Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
M. Bandeira
quarta-feira, janeiro 27, 2010
terça-feira, janeiro 05, 2010
SAUDAÇÃO A ALVARO DE CAMPOS
Portugal-Desvelado, dezesseis de dezembro de dois mil e nove
Evoé!
Da tua terra eternamente estrangeira, imune à passagem das horas e dos séculos
Saúdo-te, Álvaro, meu torturador feroz, irmanado nas minhas chagas universais
Ó homicida das sensações católicas, engenheiro da obra infinitamente incompleta
Puta de todas as indisposições do sentir
(eu que as sinto nesse grito mudo que dou)
Grande prostituta a dar-se para todos os recôncavos da alma negra
Primeiro de todos os meus mestres que ingressaram a fórceps pelos meus poros
Homem chamado Álvaro ou André, a sair perpetuamente de casa
Repetição homérica de todos os poetas que para o serem
Sangraram as mãos nas cordas firmes das naus sem nomes e se lançaram aos mitos
Ulisses elétrico do século vinte
Predecessor de todas as guerras e ratos que fizeram de cada racionalidade
um impulso elétrico que, em mim, nunca se dissipou.
Eu, com minha face branda e minhas mãos pensas,
Com meu terno roto de tanto porto e navios e pontes e gentes
Venho beijar-te as mãos, como faria com a virgem sempre imaculada
Por reconhecer em ti todas as religiões, mesmo as que foram negadas
E saudar-te como quem saúda um monólito imenso
Que é Deus e carne ao mesmo tempo
Olha, que já vem se prenunciando o grande tempo
E uma orgia de coisas já grita a sua hora: é carnaval, Álvaro, homem de coisas imensas
Vem comigo perder-se na insupeição do homem alheio
Dá-me cá tua mão e teu suor e tua metafísica
Grita, como gritaste do Grande Cais e não sabia onde ias
Que só há verdade em não saber aonde vamos
Deixa-te levar comigo na correnteza dos devaneios
Para que tenhamos mil braços, dezenove mil pernas e nenhum pensamento;
Nenhum, por mais original que seja
Que construiremos nossa identidade na ausência sequer do pensar em nada
Evoé, irmão engenheiro, pelas coisas que sentes
Sou teu irmão porque as sinto também
Roubei-te a coisa real por dentro e a imaginada por fora
(Quantas coisas eu roubo e proclamo-as minhas.
eu mesmo roubado de mim, sou proclamado meu)
Roubei-te mas não faz mal, porque sou o teu irmão
Roubei-te mas não faz mal, porque não sou eu.
Era preciso que eu sofresse dessa febre e cólera
Era preciso que eu estive ciente do meu passo para morte
Para que pudesse cantar este canto como quem rasga o corpo de um inimigo
Um canto trespassado na alma pelos espíritos dos facínoras e dos santos
E já não ser eu mas uma turba logicamente indefinida
A invadir as igrejas e os parlamentos em nome de nada
Ó tu que és nada, homem-Álvaro imenso
És a contracorrente dessa matéria, desse piano de cauda, dessa moça a dar com paus
Estás no meu impulso de lançar-me à transitoriedade
Estás no ponto cego dos retrovisores dos carros a seguir na estrada
Estás na dúvida entre ser Deus e ir à Tabacaria
Estás em mim como uma sífilis que anuncia à cidade os meus pecados
E eu, nu, como as prostitutas rechaçadas dos fins-de-semana
Solitário e circunspeto como cada uma delas
Faço-te festa no universo, irmão Álvaro
Vou buscar-te uma mentira para além da nossa galáxia
A mentira de saber-me aqui a cantar-te isso
De estar sentado em dúvida desse próximo verso
Aguardando minha esposa e ouvindo o banho da minha filha
Eu não sou nada disso
Nunca estive aqui
Esses versos não existem
Como nunca existiu um Álvaro de Campos
E justamente por isso, Evoé!
Portugal-Desvelado, dezesseis de dezembro de dois mil e nove
Evoé!
Da tua terra eternamente estrangeira, imune à passagem das horas e dos séculos
Saúdo-te, Álvaro, meu torturador feroz, irmanado nas minhas chagas universais
Ó homicida das sensações católicas, engenheiro da obra infinitamente incompleta
Puta de todas as indisposições do sentir
(eu que as sinto nesse grito mudo que dou)
Grande prostituta a dar-se para todos os recôncavos da alma negra
Primeiro de todos os meus mestres que ingressaram a fórceps pelos meus poros
Homem chamado Álvaro ou André, a sair perpetuamente de casa
Repetição homérica de todos os poetas que para o serem
Sangraram as mãos nas cordas firmes das naus sem nomes e se lançaram aos mitos
Ulisses elétrico do século vinte
Predecessor de todas as guerras e ratos que fizeram de cada racionalidade
um impulso elétrico que, em mim, nunca se dissipou.
Eu, com minha face branda e minhas mãos pensas,
Com meu terno roto de tanto porto e navios e pontes e gentes
Venho beijar-te as mãos, como faria com a virgem sempre imaculada
Por reconhecer em ti todas as religiões, mesmo as que foram negadas
E saudar-te como quem saúda um monólito imenso
Que é Deus e carne ao mesmo tempo
Olha, que já vem se prenunciando o grande tempo
E uma orgia de coisas já grita a sua hora: é carnaval, Álvaro, homem de coisas imensas
Vem comigo perder-se na insupeição do homem alheio
Dá-me cá tua mão e teu suor e tua metafísica
Grita, como gritaste do Grande Cais e não sabia onde ias
Que só há verdade em não saber aonde vamos
Deixa-te levar comigo na correnteza dos devaneios
Para que tenhamos mil braços, dezenove mil pernas e nenhum pensamento;
Nenhum, por mais original que seja
Que construiremos nossa identidade na ausência sequer do pensar em nada
Evoé, irmão engenheiro, pelas coisas que sentes
Sou teu irmão porque as sinto também
Roubei-te a coisa real por dentro e a imaginada por fora
(Quantas coisas eu roubo e proclamo-as minhas.
eu mesmo roubado de mim, sou proclamado meu)
Roubei-te mas não faz mal, porque sou o teu irmão
Roubei-te mas não faz mal, porque não sou eu.
Era preciso que eu sofresse dessa febre e cólera
Era preciso que eu estive ciente do meu passo para morte
Para que pudesse cantar este canto como quem rasga o corpo de um inimigo
Um canto trespassado na alma pelos espíritos dos facínoras e dos santos
E já não ser eu mas uma turba logicamente indefinida
A invadir as igrejas e os parlamentos em nome de nada
Ó tu que és nada, homem-Álvaro imenso
És a contracorrente dessa matéria, desse piano de cauda, dessa moça a dar com paus
Estás no meu impulso de lançar-me à transitoriedade
Estás no ponto cego dos retrovisores dos carros a seguir na estrada
Estás na dúvida entre ser Deus e ir à Tabacaria
Estás em mim como uma sífilis que anuncia à cidade os meus pecados
E eu, nu, como as prostitutas rechaçadas dos fins-de-semana
Solitário e circunspeto como cada uma delas
Faço-te festa no universo, irmão Álvaro
Vou buscar-te uma mentira para além da nossa galáxia
A mentira de saber-me aqui a cantar-te isso
De estar sentado em dúvida desse próximo verso
Aguardando minha esposa e ouvindo o banho da minha filha
Eu não sou nada disso
Nunca estive aqui
Esses versos não existem
Como nunca existiu um Álvaro de Campos
E justamente por isso, Evoé!
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