terça-feira, outubro 25, 2011

Os 75 anos do UVA




Apesar de me considerar apenas parcialmente advogado, por tantas outras funções que acabo exercendo, tenho como parâmetro da minha arte advocatícia (sim, porque a advocacia também se constitui em arte) o Escritório Urbano Vitalino Advogados Associados. Fundado em 1937 por Urbano Vitalino, próximo ano, em 2012, o escritório fará 75 anos, dos quais cinco de existência (apenas cinco) eu testemunhei. Posso dizer contudo que foram cinco anos vividos intensamente: acompanhei o fortalecimento do nome de Dr. Urbano Filho no cenário nacional com sua candidatura à presidência nacional da OAB (depois retirada), as eleições para a presidência da nossa seccional, a transformação de uma banca de alguns advogados em uma das maiores estruturas jurídicas da região, a associação momentânea a um dos maiores escritórios do Brasil, o Siqueira Castro, o falecimento precoce de Dr. Urbano Filho que nos deixou um tanto órfãos na advocacia. Lá fiz amigos para toda a vida. Fiz irmãos. Aprendi que a advocacia se exercita com elegância, austeridade e ética. Por tudo isso, após constituir minha própria banca de advogados, Urbano Neto me convidou para escrever um texto para o livro que será editado em meio às comemorações. Pediu-me lembranças. É um ano difícil para lembranças, mas não pude negar esse pedido a quem tanto contribuiu para essa parcela que trago comigo no dia a dia. Não sei se o texto será integralmente reproduzido da forma como transcrevo aqui. São três excertos da minha memória, que dóem como a Itabira de ferro nas veias de Drummond.



Entrei no Escritório Urbano Vitalino em Junho de 2003, vindo de outra experiência da advocacia. O escritório era referência não apenas em Pernambuco e no Nordeste, mas em todo o país, em larga medida pela imensidão da figura de Dr. Urbano Vitalino de Melo Filho, um dos grandes nomes da advocacia brasileira. Ao iniciar meus trabalhos de coordenação do que chamávamos “Grupo Federal”, tive a honra e o prazer de responder diretamente a Dr. Urbano Vitalino Filho, o que potencializou o meu aprendizado na advocacia de uma forma que eu sequer imaginaria naquele momento. Dr. Urbano era muito mais do que um advogado: era um conselheiro, um desses paradigmas humanos que se tornam, no repente do encontro, uma meta. O seu carisma ia além do direito, perpassava as relações humanas, a religião, a própria vida. No mesmo ano em que comecei a advogar no escritório, deu-se o fim do meu primeiro casamento. Era difícil conciliar os novos desafios profissionais com a frustração de um projeto pessoal que chegava ao fim; mas aquele ano era um ano de revoluções para mim. Dr. Urbano notava minha tristeza, nada falava, ensinava-me sobre os processos mais complexos do Escritório. Um dia, na sala dele, Dr. Urbano abandonou seu silêncio e me perguntou: “Professor André, você gostaria que eu conversasse com você e com sua esposa?” Eu sorri, educadamente recusei a gentileza. Eu tinha certeza, dentro de mim, que se ele interviesse, com toda sua sabedoria e ponderação, o casamento teria continuado.

Acho que exatamente por isso, aquele auxílio, eu recusei.

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Em outubro de 2003, houve, em Madri, o I Encontro de Advogados do Brasil e Espanha, promovido pelo Itamaraty, em parceria com o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) e com a Câmara Oficial Espanhola de Comércio no Brasil. Recém-separado que estava, achei que seria uma excelente oportunidade para representar o Escritório Urbano Vitalino e respirar ares fora da minha cidade e do meu país. Arrumei as malas e segui para Madri. O evento se deu em apenas um dia, onde vários assuntos que interessavam a escritórios brasileiros e espanhóis foram tratados. Lá estavam os grandes escritórios do Brasil: Tozzini, Freire; Pinheiro Neto; Felsberg; Veirano. Do Nordeste, apenas eu representando o Urbano Vitalino Advogados. Um por um, os causídicos foram se apresentando no colóquio. Quando chegou a minha vez, ao pronunciar minha origem e qual escritório representava, notei uma silenciosa curiosidade vinda dos meus pares. Ao final do evento, vários advogados de diversas bancas brasileiras vieram apertar a minha mão, saudando em mim, Dr. Urbano Vitalino. Por fim, o decano do Ilustre Colegio de Abogados de Madrid, Dr. Luiz Martí Migarro, veio à minha pessoa enviar uma carinhosa saudação a Dr. Urbano, que possuía o título de “Dom”, outorgado pelo próprio Rei da Espanha. Pude ver naquele dia, que a pergunta antinominalista de Shakespeare em Romeu e Julieta “O que há em um nome?” não se aplicava àquele tempo e lugar. Havia muita substância e poucas fronteiras no nome de Urbano Vitalino.

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Por fim, recordo-me de um grande trabalho que desenvolvi no escritório, também no ano de 2003. Uma das empresas clientes do escritório era beneficiária do programa de incentivo fiscal do Governo do Estado de Pernambuco, PRODEPE. Por um equívoco da contabilidade da empresa, houve um aparente débito com a Fazenda Estadual (na verdade, a empresa possuía um crédito com o Estado) e, bem por isso, foi descredenciada sumariamente do PRODEPE, com efeitos retroativos, gerando um auto de infração de mais de 40 (quarenta) milhões de Reais, um dos maiores autos de infração já lavrados em Pernambuco. A empresa era uma indústria de peças automotivas e pertencia a um grupo argentino. O auto de infração inviabilizava a permanência da empresa em Pernambuco. Dr. Urbano se reuniu pessoalmente com o Secretário da Fazenda que disse nada poder fazer. Resolvemos acreditar no direito do nosso cliente e ingressamos com a defesa administrativa no TATE (Tribunal Administrativo Tributário do Estado). Varei noites estudando argumentos e submetendo-os aos meus colegas de escritório. No final de Novembro de 2003, o processo 00.313/03-3 foi julgado e o auto de infração quedou improcedente, permitindo a permanência do cliente no Brasil e mantendo as centenas de empregos que ele gerava. Na saída do julgamento, exultante, liguei para Dr. Urbano. Ele riu do outro lado da linha e disse: “Não ligue para mim, ligue para o cliente”. Foi um dos últimos trabalhos que desenvolvi ao lado de Dr. Urbano. No ano seguinte eu fui privado prematuramente de sua presença física e passei a conviver com suas lembranças em fotos, livros, homenagens e nesse porta-retrato infinito que nós chamamos de saudade.