sábado, junho 26, 2010

Seculorum

Quando me falam do século passado,
Frequentemente caio nessa dúvida: de que século falam?

Do século vinte? Com seus hiatos armados entre o terror e o sublime
O século vinte dos ratos que surgiam dos escombros
E me contavam histórias de extermínio e de grandes amores

Do século dezenove? Com sua assepsia imperial a tapar o túmulo de Deus
O século dezenove quando os grandes homens eram possíveis
E pairava no ar uma esperança de curar todas as doenças

O século dezenove sem qualquer contradição
O século vinte que, ao nascer, proclamou: eu morri
Que século passou por mim e me antecedeu?
Que porta se fechou por detrás de mim e não percebi?

Eu aqui no século vinte e um, sinto-me como um sinal neutro em relação a tudo
Nada me pertence, nem agora, nem no futuro
Sou como algo nunca criado ou nunca disposto a se reinventar
E para além de todas as contingências, permaneço alheio ao mundo
Enquanto meus filhos constroem um século para além de mim

Difícil ofício esse, de pertencer a um século.