sexta-feira, outubro 21, 2005
Morgana e o passarinho (full image)
Postei um escrito que não fazia sentido sem a foto logo abaixo (eu não havia conseguido postar a foto, por problemas técnicos). Depois de resolvê-los, publico novamente o escrito, desta vez, devidamente ilustrado pela ocasião que o motivou:
Minha gata conversa com o passarinho:
Tudo é relativo do outro lado do muro
Voar é uma questão de saber se desvencilhar do chão
Ser livre é ater-se às responsabilidades para com o outro
O mal é apenas o bem mal-feito: Vem cá que eu te ensino a flexibilizar perspectivas
O passarinho não caiu nessa
E voou para a segurança dos seus postulados
Minha gata conversa com o passarinho:
Tudo é relativo do outro lado do muro
Voar é uma questão de saber se desvencilhar do chão
Ser livre é ater-se às responsabilidades para com o outro
O mal é apenas o bem mal-feito: Vem cá que eu te ensino a flexibilizar perspectivas
O passarinho não caiu nessa
E voou para a segurança dos seus postulados
Parte 4 (ou, pelo tamanho, 3/76)
No decorrer da noite lenta, o Desembargador foi assombrado na continuidade do seu sono. Assombrado não por fantasma ou súcubo ou espírito desencarnado buscando passar o tempo da eternidade: mas assombrado pelo homem de carne e osso que precedia a titulação; assombrado pelo X do Desembargador. Os suores noturnos denotavam o homem angustiando-se pela oferta sinalizada do papel. Dinheiro para acabar com as preocupações do Desembargador; sim, porque as contas não diferenciam os nomeados dos sem-importância, chegam para todos. E mesmo acordado pelo pânico de saber-se homem naquela hora, o Desembargador sonhou: sonhou com uma casa em praia longe, sonhou com uma viagem para ilha remota, sonhou com a paridade com outros Desembargadores que haviam aceitado outras ofertas de outros advogados em outros processos em outros tempos. E na lentidão das horas, o Desembargador anoiteceu e o homem dentro dele amanheceu. E pela primeira vez em muitos anos, não houve prazer no ato de vestir-se para o café, pois havia um homem dentro dele que desrespeitava a titulação e que acreditava que era mais importante ser homem do que ser Desembargador.
terça-feira, outubro 04, 2005
Episódio 3
Fantasma (parte 3)
Deu qualquer desculpa ao advogado e o apresentou ao caminho de fora. Não queria se envolver com qualquer tramóia arquitetada por quem não pensa em honrarias.
Após a saída do advogado, chegou para o Desembargador um bilhete sem assinatura entregue a um funcionário da limpeza e dobrado sem maiores cuidados. Ao abrir o bilhete, o Desembargador deparou-se com um numerário que até então não cabia na sua vida. Depressa, rasgou em pequenos pedaços o papel, jogou no lixo e esvaziou a lixeira. A partir daquele momento, a tranqüilidade do gabinete do Desembargador X parecia abalada por algo invisível. O ar pesou. A caneta pesou. O existir pesou. Sequer despediu-se dos funcionários no final do expediente; deixou intacto o chá, os processos em sua mesa; não alertou o assessor sobre os feitos que deveriam entrar em pauta para julgamento na próxima sessão. Saiu depressa querendo não se fazer notar; mas ele era o Desembargador X e não tardou para que, mesmo na discrição de seus passos, alguém apontasse o dedo e repetisse a titulação: “Desembargador X”.
Jantou só. Não esperou pelos filhos, nem pela esposa. Recolheu-se ao quarto e apanhou um surrado manual de ética que trazia consigo desde os tempos de faculdade. Mas não leu. Ligou a TV e ficou a ouvir o noticiário sem prestar muita atenção no que era dito, deixando-se embalar pelas palavras que, destoando do contexto das imagens, viravam uma canção de ninar ruidosa e melancólica.
Deu qualquer desculpa ao advogado e o apresentou ao caminho de fora. Não queria se envolver com qualquer tramóia arquitetada por quem não pensa em honrarias.
Após a saída do advogado, chegou para o Desembargador um bilhete sem assinatura entregue a um funcionário da limpeza e dobrado sem maiores cuidados. Ao abrir o bilhete, o Desembargador deparou-se com um numerário que até então não cabia na sua vida. Depressa, rasgou em pequenos pedaços o papel, jogou no lixo e esvaziou a lixeira. A partir daquele momento, a tranqüilidade do gabinete do Desembargador X parecia abalada por algo invisível. O ar pesou. A caneta pesou. O existir pesou. Sequer despediu-se dos funcionários no final do expediente; deixou intacto o chá, os processos em sua mesa; não alertou o assessor sobre os feitos que deveriam entrar em pauta para julgamento na próxima sessão. Saiu depressa querendo não se fazer notar; mas ele era o Desembargador X e não tardou para que, mesmo na discrição de seus passos, alguém apontasse o dedo e repetisse a titulação: “Desembargador X”.
Jantou só. Não esperou pelos filhos, nem pela esposa. Recolheu-se ao quarto e apanhou um surrado manual de ética que trazia consigo desde os tempos de faculdade. Mas não leu. Ligou a TV e ficou a ouvir o noticiário sem prestar muita atenção no que era dito, deixando-se embalar pelas palavras que, destoando do contexto das imagens, viravam uma canção de ninar ruidosa e melancólica.
segunda-feira, outubro 03, 2005
Presente de Casamento
Corri para tentar dizer-lhe o segredo de tudo
Dobrei a esquina e sequer reparei na moça de olhos negros
Venci o pesadelo de fracassar naquela ponte depois da Avenida
Tinha certeza que ia dar tempo ao jogar quatro anos da minha vida no acostamento
Mas cheguei tarde demais e você saiu na carruagem antes que pudesse te segredar
Vendo você ao longe, feliz, e acenando ao povo, disse cá comigo:
Benditos são os que não sabem e não têm quem lhes conte o segredo
Dobrei a esquina e sequer reparei na moça de olhos negros
Venci o pesadelo de fracassar naquela ponte depois da Avenida
Tinha certeza que ia dar tempo ao jogar quatro anos da minha vida no acostamento
Mas cheguei tarde demais e você saiu na carruagem antes que pudesse te segredar
Vendo você ao longe, feliz, e acenando ao povo, disse cá comigo:
Benditos são os que não sabem e não têm quem lhes conte o segredo
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