Nós fechamos os olhos
e já são vinte postagens em 2008.
A vida segue inevitável como a marcha dos pinguins.
Paz para todos.
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Feliz Natal
O natal é meia banda de uma aspirina
para aliviar a enxaqueca crônica do mundo
tem as cores da coca-cola
e o gosto da neve que nunca vem.
Cristo não nasceu em dezembro
papai noel não existe e se existisse possivelmente estaria preso
acusado de pedofilia.
Mas só os sórdidos, os terrivelmente solitários
os loucos de todos os gêneros
e os intelectuais, imbecilmente intelectuais
ousam não sorrir mais leve
após tomar meia banda de aspirina
para aliviar a enxaqueca crônica do mundo
tem as cores da coca-cola
e o gosto da neve que nunca vem.
Cristo não nasceu em dezembro
papai noel não existe e se existisse possivelmente estaria preso
acusado de pedofilia.
Mas só os sórdidos, os terrivelmente solitários
os loucos de todos os gêneros
e os intelectuais, imbecilmente intelectuais
ousam não sorrir mais leve
após tomar meia banda de aspirina
terça-feira, dezembro 16, 2008
Deus há de me compensar
por esses dentes tortos
por causa das lentes na cara
por esse senso de norte
Deus há de me compensar
por causa da morte do gato
porque eu perdi o meu ônibus
pelas mãos que evitam o tesouro
Deus há de me compensar
porque eu choro e eu sonho
pelas horas em que um mudo espanto
transborda da minha face em silêncio
e eu sigo conformado com os pássaros
Deus há de me compensar
ainda que eu faça o diabo
ainda que o mundo arrebente
em tanto rebanho de gente e de medo
Deus há de me confortar
eu cobro com multa e com juros
o preço de não ser ateu
por esses dentes tortos
por causa das lentes na cara
por esse senso de norte
Deus há de me compensar
por causa da morte do gato
porque eu perdi o meu ônibus
pelas mãos que evitam o tesouro
Deus há de me compensar
porque eu choro e eu sonho
pelas horas em que um mudo espanto
transborda da minha face em silêncio
e eu sigo conformado com os pássaros
Deus há de me compensar
ainda que eu faça o diabo
ainda que o mundo arrebente
em tanto rebanho de gente e de medo
Deus há de me confortar
eu cobro com multa e com juros
o preço de não ser ateu
domingo, dezembro 14, 2008
Um homem chamado André sairá hoje de casa
Iniciei um blog novo. Isso não significa o fim da "Fúria do Mar". Mas, já há algum tempo, pretendia sistematizar minhas idéias em algo mais alinhavado. O conceito do "Fúria" é de fluxo de consciência mesmo. Posto o que me dá na telha. Não raras vezes o conteúdo do texto se mistura com minha vida pessoal, o que imprime o tom de diário que eu não gosto muito. O novo blog será mais pensado embora não será raridade haver uma coincidência de textos postados.
Se minha única leitora (foi mal aí, José Teles) quiser dar um passeio por ele, está lá no "Wordpress". O http assusta: www.umhomemchamadoandresairahojedecasa.wordpress.com´
É isso.
Se minha única leitora (foi mal aí, José Teles) quiser dar um passeio por ele, está lá no "Wordpress". O http assusta: www.umhomemchamadoandresairahojedecasa.wordpress.com´
É isso.
segunda-feira, dezembro 08, 2008
TREM
Se eu andasse sempre de trem, talvez mais feliz seria
pois nunca a volver, nunca a dar ré, é o modo da trilha
A paisagem sempre de uma vez, nunca repetida
pela imagem do retrovisor, invertida
Talvez mais feliz seria, se eu andasse de trem
Ao passo que o homem-automóvel, que vai de Lisboa à Sintra
terá sempre à disposição a marcha ré.
Verá o que perdeu de relance, por ser homem e possuir pouca fé
nos próprios olhos. Invertido no espelho do retrovisor, já não saberá
se veio de Lisboa ou se vai para Sintra
se seguia para vida ou prosseguia para o mar.
Mas o trem não se irmana a essas coisas. Não desperta o quiçá.
despreza o destino, os avisos de abalroamento
“Se eu casasse com a filha da lavadeira..” e, nesse momento, não estarás mais lá.
Atropela os acorrentados nos trilhos, mães, avós, pianos, segredos, a sala de estar.
