A princesa que já não dormia,
por, quem sabe, esperar o fim do século
aguardava o homem Ulisses que lhe havia,
prometido ser-lhe contraparte do espéculo
A princesa enquanto paciente aguardava
bordou um imenso tapete de tramas
onde o Mundo era outro e estava
imune a tristezas, feridas e chamas
Bordada em cores, estampava a alegoria
da eterna felicidade da princesa
que perdida entre unicórnio, leão e utopia
mantinha a alegria da esperança acesa
E no tapete só reinava a princesa
que escoltada em ouro pelas suas damas
dançava eterna e infinita com alma tesa
bordada por si mesma nas entrelinhas das tramas
A princesa de fora admirava a princesa de dentro
por reconhecer que do tapete para si, duas havia
uma, bordada por Deus, era carne, dor e vento
a outra, fruto de si, era somente alegria
E eis que, absorvida na sua imagem bordada
surpreendeu-se a princesa com um chamado distante
Ulisses, o homem-deus que ela tanto esperava
apareceu perante seus olhos, em um rompante
E lhe arrebatou e lhe levou para casa
deu-lhe jóias, máquinas e cotidiano
cristais de murano, bichos fantásticos, carros com asas
deu-lhe todos os seus dias do ano
E em uma noite de núpcias e de paz
no instante em que Ulisses dormia
a princesa sorrateiramente por trás
estripou o dormente enquanto sorria
Encarcerada a princesa, questionaram-lhe o ato
“porque, de maneira tão horrenda, rasgaste a lei?”
e ela respondeu tranqüila sobre o ocorrido fato
“porque eu nunca fui feliz como no tapete que bordei”