sábado, janeiro 14, 2012

Canção de Ninar






No dia em que a morte do meu pai se deixou consumar
Eu passei a procurar o espírito de cada coisa viva e morta
Quando eu dei por mim, já trajando o luto imenso da ausência
Espreitava no vazio do nada qualquer coisa que aplacasse a solidão
Como se algo estivesse prestes a ser revelado antes de cada segundo:
O espírito do meu pai
A cornucópia da matéria escura do universo
A partícula de Deus convidando-me para dançar, ofertando-me a mão
Guiando-me pelo bailado das explicações que não cabem na nossa humanidade
Mas não havia nem um fantasma de Dickens,
Nem o espírito paterno universal, murmurando: “Don Giovanni”
Sequer o diabo a me prometer liberdade da paterna opressão
Apenas a matéria a cuspir areia, tijolo e o papel da missa de domingo
E repetindo a questão formatada por séculos e séculos, até o advento do
Computador: Onde está o teu Deus?
Olho para Deus e contemplo apenas as imagens da televisão.

Mas aí tu vens
Tu, Filipe, carne, osso e músculos
Tua fragilidade gigantesca perante o cosmos, perante os elefantes da África
Tua arquitetura menor que as catedrais góticas de Espanha
E aí, todo o vazio da metafísica é preenchido com a tua saliva
Com as tuas células-tronco que a ciência chama de Deus
Tu congelas o sol e a lua em um único instante perante meus olhos
Tu abres o mar para que eu possa atravessar os meus segredos
Tu, Filipe, tu te tornas meu pai
Um conforto de tudo me batiza do além da cabeça à ponta do pé
E eu durmo em paz no teu colo infinito,
franjado de quasares, estrelas e dos paradoxos do meu beijo na tua fronte
que eu, humildemente, chamo de fé