a minha mão, senti o hálito terrível do destino baforando em minha nuca e o suspiro de Fabrício se afastando de minha boca”
( Texto extraído do diário pessoal de Ariel Souza d’Alencar, publicado com a permissão da família Souza d’Alencar).

sexta-feira, junho 01, 2007

As Músicas do Disco (será que sai :( ?)

The Outsider´s Samba Soundtrack

Chegou atrasada e demente
Com marcas que possivelmente
São feitas sob os lençóis
Bebeu do meu copo na mesa
E me disse “é apenas cerveja,
Então não faça caso irmão
Que hoje eu não estou pra não”

Beijou a boca da Rosa
Enfiou-me um dedo de prosa
Pedindo pra eu não me afastar
“Que trago cocada boa
e outras coisas à toa
enquanto o Mundo vai dormir
vamos fazer o samba cantar”

Ela é minha rota desvia
A noite sangrando em meu dia
Canonizada por beberrões
Santa de pecados e de ladrões

Agora eu estou sem ela
E a vida me vê na janela
Olhando a vida passar

Agora eu estou na janela
E a vida que se faz sem ela:
Café, almoço e jantar
(esperando a vida passar)
(lá fora o samba vai cantar)




O Jovem Gilberto Freyre ou a Invenção do Brasil

Essa multa quando pisa no terreiro
Ilumina um povo inteiro
Dentro do meu coração
Eu vou traçando em suas pernas novas rotas
Como quem suave aporta
Em um porto em formação

Essa cabrocha do gostinho brasileiro
Me concede o corpo inteiro
Pra eu entender a minha mãe
Vai tatuando em minha pele um novo Estado
Que emerge inventado
Na ante-sala das manhãs

Se ela vive entre as estrelas
Se ela é meu grande amor
Ai minha cabrocha
Flor do mundo
Minha flor

Ela vem me dar um beijo
Reconstrói minha raiz
Abro os meus braços
E abraço o meu país

Eu ouço os passos de um país se costurando
Nas alcovas se formando
Entre desejos e tendões
Eu ouço as vozes de um país que é sussurrado
Como quem faz um pecado
E não se arrepende depois

Eu vejo os passos da morena brasileira
Se chegando sorrateira e presidindo minha nação
E na delícia dos seus passos mais bonitos
Vou convencer os mais aflitos
Que isso é evolução




Valsa para Angenor


Entre a carne e a cruz
Onde mora a dor
Onde o meu samba fez morada
E a semente nunca vira flor

Nesse grande mar
Solitário e vão
Fico porta-voz da alvorada
Cubro de verde e rosa o meu chão

A noite quando me vem é madrugada
E o mundo já se tarda dentro de mim

O samba é quem me mostra
A flor a ser exposta
Na valsa da solidão de quem diz sim




Samba Muderno

Esse samba de roda é muderno
É pra quem tem sandália no pé
Descobri que o samba é a força
Que põe força na minha fé

Vou deixar minha guitarra de lado
Vou deixa minha barba crescer
Pedir bença pra Mãe Clementina
E fincar minha raiz num bangüê

Você pode ser emo ou Hermano
Você pode ser do Mombojó
O meu samba de roda é muderno
Mas é levado na palma da mão

Sampleando a voz do passado
Vou cantar a glória nacional
Onde quer que se faça um barraco
Vai ser lá minha Lapa pessoal

Burburinho (to lá...)
No Cafofa (tô lá)
No Quintal (to lá)
Lá na Toca....

Estorinha de Luciana

Luciana nunca atende o celular. Sempre nos momentos mais ordinários da vida, quando realmente precisamos de mais do que um eco no outro lado da linha, a chamada segue seu tom até o fim sem que me reste um “alô” por conforto. Luciana nunca atende o celular. O seu número gravado na memória digital do meu aparelho é um memorial à esperança de que um dia, quando o céu de agosto tocar o horizonte, Luciana consubstanciar-se-á em impulsos elétricos, em lembranças de cheiros, em um corpo que um dia confrontou o meu. Mas só esperança. Duvidam eles de mim: Luciana não existe. Como crianças amorais de um pré-escolar imaginário: Luciana não existe.
Existirá Luciana? Somos algo mais do que esses impulsos elétricos que enviamos para os nossos? Além desse número digital, há alguém que se conforta com sua pele, seus olhos, seu cabelo? Chego a duvidar de Luciana, e tomo por testemunha esse tom de chamada nunca atendida que me diz: Luciana nunca atende o celular.
E Luciana, que nunca atende o celular, vai migrando para a casta das figuras mitológicas, dos deuses esquecidos, das nossas senhoras da moda que passou. E lá do outro lado da cidade, mora uma menina chamada Luciana que por nunca atender o celular virou lenda.