Polly Nichols
(Rodrigo Pinto)
Quase seis, a tarde morta.
A noite dobra a esquina.
A chuva deu uma trégua,
Mas deixou uma bruma fina.
Esse ar enevoado,
Embaçando minhas retinas,
Lembra o fog tão fleumático
Das tais vielas londrinas
Perto da branca capela,
Onde Jack, o Estripador,
Imolava as suas vítimas:
Mariposas muito brancas
E vermelhas, viciadas
Em gim vagabundo, tísicas.
Certa feita uma delas
Me apareceu em sonho
E falou no meu ouvido
O nome do seu algoz.
“A morte é imponderável
Como uma rosa desmaiada”,
Disse, num fatal suspiro,
A paloma malsinada,
Dirigindo-se à janela
Que mantenho sempre aberta,
Mesmo quando o frio lá fora
É um açoite (afinal
Nunca se sabe quem po-
derá do meio da escu-
ridão sair para di-
zer-me o seu boa-noite).
quinta-feira, maio 31, 2007
quarta-feira, maio 23, 2007
REVEL
Trago sempre comigo essa impressão de revelia
De que as coisas acontecem no ponto cego do meu retrovisor
Desapercebidas de mim que me preocupo com a rua defronte
E não consigo enxerga-las no ponto cego do meu retrovisor:
Um unicórnio negro, Ulisses se preparando para sair de casa
Um ciclope, uma bruxa, Jesus Cristo
Quando dou por mim, eles já não estão mais lá
E só me sobra esta estrada de concreto
Com pessoas preocupadas se vão morrer
Homens consertando os postes de luz
O vapor da vida a despejar-se dos seus suportes vãos
Mas a beleza sobrevivente dos contos de fada
O mistério do divino para o ateu e para o crente
A máquina do mundo a abrir-se para quem nela crê:
Sempre no ponto cego do meu retrovisor
À revelia de mim, o mundo vira poema
De que as coisas acontecem no ponto cego do meu retrovisor
Desapercebidas de mim que me preocupo com a rua defronte
E não consigo enxerga-las no ponto cego do meu retrovisor:
Um unicórnio negro, Ulisses se preparando para sair de casa
Um ciclope, uma bruxa, Jesus Cristo
Quando dou por mim, eles já não estão mais lá
E só me sobra esta estrada de concreto
Com pessoas preocupadas se vão morrer
Homens consertando os postes de luz
O vapor da vida a despejar-se dos seus suportes vãos
Mas a beleza sobrevivente dos contos de fada
O mistério do divino para o ateu e para o crente
A máquina do mundo a abrir-se para quem nela crê:
Sempre no ponto cego do meu retrovisor
À revelia de mim, o mundo vira poema
segunda-feira, maio 21, 2007
terça-feira, maio 15, 2007
O amor pela manhã
As coisas amanhecem fictas
Metade ainda de matéria sonhada, outra metade quiçá
irreconhecível de si, como se lançada do útero naquela hora:
o bocejo, o olho entreaberto, o livro não lido
as dúvidas se somos aquilo que somos
ou algo sonhado pelo que não compreendemos
As coisas amanhecem nuvens
Coisa real à vista, mas ao tato, à língua, ao cheiro
irremediavelmente fugidio a tangência do homem
Custa a chegar essa matéria, que só advém depois do banho
Mas nós, nós amanhecemos carne
passíveis de sermos tocados por qualquer um que se aproxime
embora segredados pela cama que é embrulho dessa carne
gritamos o pregão tão real quanto o do vendedor de vassouras:
-Temos cheiro, temos gosto, podem nos tocar
Vamos ser fictos no decorrer do dia
Enquanto o mundo se materializa em preços
Metade de nós queda sonhando com a carne que antecedeu ao sonho,
nos dispersamos como nuvem na multidão tangível
Metade ainda de matéria sonhada, outra metade quiçá
irreconhecível de si, como se lançada do útero naquela hora:
o bocejo, o olho entreaberto, o livro não lido
as dúvidas se somos aquilo que somos
ou algo sonhado pelo que não compreendemos
As coisas amanhecem nuvens
Coisa real à vista, mas ao tato, à língua, ao cheiro
irremediavelmente fugidio a tangência do homem
Custa a chegar essa matéria, que só advém depois do banho
Mas nós, nós amanhecemos carne
passíveis de sermos tocados por qualquer um que se aproxime
embora segredados pela cama que é embrulho dessa carne
gritamos o pregão tão real quanto o do vendedor de vassouras:
-Temos cheiro, temos gosto, podem nos tocar
Vamos ser fictos no decorrer do dia
Enquanto o mundo se materializa em preços
Metade de nós queda sonhando com a carne que antecedeu ao sonho,
nos dispersamos como nuvem na multidão tangível
terça-feira, maio 08, 2007
Imagine me and you, I do...
quarta-feira, maio 02, 2007
Lavoura
Plantei em meu peito vinte rosas rubras
Reguei e adubei com todas as coisas-belas a que minha vida se submeteu:
A face concedida depois da cama, a humildade de se supor nada e nunca, a estética simples
Do nada desejar senão aquilo que se é concedido
Aguardei a primavera como quem enxerga castelos e destinos para além da televisão
Mas a terra que cedeu em meu peito não era propícia à lavoura de rosas
E as sementes em mim plantadas se contaminaram com coisas-reais (coisas fatalmente reais como o choro de uma mãe que sobreviveu à morte do filho
como o desejo inconfessável de um velho que morre aos poucos frente a uma escola ginasial)
contaminaram-se com as minhas indisfarçáveis guerras contra o grande amor
E eis que ao invés de rubras rosas, nasceu em meu peito uma planta carnívora
E é por isso que sou poeta
Reguei e adubei com todas as coisas-belas a que minha vida se submeteu:
A face concedida depois da cama, a humildade de se supor nada e nunca, a estética simples
Do nada desejar senão aquilo que se é concedido
Aguardei a primavera como quem enxerga castelos e destinos para além da televisão
Mas a terra que cedeu em meu peito não era propícia à lavoura de rosas
E as sementes em mim plantadas se contaminaram com coisas-reais (coisas fatalmente reais como o choro de uma mãe que sobreviveu à morte do filho
como o desejo inconfessável de um velho que morre aos poucos frente a uma escola ginasial)
contaminaram-se com as minhas indisfarçáveis guerras contra o grande amor
E eis que ao invés de rubras rosas, nasceu em meu peito uma planta carnívora
E é por isso que sou poeta
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