terça-feira, maio 15, 2007

O amor pela manhã

As coisas amanhecem fictas
Metade ainda de matéria sonhada, outra metade quiçá
irreconhecível de si, como se lançada do útero naquela hora:
o bocejo, o olho entreaberto, o livro não lido
as dúvidas se somos aquilo que somos
ou algo sonhado pelo que não compreendemos

As coisas amanhecem nuvens
Coisa real à vista, mas ao tato, à língua, ao cheiro
irremediavelmente fugidio a tangência do homem
Custa a chegar essa matéria, que só advém depois do banho

Mas nós, nós amanhecemos carne
passíveis de sermos tocados por qualquer um que se aproxime
embora segredados pela cama que é embrulho dessa carne
gritamos o pregão tão real quanto o do vendedor de vassouras:
-Temos cheiro, temos gosto, podem nos tocar

Vamos ser fictos no decorrer do dia
Enquanto o mundo se materializa em preços
Metade de nós queda sonhando com a carne que antecedeu ao sonho,
nos dispersamos como nuvem na multidão tangível