Tudo de uma vez, como o vômito sincero da madrugada
Como a liberdade sagrada de uma coisa bruta e grega que não se apieda de ninguém
Eu quero ir como quem se lança a um soco
E o meu coração oco mais feliz seria, se eu andasse de trem
pois nunca a volver, nunca a dar ré, é o modo da trilha
A paisagem sempre de uma vez, nunca repetida
pela imagem do retrovisor, invertida
Talvez mais feliz seria, se eu andasse de trem
Ao passo que o homem-automóvel, que vai de Lisboa à Sintra
terá sempre à disposição a marcha ré.
Verá o que perdeu de relance, por ser homem e possuir pouca fé
nos próprios olhos. Invertido no espelho do retrovisor, já não saberá
se veio de Lisboa ou se vai para Sintra
se seguia para vida ou prosseguia para o mar.
Mas o trem não se irmana a essas coisas. Não desperta o quiçá.
despreza o destino, os avisos de abalroamento
“Se eu casasse com a filha da lavadeira..” e, nesse momento, não estarás mais lá.
Atropela os acorrentados nos trilhos, mães, avós, pianos, segredos, a sala de estar.
Tudo de uma vez, como o vômito sincero da madrugada
Como a liberdade sagrada de uma coisa bruta e grega que não se apieda de ninguém
Eu quero ir como quem se lança a um soco
E o meu coração oco mais feliz seria, se eu andasse de trem
domingo, dezembro 07, 2008
Explicação para as fotos abaixo
Eu ainda me deixo surpreender pela tecnologia. As fotos postadas logo abaixo foram tiradas pela câmera do meu celular e enviadas imediatamente para o meu blog, através de um link automático. Isso não deve ser novidade para ninguém (nem para Maria Eduarda), e usualmente o "Blog do Jamildo" utiliza a mesma tecnologia para gerar postagens em tempo real (com filmagem). Eu sou da geração um dia antes do virtual, deixo-me conquistar tanto pelo mistério insondável da flor que não se deixa colher, quanto pela descoberta tecnológica que faço, ainda que tardiamente.
PS - Para minha prima Renata que deixou de ser a menina do sorriso mais gostoso do mundo, para ser a mulher com o sorriso mais gostoso do mundo, junto a José.
PS - Para minha prima Renata que deixou de ser a menina do sorriso mais gostoso do mundo, para ser a mulher com o sorriso mais gostoso do mundo, junto a José.
sábado, dezembro 06, 2008
quarta-feira, outubro 29, 2008
No fim daquela estrada
havia uma igrejinha
cinco anjos barrocos
dois dedos de prosa
um quarto de cachaça
o tempo que ali resolveu parar
eu olhei para você
e com todas as dúvidas do homem
perguntei
"ora, vamos nos casar?"
e você a mais bela de todas
com os dedos de flores
as estrelas na fronte
o vestido de infinito
sussurou em meu ouvido
"deus me livre, me guarde"
e, depois, com o sorriso no rosto
espantou o meu gemido
"se é para alegria dos olhos
felicidade geral da inexatidão
fique tranquilo que eu caso "
e o Senhor me disse "amém"
sexta-feira, outubro 24, 2008
domingo, outubro 19, 2008
Ode à Shylock
Excelentíssimo Senhor da minha concentração
Marquês das roupas estiradas na cama, ou em qualquer lugar mínimo que lhe pareça aconchego
Duque da vista da minha varanda, cuidadosamente colocada por Deus, unicamente para o seu deleite
Sire do Mundo todo que presumimos por todo
Milord
permita-me dois dedos de meus poemas, para dizer-lhe o que não precisas ouvir
A tua cauda aponta para a via Láctea, os teus olhos apontam para o que tu queres
És o conquistador terrível das tuas vontades, a polícia desbravadora do que não sabes
O sorriso oculto em Da Vinci, que se equivocou ao pintar uma reles
Quando toda a explicação reside no sorriso que dás e que olhos comuns não percebem
Esticador hábil do próprio corpo, que faz dele a ponte entre o prazer e o deleite
Mestre das próprias unhas, elegantemente dispostas ao ato de apenas dizer-lhes:
“eu as tenho”
e calado mostrar quatro bainhas que, de tão nobres,
faz-te apenas expectar que as aceitem
Cavaleiro do próprio corpo, que não precisa de qualquer outro pra completar o trote
Ser completo em si mesmo, dono do próprio dote
eu quero cantar-te porque só sei de mim se contigo, porque não és meu amigo mas mi lorde
E eu que nada sou, nem poeta, nem gente e nunca serei nobre
curvo-me ao que não entendo: letras, ouro, corvo e sorte
curvo-me então aos teus olhos que reclamam a propriedade
do meu corpo, dos meus bens, de tudo que percebem e colhem
pois é este o ato maior de Deus: de ser senhor de tudo o que se pode
E ainda assim, nesta que é a maior de todas as posses, deitar diante de mim
E ofertar-me. O prazer de ser seu senhor e aplacar a minha sede
De não querer ser gente mas este
Mistério indecifrável que tem a mim e eu a ele.
