segunda-feira, junho 14, 2010

A Morte do Jogo

“O atrativo do jogo, a fascinação que exerce, reside justamente no fato de que o jogo se assenhora do jogador.”

Gadamer, Verdade e Método.

Pour Lucas,

O modo de ser do jogo é sua fluidez. O jogo deve ser jogado. Segurar o jogo, não deixá-lo, é o anti-jogo, o não acontecer. A bola está presa no único esquema tático das seleções e das nações, pasteurizadas na preocupação excessiva com a defesa e exterminando a diversidade dos povos que nos encantava a cada quatro anos de copa. Os times africanos, os sul americanos, os asiáticos: todos são europeus, excessivamente europeus.
Meninos pretos de cabelos loiros e olhos azuis: o capital domesticou a criatividade e o que importa não é mais o jogo em si, mas a forma como se joga o jogo. O esquema tático se sobressai e domina o impulso de furar as barreiras inimigas; o impulso que é um monstro pré-cristão que não se apieda de nada.
O resultado é o descrédito no próprio jogo que se vê órfão de gols e de um deus-herói, um ponta de lança que atravesse o campo e entre como projétil trave adentro, erguendo as mãos para o céu em uma língua desconhecida.
Só um deus pode nos salvar.
Não há meio campo criativo, não existe o atacante imperial, a força física abafa a molecagem, o drible diabólico do menino crescido em várzea ou em rincão distante. É o genocídio dos reis, dos anjos de pernas tortas, das laranjas mecânicas, das tribos de verdadeiros guerreiros. É o elogio das academias, dos computadores, dos tecidos e das malhas criadas após anos de pesquisa. A assepsia venceu a lama. Mas da assepsia não se ergue a vida; da lama sim.
Aos poucos, vamos contentando-nos com essa postura tímida, de recuo, de parede. Ficamos esperando a vinda messiânica desse jogo que fluirá para além dos esquemas táticos excessivamente defensivos que se manifesta como um simulacro do que, um dia, nós chamamos de futebol.