terça-feira, outubro 06, 2009


MEU BRASIL PROFUNDO

No corpo de minha filha há um trânsito infinito de gentes
Dos sertões mais longínquos do seu avô, passagem de homens e gado
Aquela foto de casal pintada à mão, sussurrando o inconfessável para além do sangue
Essa bisavó negra que deitou com tantos homens, cujos filhos legitimam meu estado de coisas

No corpo de minha filha dorme o amálgama das nações
A travessia do mar pelos árabes, o gosto pelo cobre, o nome da pataca
Meu sangue quente e insuportável que se torna palavra na boca e morre cólera
Um gosto de flor de laranjeira e de doce amarelo a dar suporte às pálpebras

No corpo de minha filha gritam os entreatos do amanhã
nossa criança portuguesa a ter esperanças de novamente ser grande
Um colar de contas, uma ousadia de cruzar a porta aberta
E o mar infinito a se tornar braços, mãos, olhos e pernas

Na cama da minha filha, repousa insone o mapa dessa anti-guerra