segunda-feira, março 26, 2007

O Jogo Handke

Quando eu era criança
No tempo que minha janela dava para um pátio de escola
Meus olhos buscavam se fixar em um jogo de bola
Que se repetia sempre no mesmo horário

E eu admirava
Os jovens heróis que saíam do liceu
Davam as costas à cultura e à civilização
E repetiam o desdém de Esparta para com Atenas

Quando eu era criança
No tempo que minha janela dava para um pátio de escola
Meus olhos viam os jovens transcender suas circunstâncias
O tempo parava para saudar o jogo de bola

Ao nosso redor
uma inflação galopante corroia o tutano dos nossos pais
Não havia carne nos supermercados, nem nos nossos dentes
Homens se lançavam de prédios buscando a paz

Quando eu era criança
No tempo em que minha janela dava para um pátio de escola
José se lançava além de José, e tudo que importava era o gol
E eu admirava

Como quem assiste o extermínio de uma Tróia
Como quem é testemunha ocular de uma civilização esquartejada
Como um historiador que encontra um velho soldado
Como o escudeiro do maior de todos os heróis

Ao nosso redor
O povo clamava por eleições diretas
A língua inglesa colonizava as nossas refeições
As favelas mimetizavam a ousadia das marés

A casa com a janela não existe mais
alguém me disse que eu havia crescido
O que foi feito de José e dos outros heróis senão a realidade?
Eu descobri que as coisas aconteciam ao meu redor

As eleições diretas
O mar de favelas
José morto

É esse entorno de mim que me mata