Há uma demanda dos que me cercam direta ou indiretamente pelo significado de um boteco perdido no fim de uma rua desapercebida chamado ORECIC. A curiosidade é despertada toda vez que eu tracejo: “Vou ao ORECIC”, ou, de uma maneira mais gostosa, “Vou tomar uma no ORECIC”. A resposta é automática em todos os casos: “o que diabos é o ORECIC?”.
Ao explicar de maneira rápida e sem muitos detalhes que o ORECIC é o bar onde eu me reúno com os meus comparsas nas tardes do sábado, um mito inexplicável é criado. Para tantos e tantos, o ORECIC é um diamante incrustado no alheio dos que buscam os bares da moda; um cantinho familiar onde uma comida com tempero inenarrável é preparada, onde a cerveja é geladíssima, onde, às quintas, Cartola, Paulinho da Viola e Chico Buarque fazem uma roda de samba, e Camila Pitanga pega um avião completamente disfarçada só para sentar ao lado da gente e compartilhar da espuma do chopp geladíssimo vindo diretamente do Capela no Rio de Janeiro.
O ORECIC pode ainda ser um reduto gastronômico para iniciados, onde acepipes conservados em receitas familiares pernambucanas de gerações ancestrais permanecem inalteradas pela mão de ferro de uma grande cozinheira.
Muitos pedem para ir lá. Querem compartilhar do mistério que parece existir nessa palavra incompreensível, nessa mitologia que se alimenta das poucas palavras e do imaginário que rodeia essa instituição universal do ser humano: o bar.
Mas eu mantenho guardado a sete chaves esse meu assento sagrado, ainda que o ORECIC não seja nada disso, mas tão somente um lugar onde nos despimos de todas as convenções, gravatas, letras, gramáticas, físicas, matemáticas, sistemas, engenharias, bancos, automações. Onde somos reis de uma terra inóspita e nos orgulhamos do nossos títulos de digníssimos filhas de uma puta.
segunda-feira, agosto 06, 2007
Fazer anos
Deu-se que fiz anos antes da data do meu aniversário.
Padecendo da febre da dengue (e porque não sei ficar fora da moda), sentei-me na poltrona e fiz a única coisa possível para quem sente o corpo como se fosse um estorvo: fiquei imóvel, assistindo televisão. Para minha grata surpresa, a providência teve pena de mim e determinou que o canal “Telecine Cult” passasse “Roma de Fellini” para que eu pudesse esquecer um pouco das minhas fraquezas (eu gosto de pensar assim: a providência olhou para André e...). “Roma” é um filme belíssimo, com uma peculiar indefinição entre o documentário e a ficção, mas totalmente pensado através das percepções de Frederico Fellini sobre Roma, cidade que o contextualiza. Ao longo do filme, Fellini e Roma se misturam como personagens principais dentro da homenagem pintada com tintas impressionistas.
Sentado na minha poltrona pude entender que apenas quem sente o peso dos anos, dentro de um contexto de cidade poderia fazer uma homenagem como aquela. Não apenas uma homenagem à Roma, mas uma homenagem a si mesmo, como homem que compreende a cidade e as circunstâncias histórias que o cercam. Perder-se no seu contexto histórico é uma forma de se eternizar.
Ali, vendo aquela homenagem de Fellini à Roma, lembrei-me de uma viagem que fiz quando ainda tinha dezenove anos de idade. A Europa comemorava o centenário do cinema. Em Roma, entrei em uma exposição sobre Fellini e encontrei-me com o figurino utilizado por ele no filme que comento. Filme que só assistiria mais de uma década depois, padecendo da dengue.
Ao lembrar daquele instante no passado, vendo os mesmos figurinos observados ao vivo tanto tempo atrás, abriu-se uma janela imaginária na minha sala, e eu pude ver aquele jovem que eu era quando possuía vinte anos. Todas as escolhas que eu já fiz hoje ainda sequer eram pensamentos na minha cabeça e tudo estava impregnado de uma flexibilidade que não existe mais. Flexibilidade de moldar a vida de acordo com a vontade.
Como se pudesse perceber minha presença observadora, o jovem que eu fui olhou para mim e deu um sorriso do canto da boca, em respeito ao que sou. A imagem se desfez e o filme prosseguiu. Naquele momento eu havia feito 32 anos de idade.
Padecendo da febre da dengue (e porque não sei ficar fora da moda), sentei-me na poltrona e fiz a única coisa possível para quem sente o corpo como se fosse um estorvo: fiquei imóvel, assistindo televisão. Para minha grata surpresa, a providência teve pena de mim e determinou que o canal “Telecine Cult” passasse “Roma de Fellini” para que eu pudesse esquecer um pouco das minhas fraquezas (eu gosto de pensar assim: a providência olhou para André e...). “Roma” é um filme belíssimo, com uma peculiar indefinição entre o documentário e a ficção, mas totalmente pensado através das percepções de Frederico Fellini sobre Roma, cidade que o contextualiza. Ao longo do filme, Fellini e Roma se misturam como personagens principais dentro da homenagem pintada com tintas impressionistas.
Sentado na minha poltrona pude entender que apenas quem sente o peso dos anos, dentro de um contexto de cidade poderia fazer uma homenagem como aquela. Não apenas uma homenagem à Roma, mas uma homenagem a si mesmo, como homem que compreende a cidade e as circunstâncias histórias que o cercam. Perder-se no seu contexto histórico é uma forma de se eternizar.
Ali, vendo aquela homenagem de Fellini à Roma, lembrei-me de uma viagem que fiz quando ainda tinha dezenove anos de idade. A Europa comemorava o centenário do cinema. Em Roma, entrei em uma exposição sobre Fellini e encontrei-me com o figurino utilizado por ele no filme que comento. Filme que só assistiria mais de uma década depois, padecendo da dengue.
Ao lembrar daquele instante no passado, vendo os mesmos figurinos observados ao vivo tanto tempo atrás, abriu-se uma janela imaginária na minha sala, e eu pude ver aquele jovem que eu era quando possuía vinte anos. Todas as escolhas que eu já fiz hoje ainda sequer eram pensamentos na minha cabeça e tudo estava impregnado de uma flexibilidade que não existe mais. Flexibilidade de moldar a vida de acordo com a vontade.
Como se pudesse perceber minha presença observadora, o jovem que eu fui olhou para mim e deu um sorriso do canto da boca, em respeito ao que sou. A imagem se desfez e o filme prosseguiu. Naquele momento eu havia feito 32 anos de idade.
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