Querida mamãe,
Ontem fui ao grande protesto na nossa cidade natal. A princípio não iria, mas testemunhar a vida enquanto ela acontece ao seu lado é sempre mais interessante do que ficar na frente da televisão acompanhando a vida a partir dos olhos alheios, tantas vezes cegados pela necessidade de cantar mais alto, como o Assum Preto.
Vi de tudo, mamãe;
Vi gente pedindo melhoria geral.
Vi gente gritando contra a corrupção (e haveria que gritasse a favor?).
Vi gente pedindo tolerância.
Vi gente saudosa de uma época em que os direitos eram encarcerados nos porões do Brasil.
Vi beijo na boca.
Vi homens sofrendo porque traziam suas bandeiras.
Eu fiquei ali parado no meio do corredor sem saber se ia ou se voltava. Se era carnaval ou se era esplendor.
Ouvi dizer que era tentativa de golpe;
Ouvi falar que era espontâneo;
Eu não sei o que era, mas aconteceu.
Agora eu fico de sobressalto, esperando um Messias, mamãe. E o Messias não chega. Fico com medo desse repúdio ao político, aos partidos, dessa gente que quer invadir o Congresso.
Eu fico revivendo as cançoes de ninar os monstros, que a senhora cantava. E nos dizia assim: vigiai, filhinhos, vigiai.
Deus queira mamãe que seja apenas um medo infundado do monstro da lagoa;
Deus queira que nosso povo perceba que o tempo das 'tenebrosas transações' já passou.
Por via das dúvidas, mamãe, vou dormir com um dos olhos aberto.
Afinal de contas, hoje o inverno começou.
Um beijo do seu filho,
André
(texto produzido para o Facebook)