sexta-feira, junho 17, 2005

Tratado Filosófico sobre a arte do efêmero

Eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
O que não temos nos é necessário tanto quanto a água
Ou elemento que valha nossa conformação
Aquilo que não temos nos é coisa-única (e quem pisa no ar deseja o chão)

Tenho eu dois braços ? mas não me bastam eles para reconstruir o mundo
Tenho eu dois olhos ? e ainda assim a mim mesmo não verão
Se permaneço pela alma, e assim reconhecem
Preciso olhar-me no espelho, sorrir-me e me decompor
Pois ai daquele que tem a dor de ter tudo e nada tem
E ai daquele que tem tudo mas lhe falta a dor

Solitariamente tentei preencher essa vaga com água do mar
Mas a água seca e deixa apenas o seu rastro de sal
Abri meu peito para tantos escritores
Mas eles só podem somar dores e ratificar minha cicatriz
Estudei, criei gado, teci filosofias
Mas um ponto (ainda que minúsculo) de incompletude
Doía como se a mim mesmo eu ainda tivesse que construir

É só na efemeridade que somos completos
É só na passagem que nos vemos enfim
É só no espelho que vive a alma gêmea
É apenas no outro que repouso em mim
Esta é a beleza que me falta (ou que não retive)
Pois eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive