Plano aberto na Catedral de Veneza.Piazza San Marco. Fechando. Pombos voando. Intenção da câmera: sugerir que alguém se aproxima rapidamente pela revoada dos pombos. Ponto de chegada: alguém de costas. Surge uma mão que toca o "alguém de costas". Ele vira-se ao sentir o toque. Faz cara de surpresa e sorri. Inicia-se o diálogo.
(Ele): De todos os lugares do mundo, aqui era onde eu menos esperava encontrar você
(Ela): Que coincidência....eu te vi de longe e corri para ver ser era você mesmo...
(Ele): Você veio para cá com alguém?
(Ela): Com o meu marido...mas ele ficou no hotel. Tá morto de gripe. E você?
(Ele): Vim só...vim pagar uma promessa
(Ela): Aqui? Viajou isso tudo só para pagar uma promessa?
(Ele): É...na rota dos peregrinos...
(Ela): Você só é católico na Europa. Queria ver você pagando promessa em algum morro.
(Ele - sorrindo): Lua de mel?
(Ela): Curso de artes plásticas
(Ele): Então está no lugar certo...vi uns estudantes de arte desenhando naquela igreja que fica por detrás da Catedral
(Ela): Nossa Senhora da Saúde
(Ele): Essa mesmo...Lembrei de você, e veja que coincidência, depois de dois anos sem receber notícias suas dou de cara com você na Europa. Justamente na Europa.
(Ela - olha para o chão sorrindo)
(Ele): Bom...foi muito bom te ver...manda um alô para sua família...
(Ela): Papai faleceu...
(Ele - atônito) Quando? Como foi isso?
(Ela) Há uns dois meses. Estou fazendo essa viagem para respirar um pouco...
(Ele) Meu Deus...eu não sabia, sinto muito. Muito mesmo...eu tinha ainda tantas coisas para falar com ele
(Ela - chora)
(Ele - abraça ela): Ah...meu Deus.
(Ela) Acho que eu tinha que te encontrar aqui prá te dizer isso pessoalmente
(Ele) Desculpa....
(Ela) Desculpar o quê? Foi muito bom te encontrar aqui
(Ele) Depois de tanto tempo...eu até estranhei nós não termos nos encontrado antes.
(Ela) Não é estranho...? Era como se esse nosso laço não conseguisse se romper. Por mais que eu tentasse. Até que nós, esse nós, acabou sumindo por dois anos.
(Ele) Eu nunca entendi porque você nunca pôde conviver com esse laço. Ele sempre te incomodou.
(Ela) Não é isso. Eu só precisava viver uma vida diferente, sem aquele sufoco, sem o nosso passado, sem essa sombra gigantesca que não deixava eu mudar os meus cabelos...Eu precisava andar sem você
(Ele) E você andou...viveu, mudou, casou...
(Ela) andamos todos, não? Solitários, embora acompanhados. Andar só é extremamente necessário para que possamos saber de nós. Trilhar os nossos caminhos, nas nossas próprias rotas.
(Ele) Para acabarmos aqui
(Ela) Como assim?
(Ele) Nos encontrando solitários, nessa rota de peregrinos
(Ela - olha para o chão sem sorrir)
(Ele) Eu vou entrar na Catedral para pagar minha promessa...aqui termina minha demanda. Você vem?
(Ela) Eu tenho que voltar para o hotel...meu marido está muito gripado.
(Ele) Adeus
(Ela - só coloca o óculos escuros e se vira em direção do Canal)