Cê
Expectativa de ouvir o Cê de Caetano. Confesso que havia lido algumas coisas antes da audição, o que só aumentava minha expectativa de adentrar em um universo de contestação, que é próprio de Caetano Veloso, e que venho acompanhando com uma certa delícia, desde quando ouvi - pela primeira vez, e tardiamente - o primeiro disco contemporâneo à aquisição, Circuladô (1992).
Caetano foi o responsável pela minha frustração de querer ser músico. Por isso, sempre haverá em mim uma simpatia por ele, o que me impede de escrever algo sobre o novo disco de forma imparcial. Acredito, todavia, que ninguém é imparcial quando fala de Caetano. Ninguém é imune a ele, para o bem ou para o mal.
E falo "mal" porque longe de ser uma unanimidade, como sói ocorrer com Chico Buarque (seu ser antagônico no imaginário do público brasileiro), Caetano é um dos compositores (e, sim, direi pensadores da cultura brasilera) que mais tem recebido tapas na cara dada à tapas. A geração imediatamente posterior à minha tem em Caetano um inimigo do novo, da cultura produzida no Brasil após o ocaso do que se chamava de "MPB". Por isso, Caetano é hoje o mais indie dos indies do Brasil . Ele é independente dos modismos que assolam a música, porque muito do que ele fizer será odiado pelo nicho consumidor do pop que ele mesmo ajudou a trazer para a cultura do país.
E é pelo fato de Caetano ser um índio-indie (perca o texto, mas não perca a piada) e assim ser taxado pelo próprio David Byrne que o Cê se torna um objeto delicioso para uma análise de blog.
Caetano se juntou com três meninos. A primeira impressão que se tem do disco é que não houve nenhuma reformulação no jeito de compor ou na estrutura linguística que é usual nas suas composições ("totais", "fatais" - utilizadas com ênfase em Rocks, típicas aliterações como o"Ganesh na coxa" na mesma música ou em "Um Sonho", o tema da absorção do negro da sociedade que foi um dos móveis de "Noites do Norte" disco autoral anterior), mas uma embalagem (não quero usar esse termo...) "antenada" com a música produzida no final da década de 80 pelas bandas que preparam o contexto do movimento independente que assola, atualmente, a cultura de massas. Assim, ecos do REM (principalmente do "New Adventures in Hi-Fi), do Pixies emolduram músicas bastante caetanas, que logo serão reconhecidas por aqueles que militam na obra do agora "Senhorito Veloso".
A segunda impressão tem ligação com o adjetivo lançado na última frase. Caetano repete um padrão que eu já havia observado em "Bicho Solto" do Djavan. Solteiro, pós-Paulinha, Caetano parece buscar o prazer do sexo pelo sexo, do amor adolescente-solar, sem coração e com muita mucosa. Esse "estado de coisas" teria levado à escolha do rock cru e bruto como moldura das suas canções? Ou houve uma escolha racional desse tema a partir da eleição do rock como moldura ainda vazia? Sem respostas para o paradoxo Tostines.
A terceira impressão tem ligações com o roxo da capa, cor que o próprio Caetano havia utilizado para a capa de "Uns". O roxo é ligado tradicionalmente à masculinidade e ao prazer, ou à metáfora da cor da pele mais escura. Tenho em mim que Caetano usou o roxo por ambas significações. As letras das músicas de "Deusa Urbana" e "Outro" sopram nos meus ouvidos essas impressões.
Assim, temos a tríade que Caetano nos imprime: rock-sexo-roxo. Um projeto na contra-mão das expectativas que não deveria nos surpreender vindo de Caetano Veloso, homem-velho-novo-homem que sempre se utilizou do inesperado para se lançar no mundo. Sempre esperamos o inesperado de Caetano Veloso; e isso basta para que ouçamos com atenção a Cê e reconheçamos Caetano quando ele passar por nós.