terça-feira, junho 21, 2005

Havia uma Biblioteca naqele Mosteiro

Eu cortei as pontas dos dedos para sentir os livros. Eles traduzem minha angústia e renovam a esperança em um mundo táctil, de coisas para serem sentidas de fora para dentro como no princípio de tudo, quando só havia gente de carne e angústia. Sequer preciso lê-los; basta o cheiro de papel a inundar minhas narinas e um pressentimento de que alguém me conta algo em surdina me atravessa como uma lâmina cega a presentear de cortes inexatos a alma outrora sã e limpa. Quero os papéis amarelos e tantas tipografias quanto houverem línguas espalhadas por obra de um deus cioso da torre de babel que, com certeza, não era de pedras e talhas, mas de livros; porque não se chega a deus sem ler. Por isso esse presente que te ofereço: um mundo embrulhado em algo indescritível, essa sede que só encontra pedra de sal a aumenta-la, esse desejo estancado por uma parede de vidro translúcida, isso, isso, isso, isso. Barulho de página virando. Descoberta de uma nova gramatura. Denúncia de um outro que me espreita através das linotipos. Eu cortei os dedos para abrir meus olhos.