Quando me falam do século passado,
Frequentemente caio nessa dúvida: de que século falam?
Do século vinte? Com seus hiatos armados entre o terror e o sublime
O século vinte dos ratos que surgiam dos escombros
E me contavam histórias de extermínio e de grandes amores
Do século dezenove? Com sua assepsia imperial a tapar o túmulo de Deus
O século dezenove quando os grandes homens eram possíveis
E pairava no ar uma esperança de curar todas as doenças
O século dezenove sem qualquer contradição
O século vinte que, ao nascer, proclamou: eu morri
Que século passou por mim e me antecedeu?
Que porta se fechou por detrás de mim e não percebi?
Eu aqui no século vinte e um, sinto-me como um sinal neutro em relação a tudo
Nada me pertence, nem agora, nem no futuro
Sou como algo nunca criado ou nunca disposto a se reinventar
E para além de todas as contingências, permaneço alheio ao mundo
Enquanto meus filhos constroem um século para além de mim
Difícil ofício esse, de pertencer a um século.