Excelentíssimo Senhor da minha concentração
Marquês das roupas estiradas na cama, ou em qualquer lugar mínimo que lhe pareça aconchego
Duque da vista da minha varanda, cuidadosamente colocada por Deus, unicamente para o seu deleite
Sire do Mundo todo que presumimos por todo
Milord
permita-me dois dedos de meus poemas, para dizer-lhe o que não precisas ouvir
A tua cauda aponta para a via Láctea, os teus olhos apontam para o que tu queres
És o conquistador terrível das tuas vontades, a polícia desbravadora do que não sabes
O sorriso oculto em Da Vinci, que se equivocou ao pintar uma reles
Quando toda a explicação reside no sorriso que dás e que olhos comuns não percebem
Esticador hábil do próprio corpo, que faz dele a ponte entre o prazer e o deleite
Mestre das próprias unhas, elegantemente dispostas ao ato de apenas dizer-lhes:
“eu as tenho”
e calado mostrar quatro bainhas que, de tão nobres,
faz-te apenas expectar que as aceitem
Cavaleiro do próprio corpo, que não precisa de qualquer outro pra completar o trote
Ser completo em si mesmo, dono do próprio dote
eu quero cantar-te porque só sei de mim se contigo, porque não és meu amigo mas mi lorde
E eu que nada sou, nem poeta, nem gente e nunca serei nobre
curvo-me ao que não entendo: letras, ouro, corvo e sorte
curvo-me então aos teus olhos que reclamam a propriedade
do meu corpo, dos meus bens, de tudo que percebem e colhem
pois é este o ato maior de Deus: de ser senhor de tudo o que se pode
E ainda assim, nesta que é a maior de todas as posses, deitar diante de mim
E ofertar-me. O prazer de ser seu senhor e aplacar a minha sede
De não querer ser gente mas este
Mistério indecifrável que tem a mim e eu a ele.
Quantos mundos existirão entre um homem e seus gatos?
quanta assimetria, segredos, confissões
levaram esse que sou a amar
algo tão alheio, tão diverso e ao mesmo tempo próprio
tornar-me o animal de estimação dessa grande ausência
e deixar-me encoleirar por saudade tão diversa
Quantas cidades, quantas pessoas, quantas antlântidas submersas
existirão entre um homem e seus gatos?
Nesse espaço vazio que se assenhora de mim
fica a capacidade de amar o plural
rendido, inutilmente rendido, a um mundo sem animais
bestialmente humano, com essa dignidade reles e torpe
sem os olhos noturnos que contêm o que ainda há de sagrado:
eu me preparo para morrer sem lenda, sem metafísica
pois os homens são, sabem os bichos
os únicos seres que morrem e mais nada.
quanta assimetria, segredos, confissões
levaram esse que sou a amar
algo tão alheio, tão diverso e ao mesmo tempo próprio
tornar-me o animal de estimação dessa grande ausência
e deixar-me encoleirar por saudade tão diversa
Quantas cidades, quantas pessoas, quantas antlântidas submersas
existirão entre um homem e seus gatos?
Nesse espaço vazio que se assenhora de mim
fica a capacidade de amar o plural
rendido, inutilmente rendido, a um mundo sem animais
bestialmente humano, com essa dignidade reles e torpe
sem os olhos noturnos que contêm o que ainda há de sagrado:
eu me preparo para morrer sem lenda, sem metafísica
pois os homens são, sabem os bichos
os únicos seres que morrem e mais nada.
segunda-feira, outubro 06, 2008
quinta-feira, outubro 02, 2008
Da série: eu preciso postar no meu blog antes que o Blogger o extinga
Eu não aguento o cheiro da política. PT com Severino Cavalcanti. Democratas levantando a bandeira da ética. Kátia Teles prometendo congelar o preço dos bens em 'recife'. Vereadores prometendo agir como executivo federal. Só tem doido. Exílio na França, já. Aliás na França não, que lá as coisas andam pretas. Quero ir para Transilvânia. Pelo menos os vampiros de lá só sugam o sangue.
