Fantasma (parte 3)
Deu qualquer desculpa ao advogado e o apresentou ao caminho de fora. Não queria se envolver com qualquer tramóia arquitetada por quem não pensa em honrarias.
Após a saída do advogado, chegou para o Desembargador um bilhete sem assinatura entregue a um funcionário da limpeza e dobrado sem maiores cuidados. Ao abrir o bilhete, o Desembargador deparou-se com um numerário que até então não cabia na sua vida. Depressa, rasgou em pequenos pedaços o papel, jogou no lixo e esvaziou a lixeira. A partir daquele momento, a tranqüilidade do gabinete do Desembargador X parecia abalada por algo invisível. O ar pesou. A caneta pesou. O existir pesou. Sequer despediu-se dos funcionários no final do expediente; deixou intacto o chá, os processos em sua mesa; não alertou o assessor sobre os feitos que deveriam entrar em pauta para julgamento na próxima sessão. Saiu depressa querendo não se fazer notar; mas ele era o Desembargador X e não tardou para que, mesmo na discrição de seus passos, alguém apontasse o dedo e repetisse a titulação: “Desembargador X”.
Jantou só. Não esperou pelos filhos, nem pela esposa. Recolheu-se ao quarto e apanhou um surrado manual de ética que trazia consigo desde os tempos de faculdade. Mas não leu. Ligou a TV e ficou a ouvir o noticiário sem prestar muita atenção no que era dito, deixando-se embalar pelas palavras que, destoando do contexto das imagens, viravam uma canção de ninar ruidosa e melancólica.