sexta-feira, setembro 04, 2009

NO BAR DA MIRA

Os santos africanos têm boca. Comem tudo o que a boca come, como Exu. Os santos católicos são pálidos, parecem que nunca viram um prato de pirão na vida. Parece que nunca foram na Mira. O Bar da Mira é uma dessas jóias que já fazem parte do itinerário turístico da cidade, com seus mitos e lendas e uma verdade inquestionável: a qualidade de sua cozinha. Mira é devota de Cosme e Damião, santos católicos. Mas eu acho que são os Iberês que dão as caras por lá, na hora do almoço. A comida de Mira é um ritual de fé e esperança que vai além do pão e do vinho. Coisa para poucos.
Como toda liturgia, começamos do caldinho de feijão, nominado por Edmilson, o baiano, de café. Edmilson é o celebrante desse ato religioso: filho de Mira, sua presença é indispensável para compreensão da beleza que se esconde por detrás de cada prato. Primeiramente, devemos agradecer pelo privilégio de estarmos diante da autêntica comida pernambucana. Sem invencionices de espumas, reduções, salteados. Amém, Senhor. O cabrito precoce. Aleluia. O sarapatel. Hosana. A galinha de cabidela. Saravá. Feijão, pirão, pimenta. I tego arcana dei.
E no fim do ritual, comunguemos todos na mesa em torno do doce de banana, de caju. Misturado e gelado, com o gosto de cravo a afastar qualquer pecha de pecado da gula a pairar sobre nossas cabeças abençoadas pela cerveja gelada. Oremos. A vida vale o peso exato desses momentos de paz.