segunda-feira, abril 18, 2011

Poliedro







O amor essa forma indefinida na mão do arquiteto
Poliédrica, inexplicável na superfície mutável
Vê? Já não é mais um quadrado.
Daqui a pouco não será mais um urso
Morrerá sempre projeto por ser incompreendido na forma
E passará desapercebido como vaso no canto da sala



Já foi um bonde, já foi uma canção
Cantada silenciosamente no campo do nada
Já foi uma onça de ouro, uma ação de resgate futuro e um tostão
Na cama silente, no grave arquiteto, toma por si próprio sua outra forma
E daqui a um segundo e mais um pouco não será mais não


O amor essa forma indefinida na mão do arquiteto
O arquiteto esse ser incompleto na mão do amor

sábado, abril 02, 2011

As mãos do meu pai





As mãos pensas de meu pai na sala a murmurar em gestos o cansaço do corpo
Tateiam em busca de outras mãos que já não acenam mais
Quantas guerras, meu Deus, quantos exércitos dizimados
Cabem naquele gesto que desenha sem potência o imponderável?


Maré de sangue e vento e vísceras e um grito pende do tato – mamãe,
O resto é nuvem de pássaros abatidos por tanques de guerra e os meus olhos de menino a não crer na própria história, meu Deus, meu Deus
Quantos deuses mortos, quantas valsas perdidas no meio da sala cabem naquele gesto que firma no espaço o vazio da minha herança?


As mãos pensas de meu pai na sala e as réplicas da França conquistada que lhe pendem dos dedos
ofertam-me a crueldade dos campos de batalha e o sorriso fácil dos diplomatas que dividiam entre si o resto do século
e a oferta já é pouca, por não sobrar a esperança da vitória depois da noite
Quantos cadáveres, meu Deus, quantos tios amputados
Cabem naquele gesto que escava no ar a sepultura dos homens fortes?


João, José, Celina, as armas prontas para um combate que já não existe mais
O resto é guerra invisível travada a partir na terra suja das unhas, na carne restante dos molares
Quanto do meu silêncio, nascido na contramão do combate
cabe no gesto de perplexidade perante a nova cosmogenia do Cais?


Elas chamam por algo, as mãos pensas do meu pai, e esse algo tarda a chegar
Não sei bem se pássaro ou finitude,
se começo da praia para a onda, se início do asfalto para o onde
Os corpos se amontoam no vão do hiato e fica este gosto de pólvora
a sobejar na língua morta e insepulta no horizonte da boca