Vamos começar de onde minha memória mais antiga começa: do meu medo.
Naquela esquina fica o colégio Nossa Senhora do Carmo, eu tinha medo da santa que fica no frontispício e fechava os olhos toda vez que passava por ela. Ali mais adiante é o Colégio Salesiano, onde boa parte da minha vida se enterrou.
Na frente da Praça Chora Menino há um prédio alto com uma barriguda por detrás do portão. Dali, seu pai saía até a Praça Maciel Pinheiro para rezar na Matriz da Boa Vista. Cortava o caminho pela Rua Velha, que é linda, e que desemboca no Pátio Santa Cruz, aonde eu ia com sua avó comprar tempero.
Na Rua Barão de São Borja tem uma escola pública, cuja casa pertenceu ao tal Barão. De pequeno eu já achava tudo aquilo belíssimo e ficava observando os meninos jogando bola, torcendo para que eu fosse chamado pra substituir alguém.
De algum lugar, que não me lembro bem, saem as ruas antigas do Recife, aonde seu avô me levava para passear: São José (bairro em que ele nasceu), Igreja do Livramento, Santo Antônio, Bairro do Recife, Rua Capitão Lima, casa de sua tia-bisavó que morreu há tanto tempo.
Mais ao norte da cidade, no bairro chamado Rosarinho, tem uma casa em que seu pai imaginou suas primeiras estórias e suas primeiras músicas. Ainda hoje se sente por lá um cheiro de comida árabe, que me remete, Maria, às nossas origens, quando o seu Tataravô chegou no Brasil para confirmar que essa era uma terra boa.
Depois eu fui morar em Santo Amaro das Salinas, no mesmo apartamento que me abrigou quando eu era assim, como você, recém nascido para o Mundo. Tudo lá é impregnado de revoluções. Inclusive da maior de todas: de quando eu comecei a pensar em você.
Nós moramos atualmente perto da Praça de Casa Forte, na chamada Freguesia do Poço da Panela. Foi aqui que eu me casei com sua mãe. Por aqui há um ar de Recife do século XIX que resiste em não sair dos casarões e das ruas de pedras portuguesas. As pessoas daqui gostam de comer bem e beber cachaça de cabeça, como se isso afirmasse o orgulho de pernambucanos. Eu acho isso tudo muito estranho, Maria Eduarda. Mas são boas gentes, acolha-as com sabedoria.
Para além daqui, de onde a gente mora, existe o mundo de Apipucos e depois tem o Jardim Zoológico e depois eu não sei mais. Por ora, é o que você precisa saber.
Essas são minhas referências mais antigas. Você terá outras; incomunicáveis para mim. Não sei se o carnaval será a festa mais bela de todas para você, como é para mim. Não sei se você apreciará sorvete de tangerina da Fri-Sabor, como eu e sua mãe. Não sei se você, ao passar pela Rua Imperial, olhará para um casarão quase em ruínas e pensará “quantas histórias se escondem por detrás daquelas paredes...” A felicidade está nas nossas referências, Maria Eduarda. Em saber quem nós somos. Que estamos ligados, indissociavelmente, da história de uma Cidade, seja Recife, seja qualquer outra.
Os deuses são tristes porque não são de nenhum lugar.
Naquela esquina fica o colégio Nossa Senhora do Carmo, eu tinha medo da santa que fica no frontispício e fechava os olhos toda vez que passava por ela. Ali mais adiante é o Colégio Salesiano, onde boa parte da minha vida se enterrou.
Na frente da Praça Chora Menino há um prédio alto com uma barriguda por detrás do portão. Dali, seu pai saía até a Praça Maciel Pinheiro para rezar na Matriz da Boa Vista. Cortava o caminho pela Rua Velha, que é linda, e que desemboca no Pátio Santa Cruz, aonde eu ia com sua avó comprar tempero.
Na Rua Barão de São Borja tem uma escola pública, cuja casa pertenceu ao tal Barão. De pequeno eu já achava tudo aquilo belíssimo e ficava observando os meninos jogando bola, torcendo para que eu fosse chamado pra substituir alguém.
De algum lugar, que não me lembro bem, saem as ruas antigas do Recife, aonde seu avô me levava para passear: São José (bairro em que ele nasceu), Igreja do Livramento, Santo Antônio, Bairro do Recife, Rua Capitão Lima, casa de sua tia-bisavó que morreu há tanto tempo.
Mais ao norte da cidade, no bairro chamado Rosarinho, tem uma casa em que seu pai imaginou suas primeiras estórias e suas primeiras músicas. Ainda hoje se sente por lá um cheiro de comida árabe, que me remete, Maria, às nossas origens, quando o seu Tataravô chegou no Brasil para confirmar que essa era uma terra boa.
Depois eu fui morar em Santo Amaro das Salinas, no mesmo apartamento que me abrigou quando eu era assim, como você, recém nascido para o Mundo. Tudo lá é impregnado de revoluções. Inclusive da maior de todas: de quando eu comecei a pensar em você.
Nós moramos atualmente perto da Praça de Casa Forte, na chamada Freguesia do Poço da Panela. Foi aqui que eu me casei com sua mãe. Por aqui há um ar de Recife do século XIX que resiste em não sair dos casarões e das ruas de pedras portuguesas. As pessoas daqui gostam de comer bem e beber cachaça de cabeça, como se isso afirmasse o orgulho de pernambucanos. Eu acho isso tudo muito estranho, Maria Eduarda. Mas são boas gentes, acolha-as com sabedoria.
Para além daqui, de onde a gente mora, existe o mundo de Apipucos e depois tem o Jardim Zoológico e depois eu não sei mais. Por ora, é o que você precisa saber.
Essas são minhas referências mais antigas. Você terá outras; incomunicáveis para mim. Não sei se o carnaval será a festa mais bela de todas para você, como é para mim. Não sei se você apreciará sorvete de tangerina da Fri-Sabor, como eu e sua mãe. Não sei se você, ao passar pela Rua Imperial, olhará para um casarão quase em ruínas e pensará “quantas histórias se escondem por detrás daquelas paredes...” A felicidade está nas nossas referências, Maria Eduarda. Em saber quem nós somos. Que estamos ligados, indissociavelmente, da história de uma Cidade, seja Recife, seja qualquer outra.
Os deuses são tristes porque não são de nenhum lugar.