quinta-feira, setembro 30, 2004

Fire of the Sun, flesh of the Moon

Meu amor...

Quando eu estava na Rússia, queria me perder por lá e nunca mais voltar por aqui. De tudo tão belo que parecia pipocar as minhas retinas, foi surgindo uma saudade - tão portuguesa em sua maneira de ser sentida, tão africana na sua maneira de ser cantada. Adoeci de banzo. Eu olhava para cada menina russa e via você. Por isso não fique enciumada se eu desenhei uma menina que me chamou a atenção em uma loja de bonecas russas. Eu estava desenhando você. Foi lá, tão distante da terra em que piso, tão distante do mar que eu amo, que eu descobri que teria um motivo para voltar. Então eu não quis mais me perder. Fogo do sol, carne da lua.


Meu amor:
Você é o fogo do sol, a carne da lua
o brilho da prata, a nobreza do ouro
o ventre da terra, o móvel do ar
o sangue da água, o conforto do gelo
Você é a rosa dos ventos, a palavra pensada
o segredo da noite e o batismo do dia
o cheiro da madeira da casa para o corpo estrangeiro
a terra nunca dantes vislumbrada para os olhos apátridas
o repouso no seio da vida, a vã formosura
o elogio à companhia eterna e o terror do degredo

Eu perdi as digitais dos meus dedos e as íris dos olhos
eu perdi as marcas do corpo e a noção do meu tempo
fui apagado de cada memória, fui expulso de casa
eu retornei até o dia anterior ao meu nascimento
Para que nada restasse por antes e por gênese
para que nada eu soubesse por gozo ou por medo
Para que eu não existisse agora (como eu era)
para que eu nunca fosse o que eu seria, ou porventura
nem mesmo eu mesmo, nem nada
nem como tradição falada, nem como cultura
apenas como algo a porvir e que te louva
pois és o fogo do sol e a carne da lua.