domingo, julho 17, 2011
Carta ao meu pai
Querido pai, ontem fui à casa onde você nasceu, no Bairro de São José. Um gosto antigo de saudade tomou conta do meu presente. O velho casarão continua lá, caiado de verde, mas gasto pelo descaso cinza dos homens. Aliás, como os políticos têm descuidado das coisas que você amava. A arquitetura da cidade, testemunha do nascimento de tantos grandes homens, é um emaranhado de fios, abandono e ruínas. O trânsito continua um caos, mais carros nas ruas, menos pedestres nas avenidas e a vida vai passando fosca pelo vidro do carro, sempre fechado que a criminalidade não está brincadeira. Tudo no mundo anda financiado, pai: carro, moto, nascimento, casamento e até divórcio. Tenho medo do endividamento do povo. Você que tanto ensinava que comprar à vista é a chave para a paz no travesseiro. Mas parece que o motor da felicidade da nossa gente é a televisão de LCD iluminando a sala, como uma árvore de um natal infinito que se renova dia após dia. Você sempre achou isso curioso, e sabia, como ninguém, que todas as teorias econômicas ficam pequenas diante da alegria do povo, ainda que embalada no papel brilhante do crediário. A corrupção, por sua vez, meu pai, anda grande. Tanto dinheiro público gasto em quilômetros infindos de estradas que eu chego a suspeitar que estão fazendo um viaduto para chegarem por aí no céu (porque, pela porta da frente, “eles” não vão entrar). Você, que sempre lutou contra a malversação do alheio, espumaria de raiva, se a ira não fosse um grande pecado aí no paraíso celeste. Quanto a isso, não se preocupe, a gente vai se irando aqui por baixo e qualquer dia desses, tenho fé, os julgamentos deixarão de absolver os maus políticos e será permitido ao povo o uso do ovo podre e do bagaço da laranja como instrumentos da democracia participativa. Maria Eduarda perguntou a mim como é virar estrelinha no céu. Eu fiquei mudo, sem resposta, pensando que você já era uma grande estrela aqui na terra e que a gente ficou no escuro imenso sem sua luz. Meu time perdeu, pai, pode rir daí de cima. Esse riso de criança, provocador, jocoso, vai matar como pouca coisa a imensa saudade no meu peito. Por aqui a gente vai levando, vai poupando e investindo esse pouquinho da gente que sobra no final do mês.
O rádio está ligado, mas eu só ouço o eco do meu coração.