sábado, fevereiro 05, 2011

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

O Elogio ao Grotesco e o Casal Huck






Para João da Costa, manter o concurso do Rei Momo, que acontecia no Pátio de São Pedro, representa uma falta de coerência numa época que, na avaliação dele, as pessoas estão preocupadas em cultivar práticas saudáveis. ´É um contrassenso hoje você trabalhar a obesidade mórbida como um problema grave de saúde e incentivar um Rei Momo a isso`, defendeu. Para o prefeito, essa é uma discussão que deve estar acima das tradições culturais. ´Essa não é uma tradição boa. As boas a gente preserva`, colocou. A Fundação de Cultura do Recife ainda não definiu os critérios do novo concurso. No entanto, o prefeito já antecipou que os gordinhos não serão impedidos de concorrer. ´Não sei se vai ganhar, mas nós não vamos proibir`, disse.
(Extraído do Diário de Pernambuco, edição de 22 de janeiro de 2011)




Folia de Momo é apenas um dos vários designativos do carnaval brasileiro. Aqui, como em outros lugares do mundo, desde o início do século XX adotou-se o deus grego Momo como o patrono dos dias de carnavália.

Momo é um deus peculiar. Ele está ligado à picardia, à denúncia vexatória dos demais deuses. A tradição greco-romana narra a expulsão de Momo do Olimpo por suas brincadeiras inconvenientes e seu conseqüente envio para o mundo dos mortais. Momo foi bem recebido por aqui e fazia parte da tradição romana a coroação de um centurião que no dia de seu reinado simbólico podia comer e beber livremente. A obesidade de Momo não significava doença, significava fartura e extravagância em uma Roma onde não havia a culpa católica da quaresma.

A partir de 1932, o carnaval brasileiro, mais especificamente o do Rio de Janeiro, adotou a figura do Momo-rei como um dos personagens da corte real do carnaval. Naquele ano, Momo foi personificado em um boneco de papelão. Algum tempo depois, o boneco de papel foi substituído pelo jornalista Morais Cardoso, justamente por causa de sua figura redonda, farta, imensa. Simbolicamente, o Rei Momo aparecia como a imensidão do homem-rei sendo dividida pela massa anônima do povo.

A figura do gordo é o antípoda da forma clássica do belo masculino. Para além das discussões históricas sobre a estética e a modernidade, hoje em dia a figura do gordo é o estereótipo da má saúde, do desleixo, da humanidade que não deveria existir frente aos inúmeros expedientes atuais de se conseguir alçar a significância do belo no corpo.

E justamente por isso, a figura gorda do Rei Momo era tão importante para nós.
Para nos lembrar do quanto somos grotescos na nossa pulsante humanidade. Do quanto há de beleza na fartura livre do corpo, cuja estética não está amarrada a nenhuma pré-determinação convencional. Nisto reside ou residia a democracia do carnaval. Um rei-deus, obeso, simpático, ultrajante, era coroado em meio à felicidade do povo, extirpando a figura do príncipe encantado, belo como nas falsas estórias de Walt Disney.

Mas a voz do politicamente correto gritou no coreto, em nome de uma imagem sadia do folião. O prefeito do Recife, seguindo uma tendência nacional, decretou o fim do reinado de Momo no carnaval. O Rei não poderá ser gordo, e se ele não é gordo, não é Momo.

Há ainda espaço para um afago na cabeça dos desleixados: o gordos ainda poderão concorrer ao reinado, embora já não se possa garantir que a coroa fará suas cabeças mais dignas: “Não sei se vai ganhar, mas nós não vamos proibir”, disse o prefeito do Recife.

Decerto o rei será branco, loiro, e apolíneo. Representando não os brasileiros de carne, osso, gordura, poucos dentes. Mas governando simbolicamente aquela parcela ínfima dos belos e bem-sucedidos empresários, que personificam a bondade e a mão estendida para quem embarcou de cabeça, equivocadamente, na tese da meta-raça. O novo rei representará o casal Luciano e Angélica Huck, eleito pela Veja da semana passada como a meta a ser alcançada por cada um de nós, gordos, pobres, desdentados e sem um deus que nos represente, pois a coroa agora pertence ao divino Apolo.

Este que justamente nunca foi expulso do Olimpo.