Luciana nunca atende o celular. Sempre nos momentos mais ordinários da vida, quando realmente precisamos de mais do que um eco no outro lado da linha, a chamada segue seu tom até o fim sem que me reste um “alô” por conforto. Luciana nunca atende o celular. O seu número gravado na memória digital do meu aparelho é um memorial à esperança de que um dia, quando o céu de agosto tocar o horizonte, Luciana consubstanciar-se-á em impulsos elétricos, em lembranças de cheiros, em um corpo que um dia confrontou o meu. Mas só esperança. Duvidam eles de mim: Luciana não existe. Como crianças amorais de um pré-escolar imaginário: Luciana não existe.
Existirá Luciana? Somos algo mais do que esses impulsos elétricos que enviamos para os nossos? Além desse número digital, há alguém que se conforta com sua pele, seus olhos, seu cabelo? Chego a duvidar de Luciana, e tomo por testemunha esse tom de chamada nunca atendida que me diz: Luciana nunca atende o celular.
E Luciana, que nunca atende o celular, vai migrando para a casta das figuras mitológicas, dos deuses esquecidos, das nossas senhoras da moda que passou. E lá do outro lado da cidade, mora uma menina chamada Luciana que por nunca atender o celular virou lenda.