Das músicas da década de 90
Duas décadas fazem parte do meu imaginário musical:
A década de 80 foi a descoberta da música pop. A tentativa de ouvir o que os adultos ouviam: A-HA, U2, Pet Shop Boys, Joy Division, Depeche Mode, Madonna, Titãs, Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus, White Snake, Kraftwerk. As fitas eram gravadas diratamente das rádios através de um som "Magnavox". Interessante ver meninos e meninas ouvindo bandas de hoje que seguem uma linha melódica minimalista e "menor", baseada, em parte, na década de 80.
A década de 90 foi minha adolescência e o início da maturidade. O fim do colégio e o início (a0 fim) da Universidade. Acho que ainda não assentou a poeira do tempo passado para eu racionalizar sobre o som dos 90´s.
Mas algumas frases musicais são lindas e me fazem sentir mais jovem quando as ouço:
"There are many things that I like to say to you, but I don´t know how"
"You know I´m such a fool for you"
(...)
A década de 80 foi a descoberta da música pop. A tentativa de ouvir o que os adultos ouviam: A-HA, U2, Pet Shop Boys, Joy Division, Depeche Mode, Madonna, Titãs, Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus, White Snake, Kraftwerk. As fitas eram gravadas diratamente das rádios através de um som "Magnavox". Interessante ver meninos e meninas ouvindo bandas de hoje que seguem uma linha melódica minimalista e "menor", baseada, em parte, na década de 80.
A década de 90 foi minha adolescência e o início da maturidade. O fim do colégio e o início (a0 fim) da Universidade. Acho que ainda não assentou a poeira do tempo passado para eu racionalizar sobre o som dos 90´s.
Mas algumas frases musicais são lindas e me fazem sentir mais jovem quando as ouço:
"There are many things that I like to say to you, but I don´t know how"
"You know I´m such a fool for you"
(...)
sábado, agosto 02, 2008
Voltando: João do Morro
Há algum tempo queria voltar. Estava ocupado com coisas terrenas, e os bens da lavoura celeste cresceram desmesuradamente no meu esquecimento.
Enfim...à crônica
Free, João do Morro, Free.
João do Morro de hoje é um sambista na última acepção da palavra. Nasceu no morro. Convive com a mesma situação que, nos fins do século XIX, promoveu a inclusão na classe média do ritmo africano que se irmanava com a modinha. Deu-se ao ritmo o nome de samba, (samba do morro de ontem). Foi gravado nas Casas Edison, a primeira gravadora do Brasil.
O disco de João do Morro de hoje foi gravado a custos baixos, traz a linguagem da periferia recifense e caiu nas graças da classe média "moderna".
O samba do morro de ontem, quando surgiu, era uma picardia só; chegou denunciando a desmoralização da polícia do Rio de Janeiro incapaz de conter a jogatina no Largo da Carioca: "O chefe da polícia, pelo telefone, manda me avisar/ que na Carioca há uma roleta para se ganhar".
João do Morro de hoje insiste na primeira linha do samba, tantas vezes reafirmada por Noel Rosa, de noticiar o que o subúrbio lhe traz como ambiente. Noticiar, eu insisto. João do Morro é um cronista que interpreta o que lhe rodeia.
O samba do morro de ontem fazia a crônica das relações amorosas e sociais, despreocupado com o "dever ser"; como João da Baiana, que noticiava os intercursos sociais no começo do século XX "Então não bula na cumbuca, não me espante o rato/Se o branco tem ciúme, que dirá o mulato/Eu fui na cozinha pra ver uma cebola/E o branco com ciúme de uma tal crioula/Deixei a cebola a cebola, peguei na batata/E o branco com ciúme de uma tal mulata"
João do Morro de hoje é cronista de um modo natural, sem intelectualismos, sem direções ideológicas. Reinterpreta os temas que gravitam ao redor dele de maneira jocosa, reafirmando a vocação do brasileiro para a picardia, como já havia notado Gilberto Freyre. Observou uma relação patrocinada entre um homoafetivo e um rapaz que se aproveita de tal situação e transformou em samba.
O samba do morro de ontem também transformava em samba relações patrocinadas escandalosas, onde o sexo considerado "mais frágil" se dispunha a custear uma relação, transformando o amor em caso de polícia: "Quando a polícia vier e souber/ quem paga casa pra homem é mulher" (novamente João da Baiana, gravado por Clementina de Jesus).
