terça-feira, junho 21, 2005
Havia uma Biblioteca naqele Mosteiro
Eu cortei as pontas dos dedos para sentir os livros. Eles traduzem minha angústia e renovam a esperança em um mundo táctil, de coisas para serem sentidas de fora para dentro como no princípio de tudo, quando só havia gente de carne e angústia. Sequer preciso lê-los; basta o cheiro de papel a inundar minhas narinas e um pressentimento de que alguém me conta algo em surdina me atravessa como uma lâmina cega a presentear de cortes inexatos a alma outrora sã e limpa. Quero os papéis amarelos e tantas tipografias quanto houverem línguas espalhadas por obra de um deus cioso da torre de babel que, com certeza, não era de pedras e talhas, mas de livros; porque não se chega a deus sem ler. Por isso esse presente que te ofereço: um mundo embrulhado em algo indescritível, essa sede que só encontra pedra de sal a aumenta-la, esse desejo estancado por uma parede de vidro translúcida, isso, isso, isso, isso. Barulho de página virando. Descoberta de uma nova gramatura. Denúncia de um outro que me espreita através das linotipos. Eu cortei os dedos para abrir meus olhos.
sexta-feira, junho 17, 2005
Tratado Filosófico sobre a arte do efêmero
Eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
O que não temos nos é necessário tanto quanto a água
Ou elemento que valha nossa conformação
Aquilo que não temos nos é coisa-única (e quem pisa no ar deseja o chão)
Tenho eu dois braços ? mas não me bastam eles para reconstruir o mundo
Tenho eu dois olhos ? e ainda assim a mim mesmo não verão
Se permaneço pela alma, e assim reconhecem
Preciso olhar-me no espelho, sorrir-me e me decompor
Pois ai daquele que tem a dor de ter tudo e nada tem
E ai daquele que tem tudo mas lhe falta a dor
Solitariamente tentei preencher essa vaga com água do mar
Mas a água seca e deixa apenas o seu rastro de sal
Abri meu peito para tantos escritores
Mas eles só podem somar dores e ratificar minha cicatriz
Estudei, criei gado, teci filosofias
Mas um ponto (ainda que minúsculo) de incompletude
Doía como se a mim mesmo eu ainda tivesse que construir
É só na efemeridade que somos completos
É só na passagem que nos vemos enfim
É só no espelho que vive a alma gêmea
É apenas no outro que repouso em mim
Esta é a beleza que me falta (ou que não retive)
Pois eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
E a efemeridade que nunca tive
O que não temos nos é necessário tanto quanto a água
Ou elemento que valha nossa conformação
Aquilo que não temos nos é coisa-única (e quem pisa no ar deseja o chão)
Tenho eu dois braços ? mas não me bastam eles para reconstruir o mundo
Tenho eu dois olhos ? e ainda assim a mim mesmo não verão
Se permaneço pela alma, e assim reconhecem
Preciso olhar-me no espelho, sorrir-me e me decompor
Pois ai daquele que tem a dor de ter tudo e nada tem
E ai daquele que tem tudo mas lhe falta a dor
Solitariamente tentei preencher essa vaga com água do mar
Mas a água seca e deixa apenas o seu rastro de sal
Abri meu peito para tantos escritores
Mas eles só podem somar dores e ratificar minha cicatriz
Estudei, criei gado, teci filosofias
Mas um ponto (ainda que minúsculo) de incompletude
Doía como se a mim mesmo eu ainda tivesse que construir
É só na efemeridade que somos completos
É só na passagem que nos vemos enfim
É só no espelho que vive a alma gêmea
É apenas no outro que repouso em mim
Esta é a beleza que me falta (ou que não retive)
Pois eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
sexta-feira, junho 10, 2005
Afogado
A Terra Seca me perguntou
Se eu só sabia falar do mar
disse que poesia boa era carne pouca
e o osso a mostra no alguidar
Triste de mim, Terra Seca
Que falo pelos cotovelos
e só abro a boca para transbordar
Por isso levo o mar em minha garganta
E quem não gosta, vá se afogar...
