segunda-feira, agosto 06, 2007

Fazer anos

Deu-se que fiz anos antes da data do meu aniversário.

Padecendo da febre da dengue (e porque não sei ficar fora da moda), sentei-me na poltrona e fiz a única coisa possível para quem sente o corpo como se fosse um estorvo: fiquei imóvel, assistindo televisão. Para minha grata surpresa, a providência teve pena de mim e determinou que o canal “Telecine Cult” passasse “Roma de Fellini” para que eu pudesse esquecer um pouco das minhas fraquezas (eu gosto de pensar assim: a providência olhou para André e...). “Roma” é um filme belíssimo, com uma peculiar indefinição entre o documentário e a ficção, mas totalmente pensado através das percepções de Frederico Fellini sobre Roma, cidade que o contextualiza. Ao longo do filme, Fellini e Roma se misturam como personagens principais dentro da homenagem pintada com tintas impressionistas.

Sentado na minha poltrona pude entender que apenas quem sente o peso dos anos, dentro de um contexto de cidade poderia fazer uma homenagem como aquela. Não apenas uma homenagem à Roma, mas uma homenagem a si mesmo, como homem que compreende a cidade e as circunstâncias histórias que o cercam. Perder-se no seu contexto histórico é uma forma de se eternizar.

Ali, vendo aquela homenagem de Fellini à Roma, lembrei-me de uma viagem que fiz quando ainda tinha dezenove anos de idade. A Europa comemorava o centenário do cinema. Em Roma, entrei em uma exposição sobre Fellini e encontrei-me com o figurino utilizado por ele no filme que comento. Filme que só assistiria mais de uma década depois, padecendo da dengue.

Ao lembrar daquele instante no passado, vendo os mesmos figurinos observados ao vivo tanto tempo atrás, abriu-se uma janela imaginária na minha sala, e eu pude ver aquele jovem que eu era quando possuía vinte anos. Todas as escolhas que eu já fiz hoje ainda sequer eram pensamentos na minha cabeça e tudo estava impregnado de uma flexibilidade que não existe mais. Flexibilidade de moldar a vida de acordo com a vontade.

Como se pudesse perceber minha presença observadora, o jovem que eu fui olhou para mim e deu um sorriso do canto da boca, em respeito ao que sou. A imagem se desfez e o filme prosseguiu. Naquele momento eu havia feito 32 anos de idade.