segunda-feira, janeiro 14, 2013

O Som ao Redor






O som faz toda a diferença quando se está diante de uma película. Mesmo no cinema mudo, as sucessões de imagens que deslubravam e ainda deslumbram nossos olhos eram acompanhadas de músicas que variavam de acordo com as intenções do diretor. A introdução do som no cinema, como elemento de composição e compreensão da própria película,  foi uma uma inovação que beira a revolução: é só assistir "Crepúsculo dos Deuses" para compreender o futuro naquele momento do passado. O som não é apenas um dado técnico no cinema: ele é um ator.

Eu, particularmente, não conheço nenhum filme que tenha levado tal intelecção ao extremo como "O Som ao Redor" do crítico e cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho. Neste trabalho de longa metragem (seu primeiro longa metragem) o som é o ator principal do filme; tudo que existe como retrato do cotidiano existe a partir do som que invade a tela do cinema; o som é quase tangível, quase visível.

Essa afirmação poderia gerar a impressão que o filme em si não possui um roteiro delimitado e que a experiência cinematográfica proposta por Kléber Mendonça Filho não vai além da experiência em si.
 Engano. O filme tem uma proposta narrativa que parte do cotidiano suburbano recifense (mas que poderia ser qualquer cidade do país) para demonstrar a manutenção de um status quo ancestral, emoldurado, todavia, por novos sons.

O que está por detrás do som de uma máquina de lavar? O que se esconde nas entrelinhas dos barulhos infantis toados em um playground de um condomínio? O que late, incessantemente, para nós? 

Os sons do cotidiano, na sua existência monótona e incorporada ao nosso senso do comum, estão aí para denunciar, para aterrorizar, para maravilhar.  E apenas o cinema é capaz de fazer com que nos apercebamos  de como a vida pode ser (re) vista não a partir da imagem, mas - paradoxalmente - a partir do som.

Não é por acaso que esse é um filme tão decantado e premiado: Kléber Mendonça Filho conseguiu subverter a ordem da realidade e do próprio título que ele deu a sua obra: no final, não é o som que existe ao nosso redor, mas nós que nos damos e existimos ao redor do som.