Se eu só sabia falar do mar
disse que poesia boa era carne pouca
e o osso a mostra no alguidar
Triste de mim, Terra Seca
Que falo pelos cotovelos
e só abro a boca para transbordar
Por isso levo o mar em minha garganta
E quem não gosta, vá se afogar...
quarta-feira, junho 08, 2005
O OUTRO
Sentado, sob a sombra dos visgueiros
Penso e vislumbro, por não ter onde ir, o mar
E penso que pensar não é a ausência de uma ação
Mas a ação invertida das coisas de fora para as coisas de dentro
Quando e onde não sou eu o referencial de mim,
mas as coisas comigo referenciam o que sou
E isso é pensar no mar, essa coisa comigo mais corpórea do que liquefeita
Ao reverso do meu pensamento, mais liquefeito do que meu corpo
Penso e vislumbro: adiante, o mar
E penso que o mar é calmo, sob uma réstia iluminada
Um campo tranqüilo que se adequa ao que penso dele
E nessa subsunção fumo um cigarro e dou-me por satisfeito por não ter aonde ir
(e se houvesse aonde ir, não iria,
para não correr o risco de inadequar meu pensamento à vida)
Mas de repente, (nesse átimo de tempo em que ocorrem os poemas)
A vida queda a conspirar contra mim
E longe, vejo uma nuvem negra a perturbar o que penso eu do mar
É apenas um ponto negro, como de resto principiam-se as coisas todas
Mas o mar torna-se outro, não o que eu penso, mas outro e meu cigarro se apaga.
Um revolver-se de tudo se assenhora de mim e meu pensamento fica como rastro dele mesmo
Que mar é esse sob uma nuvem negra que surge e destitui o que eu penso?
Mar do Deus hebreu que pôs fim em tudo e em água
Mar que engoliu a carne de povos mais civilizados do que o meu
Mar das embarcações que naufragaram em busca do que não conheciam
Mar da incerteza da terra, do mar, da vida: outro mar, esse que não conheço
Mas cheguei a conhecer algum dia o mar?
Foi ele algum dia o campo tranqüilo que se adequava ao que pensava dele?
Eu que penso tantas coisas de mim, constantemente visitado por nuvens negras
Sequer sei se sou esse sentado à sombra dos visgueiros
Eu que me sabia subsumido no que pensava de mim penso que posso ser outro como o mar
E que o mar talvez nunca tenha sido o campo tranqüilo ou o sob a nuvem negra
Mas outro, indefinidamente, inconscientemente, sorrateiro e misterioso outro
Oculto por pensamentos inexatos, incertos como a vida, a terra, o mar
Penso e vislumbro, por não ter onde ir, o mar
E penso que pensar não é a ausência de uma ação
Mas a ação invertida das coisas de fora para as coisas de dentro
Quando e onde não sou eu o referencial de mim,
mas as coisas comigo referenciam o que sou
E isso é pensar no mar, essa coisa comigo mais corpórea do que liquefeita
Ao reverso do meu pensamento, mais liquefeito do que meu corpo
Penso e vislumbro: adiante, o mar
E penso que o mar é calmo, sob uma réstia iluminada
Um campo tranqüilo que se adequa ao que penso dele
E nessa subsunção fumo um cigarro e dou-me por satisfeito por não ter aonde ir
(e se houvesse aonde ir, não iria,
para não correr o risco de inadequar meu pensamento à vida)
Mas de repente, (nesse átimo de tempo em que ocorrem os poemas)
A vida queda a conspirar contra mim
E longe, vejo uma nuvem negra a perturbar o que penso eu do mar
É apenas um ponto negro, como de resto principiam-se as coisas todas
Mas o mar torna-se outro, não o que eu penso, mas outro e meu cigarro se apaga.
Um revolver-se de tudo se assenhora de mim e meu pensamento fica como rastro dele mesmo
Que mar é esse sob uma nuvem negra que surge e destitui o que eu penso?
Mar do Deus hebreu que pôs fim em tudo e em água
Mar que engoliu a carne de povos mais civilizados do que o meu
Mar das embarcações que naufragaram em busca do que não conheciam
Mar da incerteza da terra, do mar, da vida: outro mar, esse que não conheço
Mas cheguei a conhecer algum dia o mar?
Foi ele algum dia o campo tranqüilo que se adequava ao que pensava dele?
Eu que penso tantas coisas de mim, constantemente visitado por nuvens negras
Sequer sei se sou esse sentado à sombra dos visgueiros
Eu que me sabia subsumido no que pensava de mim penso que posso ser outro como o mar
E que o mar talvez nunca tenha sido o campo tranqüilo ou o sob a nuvem negra
Mas outro, indefinidamente, inconscientemente, sorrateiro e misterioso outro
Oculto por pensamentos inexatos, incertos como a vida, a terra, o mar
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