A música de João do Morro de hoje tem acentos preconceituosos, sem dúvida. Mas João do Morro não é preconceituoso. É só ouvir a música "Camarote Girl" em que ele se declara um "simpatizante" da luta homoafetiva. João do Morro não disse qualquer mentira, noticiou um caso que poderia acontecer em qualquer tipo de relação. O viés envernizado da relação foi o mote para a música jocosa.
Outras músicas do morro de ontem também possuem acentos preconceituosos; "Teu cabelo não nega, mulata" dos Irmãos Valença, modificada por Lamartine Babo é um exemplo inegável de um preconceito que perdeu o sentido com o tempo. Afinal, todos cantamos "mas como a cor não pega, mulata/mulata eu quero teu amor", sem notarmos a pecha preconceituosa da letra. "Teu cabelo não nega, mulata" é uma das músicas mais executadas nos carnavais de hoje.
Chegará o dia em que não haverá qualquer viés jocoso em qualquer tipo de relação entre homens e mulheres. Mas este dia não será abreviado através de censuras disfarçadas de coisas-dignas.
Proibir uma música, interpretando-a de uma maneira descontextualizada é reiterar a censura de ontem com novas bases de legitimação para o hoje. Há um perigo ínsito nessa atitude muito maior do que deixar a execução do samba se perpetuar enquanto se aguarda o dia em que "frango" será um termo histórico sem qualquer sentido para nós homens iguais e diferentes. Quem tenta proibir a música de João do Morro não entende do samba de ontem, nem do morro de hoje.
Enfim...à crônica
Free, João do Morro, Free.
João do Morro de hoje é um sambista na última acepção da palavra. Nasceu no morro. Convive com a mesma situação que, nos fins do século XIX, promoveu a inclusão na classe média do ritmo africano que se irmanava com a modinha. Deu-se ao ritmo o nome de samba, (samba do morro de ontem). Foi gravado nas Casas Edison, a primeira gravadora do Brasil.
O disco de João do Morro de hoje foi gravado a custos baixos, traz a linguagem da periferia recifense e caiu nas graças da classe média "moderna".
O samba do morro de ontem, quando surgiu, era uma picardia só; chegou denunciando a desmoralização da polícia do Rio de Janeiro incapaz de conter a jogatina no Largo da Carioca: "O chefe da polícia, pelo telefone, manda me avisar/ que na Carioca há uma roleta para se ganhar".
João do Morro de hoje insiste na primeira linha do samba, tantas vezes reafirmada por Noel Rosa, de noticiar o que o subúrbio lhe traz como ambiente. Noticiar, eu insisto. João do Morro é um cronista que interpreta o que lhe rodeia.
O samba do morro de ontem fazia a crônica das relações amorosas e sociais, despreocupado com o "dever ser"; como João da Baiana, que noticiava os intercursos sociais no começo do século XX "Então não bula na cumbuca, não me espante o rato/Se o branco tem ciúme, que dirá o mulato/Eu fui na cozinha pra ver uma cebola/E o branco com ciúme de uma tal crioula/Deixei a cebola a cebola, peguei na batata/E o branco com ciúme de uma tal mulata"
João do Morro de hoje é cronista de um modo natural, sem intelectualismos, sem direções ideológicas. Reinterpreta os temas que gravitam ao redor dele de maneira jocosa, reafirmando a vocação do brasileiro para a picardia, como já havia notado Gilberto Freyre. Observou uma relação patrocinada entre um homoafetivo e um rapaz que se aproveita de tal situação e transformou em samba.
O samba do morro de ontem também transformava em samba relações patrocinadas escandalosas, onde o sexo considerado "mais frágil" se dispunha a custear uma relação, transformando o amor em caso de polícia: "Quando a polícia vier e souber/ quem paga casa pra homem é mulher" (novamente João da Baiana, gravado por Clementina de Jesus).
A música de João do Morro de hoje tem acentos preconceituosos, sem dúvida. Mas João do Morro não é preconceituoso. É só ouvir a música "Camarote Girl" em que ele se declara um "simpatizante" da luta homoafetiva. João do Morro não disse qualquer mentira, noticiou um caso que poderia acontecer em qualquer tipo de relação. O viés envernizado da relação foi o mote para a música jocosa.
