quinta-feira, maio 31, 2007

Pour Rodrigo

Polly Nichols
(Rodrigo Pinto)


Quase seis, a tarde morta.
A noite dobra a esquina.
A chuva deu uma trégua,
Mas deixou uma bruma fina.
Esse ar enevoado,
Embaçando minhas retinas,
Lembra o fog tão fleumático
Das tais vielas londrinas
Perto da branca capela,
Onde Jack, o Estripador,
Imolava as suas vítimas:
Mariposas muito brancas
E vermelhas, viciadas
Em gim vagabundo, tísicas.

Certa feita uma delas
Me apareceu em sonho
E falou no meu ouvido
O nome do seu algoz.
“A morte é imponderável
Como uma rosa desmaiada”,
Disse, num fatal suspiro,
A paloma malsinada,
Dirigindo-se à janela
Que mantenho sempre aberta,
Mesmo quando o frio lá fora
É um açoite (afinal
Nunca se sabe quem po-
derá do meio da escu-
ridão sair para di-
zer-me o seu boa-noite).

quarta-feira, maio 30, 2007

Bebel


quarta-feira, maio 23, 2007

REVEL

Trago sempre comigo essa impressão de revelia
De que as coisas acontecem no ponto cego do meu retrovisor
Desapercebidas de mim que me preocupo com a rua defronte
E não consigo enxerga-las no ponto cego do meu retrovisor:
Um unicórnio negro, Ulisses se preparando para sair de casa
Um ciclope, uma bruxa, Jesus Cristo

Quando dou por mim, eles já não estão mais lá
E só me sobra esta estrada de concreto
Com pessoas preocupadas se vão morrer
Homens consertando os postes de luz
O vapor da vida a despejar-se dos seus suportes vãos

Mas a beleza sobrevivente dos contos de fada
O mistério do divino para o ateu e para o crente
A máquina do mundo a abrir-se para quem nela crê:
Sempre no ponto cego do meu retrovisor

À revelia de mim, o mundo vira poema

segunda-feira, maio 21, 2007

Vem Oxóssi, Oxum também
Jesus, Krishna, Buda, amém
(quando você vem)

Reza prá afastar desdém
Lentes prá enxergar além
(quando você vem)

Me iluminar, minha filha, me iluminar
Me iluminar, minha filha, me iluminar
(vem me iluminar...)

terça-feira, maio 15, 2007

O amor pela manhã

As coisas amanhecem fictas
Metade ainda de matéria sonhada, outra metade quiçá
irreconhecível de si, como se lançada do útero naquela hora:
o bocejo, o olho entreaberto, o livro não lido
as dúvidas se somos aquilo que somos
ou algo sonhado pelo que não compreendemos

As coisas amanhecem nuvens
Coisa real à vista, mas ao tato, à língua, ao cheiro
irremediavelmente fugidio a tangência do homem
Custa a chegar essa matéria, que só advém depois do banho

Mas nós, nós amanhecemos carne
passíveis de sermos tocados por qualquer um que se aproxime
embora segredados pela cama que é embrulho dessa carne
gritamos o pregão tão real quanto o do vendedor de vassouras:
-Temos cheiro, temos gosto, podem nos tocar

Vamos ser fictos no decorrer do dia
Enquanto o mundo se materializa em preços
Metade de nós queda sonhando com a carne que antecedeu ao sonho,
nos dispersamos como nuvem na multidão tangível

terça-feira, maio 08, 2007

Imagine me and you, I do...



Esses são aqueles que fazem a vida ficar mais leve (apesar do excesso de peso de alguns).

Esses são aqueles que levam a verdade para minha vida (apesar das mentiras de pescador)

Esses são os eternos (apesar do bolão pé-na-cova)

Hooligans, Intocáveis ou simplesmente os meninos...

quarta-feira, maio 02, 2007

Lavoura

Plantei em meu peito vinte rosas rubras
Reguei e adubei com todas as coisas-belas a que minha vida se submeteu:
A face concedida depois da cama, a humildade de se supor nada e nunca, a estética simples
Do nada desejar senão aquilo que se é concedido
Aguardei a primavera como quem enxerga castelos e destinos para além da televisão

Mas a terra que cedeu em meu peito não era propícia à lavoura de rosas
E as sementes em mim plantadas se contaminaram com coisas-reais (coisas fatalmente reais como o choro de uma mãe que sobreviveu à morte do filho
como o desejo inconfessável de um velho que morre aos poucos frente a uma escola ginasial)
contaminaram-se com as minhas indisfarçáveis guerras contra o grande amor

E eis que ao invés de rubras rosas, nasceu em meu peito uma planta carnívora

E é por isso que sou poeta