sexta-feira, novembro 04, 2005

Episódio V

Fantasmas (Parte V)

E esse homem foi crescendo no decorrer das horas. O Desembargador sentia-o alimentando-se de desejos não confessados, com os de ter um apartamento bem melhor, de ter uma casa na praia, talvez uma casa no campo, talvez a garantia de que as coisas na velhice não esmoreceriam como lembrança. A manhã passou-se e o Desembargador “X” confortou-se que o crescimento do homem dentro dele seria limitado pela inércia em ligar para o advogado para falar daquele numerário no papel. Talvez o advogado nem aparecesse mais e toda essa conversa de numerários, liminares, corrupção quedasse como um episódio pitoresco que ele guardaria consigo e confessaria a um padre quando da unção extrema. Tão somente porque houve um desejo. Mas logo ao chegar no seu gabinete, o Desembargador notou um novo pedaço de papel dobrado sobre sua caixa de despachos pendentes. Abriu o papel dobrado e deparou-se com um numerário ainda maior e um número de telefone. Rapidamente, o Desembargador rasgou o papel e colocou as mãos sobre a cabeça atormentada. Queria se livrar daquilo tudo, mas não queria. E de repente, o homem havia dominado o Desembargador.
Há quem diga, no entanto, que as coisas não se passaram dessa maneira. Que o Desembargador não teve um conflito moral de-si-para-si, mas que durante todo o período em que estava titulado, apenas aguardava a hora certa para lançar suas fichas em uma prática velada de venda de decisão, por um preço excessivamente justo na tabela das coisas que não podem ser.
Fato mesmo é que o Desembargador encontrou-se mais uma vez com o advogado e apresentou-lhe um esboço da decisão naquele processo em que havia tantas partes envolvidas, inclusive o próprio Estado da Federação. E dizem que a decisão era tão bem argumentada que ninguém desconfiaria de que a mesma havia sido comprada se não fosse o fato de uma das partes envolvidas no feito já ter desencarnado há anos antes da primeira petição que iniciou o processo. Mas mortos não fazem parte do imaginário dos Desembargadores e o “X” não poderia saber do fato que o levou a enfrentar uma execução em praça pública. Mas vamos devagar que a estória deve ser bem trabalhada, como dizia Josefina Minha-Fé.