Outras músicas do morro de ontem também possuem acentos preconceituosos; "Teu cabelo não nega, mulata" dos Irmãos Valença, modificada por Lamartine Babo é um exemplo inegável de um preconceito que perdeu o sentido com o tempo. Afinal, todos cantamos "mas como a cor não pega, mulata/mulata eu quero teu amor", sem notarmos a pecha preconceituosa da letra. "Teu cabelo não nega, mulata" é uma das músicas mais executadas nos carnavais de hoje.
Chegará o dia em que não haverá qualquer viés jocoso em qualquer tipo de relação entre homens e mulheres. Mas este dia não será abreviado através de censuras disfarçadas de coisas-dignas.
Proibir uma música, interpretando-a de uma maneira descontextualizada é reiterar a censura de ontem com novas bases de legitimação para o hoje. Há um perigo ínsito nessa atitude muito maior do que deixar a execução do samba se perpetuar enquanto se aguarda o dia em que "frango" será um termo histórico sem qualquer sentido para nós homens iguais e diferentes. Quem tenta proibir a música de João do Morro não entende do samba de ontem, nem do morro de hoje.
domingo, fevereiro 24, 2008
Pobre Blog
Largado meio de lado, por causa de Maria, o Blog adentra a escuridão das coisas secundárias, sem qualquer alimento, bom ou ruim, que lhe dê o contínuo da vida. O Blog silencia como uma noite sonhada por uma árvore; cala como o eunuco das lavouras femininas, cala com o corpo.
Mas artimanhas são planejadas contra o Criador, e o Blog logo se tornará ateu de mim. Erigirá a minha não-existência ao plantel dos Deuses-Mortos e culturá o fato de que tudo tem um fim.
Por ora, eu ainda sou quem cospe por aqui.
(poema inacabado, 2003)
Na mesma terra árida, como eu faço todos os dias
abro a janela da minha casa e é sempre o mesmo céu que nos vigia
ao homem que passa (como a mim mesma) direi "bom dia"
o mesmo homem que sempre passa, na mesma circusntância
na mesa apatia
O dia é isso que me construo: a nata do leite que nunca tiro
O livro que leio, o mesmo livro
A memória que lembro: e é sempre a outra
Mas artimanhas são planejadas contra o Criador, e o Blog logo se tornará ateu de mim. Erigirá a minha não-existência ao plantel dos Deuses-Mortos e culturá o fato de que tudo tem um fim.
Por ora, eu ainda sou quem cospe por aqui.
(poema inacabado, 2003)
Na mesma terra árida, como eu faço todos os dias
abro a janela da minha casa e é sempre o mesmo céu que nos vigia
ao homem que passa (como a mim mesma) direi "bom dia"
o mesmo homem que sempre passa, na mesma circusntância
na mesa apatia
O dia é isso que me construo: a nata do leite que nunca tiro
O livro que leio, o mesmo livro
A memória que lembro: e é sempre a outra
sábado, janeiro 12, 2008
Frevo para Chico n° 1
Eu faço frevo e amor até mais tarde
E a cidade amanhece ao meu redor
Eu fecho os olhos sob o som dos automóveis
Eu vou sonhando com meu bloco vencedor
Se o meu bloco sai
Se o meu bloco é rei
Se dele em mim eu sei
Se a noite passa com a moça a me encantar
Eu faço frevo e amor como quem ousa sonhar
Eu faço frevo e amor até mais tarde
Ouvindo o Galo a tecer outra manhã
É fevereiro no corpo de quem me acolhe
E a noite escorre como uma febre terçã
Se o meu amor me dói
Se o meu amor é lei
Se dele em mim eu sei
Se a noite passa com a moça a me encantar
Eu faço frevo e amor como quem ousa frevar
Eu faço frevo e amor até mais tarde
E a cidade amanhece ao meu redor
Eu fecho os olhos sob o som dos automóveis
Eu vou sonhando com meu bloco vencedor
Se o meu bloco sai
Se o meu bloco é rei
Se dele em mim eu sei
Se a noite passa com a moça a me encantar
Eu faço frevo e amor como quem ousa sonhar
Eu faço frevo e amor até mais tarde
Ouvindo o Galo a tecer outra manhã
É fevereiro no corpo de quem me acolhe
E a noite escorre como uma febre terçã
Se o meu amor me dói
Se o meu amor é lei
Se dele em mim eu sei
Se a noite passa com a moça a me encantar
Eu faço frevo e amor como quem ousa frevar
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