Que se por um lado, a felicitação de estar nos Brasis, por outro, a dor de estar longe da Bahia. Mas as terras de Pernambuco iam de ser iguais, diziam. Risonha ao cetim e amarga à crítica. Gregório chegou onde o Beberibe e o Capibaribe se juntam para formar o Oceano Atlântico. E o povo já conhecia a fama que lhe valeu a alcunha. Por isso, o olhar de soslaio. As damas não olhavam nos seus olhos, por certo advertidas pela sociedade, do pecado que estariam consubstanciando a partir da cruzadela de olhares.
As putas tampouco lhe davam às vezes, advertidas por certo da enorme plausibilidade de serem transformadas em personagem de poemas escandalosos. De mais a mais, o Governo da Província era de tal modo corrupto, que a Metrópole estava a quinhentos mares de distância, como se o abismo geográfico fosse relativo para cada Governo de Capitania.
Mas o que fazer, se pela língua ferina havia sido degredado? E por não escrever, sentiu-se tão estrangeiro, que percebeu o que era claro diante de cada passo dado em falso: o degredo estava em não sibilar através da pena. Que não existe outra pátria para o homem senão o homem que se é e se compraz em o ser. E farto daquela merda toda, inaugurou a cidade de Recife:
Por entre o Beberibe, e o Oceano
Em uma areia sáfia, e lagadiça
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o Belga edificou ímpio tirano.
O Povo é pouco, e muito pouco urbano,
Que vive à mercê de uma linguiça,
Unha de velha insípida enfermiça,
E camarões de charco em todo o ano.
As Damas cortesãs, e por rasgadas
Olhas podridas, são, e pestilências,
Elas com purgações, nunca purgadas.
Que estava farto daquela cidade. Aumentaram a passagem do ônibus e decerto alguém ganharia com aquilo. Havia sido reprovado no vestibular. Era socialista. Anarquista. Ista, ista, ista. Qualquer coisa assim. As mulheres eram todas putas ( e dele dir-se-ia machista), o país não ia para canto algum (e dele dir-se-ia pessimista), minha mãe vai me matar (e dele dir-se-ia fatalista).
Foi quando descobriu uma revolta na Conde da Boa Vista. Revolta popular como acontecia nos livros de história. Contra o aumento da passagem de ônibus. Rumou para lá, e deixou-se pequeno na multidão que crescia. Um brado que crescia em si, contra o aumento, contra as putas, contra alguém que ganhava, contra o vestibular. O ônibus azul era tudo isso. E um ímpeto ancestral que vinha não se sabe da onde, talvez de mil e seiscentos, transformou a mão em pedra, a pedra em arma, o ônibus em alvo. Purgações nunca purgadas. O soco do policial foi na cabeça, e a língua sibilou contra a farda: - Enfia esse cacetete no cu, polícia filha duma puta.
A turba se evadia.
O policial ficou sem reação, pelas palavras gritadas escandalosas e inesquecíveis como se tivessem saído do inferno.