Saída de Santo Amaro
Sou um homem pequeno diante da porta
E deixo atrás de mim as circunstâncias e as devoções segredadas na cerâmica
Em cada cômodo fica um fantasma resignado da morte que é lembrança
Eu que nada sou senão esse caminho defronte
Ali, rezei uma reza; acolá, queimei os meus dedos
no canto da cama que ali havia suspeitei que a noite demoraria a passar
pedi paz e a paz não veio
Na parede da sala amalgamaram-se as unhas, a aliança e um poema
na cozinha fui visitado pelo meu avô. E o que é verdade e o que é mentira
foi lançado pela sala pelo vento do ventilador
Eu sou um homem pequeno diante da porta
E calo diante das vozes que tecem mudo ranger de sedas por detrás de mim
As confissões da alcova e o ponto final; a oração calada e o murmúrio do recomeço
Como dialogam bem as coisas que dissemos e o passado não se ressente, apenas o presente
A sala vazia está repleta de esperança, os quartos vazios buscam novos amores tácteis
Uma sede de coisa nova vai se assenhorando da casa
E meu coração resignado queda expulso, transformando a vida em lenda
As marcas dos meus dedos, as lascas de minha pele, os fios dos meus cabelos
A casa se despe de mim como se buscasse uma nova carne
Adeus, esse aceno de mão
Adeus, esse gemido na cama
Adeus, esse pesadelo abraçado com devoção
A casa está nua de mim e eu estou repleto de roupas antigas
Eu sou um homem pequeno diante da porta
Santo Amaro é maior que o Mundo só porque é meu
Eu não compreendo o ato de deixar e não voltar mais
E fico equilibrado neste fio armado entre o terror e a esperança