quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Despedida


Beijo no dragão

O carnaval no Túmulo do Samba

O carnaval de São Paulo tem peitão. Milhões de litros de silicone espalhados em cada uma das suas musas. O carnaval de São Paulo tem abdômen lipoaspirado, bíceps definido por halteres, botox nas rugas. Tudo nele é falso, é um simulacro do carnaval carioca, construído para dar satisfação aos paulistas e evitar o esvaziamento da cidade no reinado de Momo. Mas o carnaval de São Paulo está na mída que parece acreditar em um mínimo de espontaneidade popular por trás da força da grana que ergue e destrói coisas belas. Não importa para a televisão os folguedos populares dos rincões esquecidos pelas imagens das câmeras. Não importa o maior bloco carnavalesco do mundo. Não importa o samba de roda do recôncavo baiano. Não importa o boi do Maranhão. Os olhos da nação se voltam para a atriz nua que está na novela, para a celebridade imediata que, refletindo o carnaval paulista, construiu-se para aquele segundo de glória, rezando para que a quarta-feira logo chegasse, porque a vocação de máquina traduz o desejo de nunca mais parar.

sábado, fevereiro 13, 2010

Orecic Futebol Clube (2007)

Vamos entrar na Concórdia, quero ver quem vai passar
pois quando o frevo começa, não tem hora prá acabar
me dê a mão que o meu amor não sabe onde estou
e esse cheiro na camisa é o meu motor

No meio da Imperatriz, eu deixei meu coração
no carrossel da avenidas, minha vida vai na contramão
enquanto os homens caem na rua, eu vou me levantar
que a vida não espera o sol raiar

É fevereiro vem, a carne queima, bem
no Orecic tem uma mesa prá sentar

Equece o ano e vem, vem no meu passo, bem
A vida à toa está na mesa desse bar

Vamos entrar na Concórdia, quero ver quem vai passar
pois quando o frevo começa, não tem hora prá acabar
me dê a mão que o meu amor não sabe onde estou
e esse cheiro na camisa é o meu motor

No meio da Imperatriz, eu deixei meu coração
no carrossel da avenidas, minha vida vai na contramão
enquanto os homens caem na rua, eu vou me levantar
que a vida não espera o sol raiar

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

SEGREGAÇÃO NO CARNAVAL E A ALAURSA DE PELÓPIDAS SOARES

Do carnaval de Pernambuco diz-se o mais democrático. Não há cordões de isolamentos como na Bahia, ou arquibancadas como na Marquês de Sapucaí, separando o povo da folia. A tradição pernambucana, noticiam os jornais, está no amálgama de gentes de classes diversas com músicos e bandidos, tudo ao mesmo tempo agora. Quando se erige uma casa patrocínio, um camarote luxuoso, um espaço para poucos, denominado VIP, logo o grito reverso se apresenta clamando pelo carnaval sem preconceito de raça, de credo e, principalmente, de classe social.

Tudo muito falso. Esse carnaval pernambucano tradicionalmente democrático só existe na cabeça de intelectuais e isso a partir da segunda metade do século XX. Que os intelectuais do século XIX, cento matriz da brincadeira moderna, torciam o nariz para o entrudo. O carnaval de rua era o espaço reservado para os forros, para os artesãos que fundavam suas troças homenageando suas funções, como o Vassouras, o Pás, o Carvoeiros, para ficar apenas em alguns.

A elite pernambucana, da aristocracia inventada, ficava nos clubes e nos teatros da capital, imitando o carnaval europeu; em uma Europa, também, inventada.

Os teatros e clubes mimetizaram-se em casas e corsos; os carros do início do século XX faziam as vezes de cordões de isolamento, e o asfalto (ou as pedras portuguesas) nunca chegava a tocar os pés de uma classe média que estava se consolidando. Só com a decadência da classe média e com a casa se aproximando cada vez mais da rua é que vemos surgir um espaço em que convive o saudosismo aristocrático do frevo de bloco com o suor enérgico do frevo de rua. O romantismo intelectual de resistência da segunda metade do século XX fortaleceu a impressão de que o carnaval, em seu nascedouro, é uma festa essencialmente popular.

Para mim, a tradução literária disso que escrevi até aqui: que a segregação (e a negação dela) também faz parte do carnaval está em um belíssimo conto de um dos grandes autores pernambucano (para mim, o maior contista do Brasil), Pelópidas Soares. O conto, denominado Alaursa trata das desventuras de um cortador de cana, feio como o diabo, que supera todas as suas tristezas morais no carnaval, quando se transfigura em uma alaursa e transcende sua triste figura. Paralelamente a esse anti-herói, o autor desenha um quadro aristocrático de uma família natural de Catende, cujo patriarca é um riquíssimo médico, hoje residente no Recife, e que comemora o carnaval em uma fazenda bucólica com uísque escocês e com uma radiola a tocar o frevo mecânico.

Até que um jovem não identificado, mas que deve ser desses jovens românticos da década de sessenta, inflama na aristocracia brincante a idéia de ir até o clube popular da cidade para se misturar com o volksgeist de fevereiro. O patriarca da família acha a idéia horrível, mas é vencido pelo espírito intelectual da juventude. No clube popular, tudo é festa ao redor da alaursa.

A aristocracia bebe e brinca no meio da turba. Entre os aristocratas, está a esposa do médico patriarca, uma jovem senhora educada na Europa, belíssima e moderna; animada com a possibilidade de conhecer, ali, o “verdadeiro” carnaval. Embriagada ela dança com a alaursa. Até que só ficam os dois no meio do salão. O cortador de cana, rejeitado por todas as mulheres, percebe ali uma oportunidade ímpar. Leva-a para um canto longe dos olhos ébrios da multidão e (usarei o termo correto) dá uma senhora trepada com a curiosa cidadã do mundo. Ao cair em si, após o gozo, a esposa do rico médico se depara com a máscara da alaursa e com todo o significado de um carnaval sem amarras, elogio do grotesco. Ela grita e corre desatinada. O cortador de cana dorme como uma criança ao som do frevo a embalar seus sonhos sem amanhã.

Post scriptum 1 – Esse texto não é uma apologia à segregação, mas uma constatação de fato. Pessoalmente, e a partir de uma análise psicossocial do carnaval (ou coisa que o valha), acho que o carnaval só tem sentido na libertação de todas as amarras, incluindo as sociais. Por isso, usamos máscaras. Carnaval com ar condicionado e com garçom será sempre o anti-carnaval.

Post scriptum 2 – Moral da estória: Só brinca carnaval de verdade quem tem coragem de encarar o pau da alaursa