terça-feira, julho 03, 2007

Quase uma crítica de cinema

Assisti extemporâneo a Baixio das Bestas, movido bem pela curiosidade de ver novamente um filme do Cláudio Assis. O diretor havia repercutido bem no meu imaginário a partir de Amarelo Manga. Logicamente as circunstâncias eram outras, e o texto da obra se perfaz com o contexto do auditório: em Amarelo Manga eu via, pela primeira vez, o Recife real pintado nas telas do cinema. Recife sem concessões à beleza decantada nos inúmeros frevos de bloco. Recife sujo, feio, do ventre inchado, amarelo e roxo como o cadáver Boca-de-Ouro das estórias de Gilberto Freyre.
Aqui e ali, alguns defeitos de narrativa e idéias caricatas, mas nada que prejudicasse o promissor caminho que seria trilhado a partir de então pelo diretor Cláudio Assis.
Justificada, portanto, minha curiosidade acerca do filme Baixio das Bestas.
O filme se desloca do urbano tratado em Amarelo Manga para a Zona da Mata pernambucana, onde se vê um purgatório situado entre o inferno de concreto da urbis recifense e o paraíso selvagem dos sertões pernambucanos. Novamente, como no filme anterior de Assis, não há foco em um personagem específico, mas o desfile de caricaturas que irão tratar, cada um a seu modo, a tese do filme: sexo e violência em uma sociedade decadente de valores. A tese de Amarelo Manga se repete, a diferença está na geografia que, de uma forma ou outra, irá refletir como elemento singularizador do que já antes foi mostrado.
Das críticas que tenho lido, há sempre o entusiasmo pelo Brasil (ou Nordeste) real retratado sem cores artificiais pelo diretor. A crítica do Sudeste não tem economizado nos elogios à lente real da câmera, lente de carne não de vidro, lente de gente não digital. E confessei que esse mesmo elogio à carne foi que me entusiasmou à época de Amarelo Manga. O contexto era outro, e essa carne exposta hoje não traz tanto entusiasmo a mim, que não sou crítico, mas auditório.
Baixio das Bestas tem o seu valor. Fica fácil de perceber sua importância a partir da câmera segura, da fotografia excelente, e dos atores que demonstram desprendimento na entrega à tese defendida no filme.
O grande problema de Baixio, no entanto, reside na percepção de que é muito fácil chocar a crítica do Sudeste a partir da reprodução da violência que já estamos acostumados. E assim o filme se transforma em um simulacro do jornal cotidiano capaz de gerar o mesmo tipo de discussão que se tenciona a partir do filme. As saídas fáceis continuam na forma caricata dos agroboys, tratados a partir da leniência materna que pode ser interpretada como representação fácil do próprio Estado ausente; a metáfora fácil da fossa interminável, a fala fácil do personagem interpretado por Matheus Nachtergaele, que trata a metalinguagem de maneira fácil.
O filme ficou fácil ao tratar de um tema difícil. E só se choca com ele quem não mora na minha rua.