Não gosto de papéis em branco
Gosto de folhas amareladas, com pontas viradas para o ar
Gosto de anotações de entrelinhas
Corações rabiscados com nomes alheios
Na esperança de que o desenho simbolize o porvir
Gosto de tentar ler linhas apagadas pela borracha do tempo
De cheiro de perfume ou de guarda-roupa a sobrar pelas bordas
Papéis em branco ficam melhor em branco mesmo:
O futuro chega em carta colorida postada pelo passado
e que o presente jamais consegue abrir.
Um feliz ano novo, ou feliz tempo mesmo
segunda-feira, dezembro 30, 2013
TERATOLOGIA
Em vão tento alcançar a estrela que habita a teia infinita
da nau
Meus dedos segredando esperança vão perdendo sua humanidade
Que – curiosamente – damos o nome de Cidade.
A Cidade me devora com torpor, lentidão e agonia
Irmanado a outros cimentados no tormento
Que gritam: andemos!
Andemos! À estrela da nau!
E o ventre do monstro se chama engarrafamento.
É dia, é noite e nada acontece. Passam-se as eras todas dos
homens.
Rumamos todos apenas para o próximo passo
Em vão sonhamos com o nosso destino.
Pois a Cidade come meus sonhos e regurgita cansaço
Aos poucos vou me esquecendo de quem eu sou
Sou poeira, sou fúria, sou nada, sou imóvel
No engenho teratológico da Cidade perco o meu nome
E paralisado dentro de mim, passo a me chamar automóvel
sexta-feira, dezembro 27, 2013
Enfim...
Durante vários anos, conforme pode ser atestado pela leitura dos textos desse blog, eu acalantei um projeto de um disco (ora um LP ora um EP) com minhas músicas. Praticamente desde de 2005 eu venho escrevendo letras de músicas e anunciando o formato desse trabalho messiânico.
Por fim, ao chegarmos em 2013 e no alvorecer de 2014 (quase dez anos de idas, vindas e sonhos) eis que acontece a concretude da promessa. Estamos finalizando a gravação do trabalho intitulado "No Morro da Minha Cabeça".
Quem quiser ouvir uma prévia, é só acessar o link abaixo:
https://soundcloud.com/mussalem09
E é isso: sonoris quae sera tamen, sonoridade ainda que tardia.
Por fim, ao chegarmos em 2013 e no alvorecer de 2014 (quase dez anos de idas, vindas e sonhos) eis que acontece a concretude da promessa. Estamos finalizando a gravação do trabalho intitulado "No Morro da Minha Cabeça".
Quem quiser ouvir uma prévia, é só acessar o link abaixo:
https://soundcloud.com/mussalem09
E é isso: sonoris quae sera tamen, sonoridade ainda que tardia.
Por que o Facebook?
Quando iniciei este blog, em 2004, não existiam as redes sociais.
Achei que seria uma boa idéia publicar os textos que, ora havia guardado há tempos, ora produzia naquele mesmo momento, no imediato fantástico que só uma revolução como a internet pode ofertar.
Por anos a fio, motivei-me a escrever e, de certa forma, divulgar poemas, impressões, crônicas, contos, experimentos textuais e até um pouco da minha personalidade. Visivelmente, posso perceber a linha de som e fúria e calmaria que se abateu sobre dez anos da minha vida, traduzindo de forma muito especial a memória de mim. Fui visitado por poucas pessoas, mas todas elas significativas, que travaram debate comigo e me conheceram para além do advogado e professor de graduação. Os blogs anteciparam as redes sociais que viriam logo em seguida.
No início era o orkut, contemporâneo das primeiras postagens desse blog. Depois vieram o Instagram, o Twitter, e o Facebook, não necessariamente nessa ordem (ou caos). Resisti até onde pude o ato de ingresso em redes sociais, ciente das armadilhas quotidianamente lançadas ao incauto que resolve abrir seu guarda-roupas à curiosidade alheia. Mas não existe imunidade à máquina do mundo. Podemos ser-lhe indiferentes, jamais imunes. Resignado, lancei-me ao engenho da conexão e descobri suas maravilhas e mazelas. Descobri antigos amigos, reencontrei velhos conhecidos. Convivi com o cotidiano daqueles que me eram privados pela própria e diária existência. Adentrei em pensamentos pequenos, mesquinhos, medíocres. Lutei furiosamente contra a tirania do comum, da exclusão, do reacionarismo, da caretice. Cometi minhas próprias gafes. E, por fim, retirei-me silente ao confortável espaço do observatório dos outros, mais ouvindo que falando, porque - como dizia o povo antigo - silêncio é ouro.
Paralelamente, enquanto textos eram produzidos nas redes sociais, esse blog, tal qual uma boneca com olhos de retrós, outrora preferida, hoje largada em detrimento do brinquedo novo, padecia de uma patologia que o assemelhava a um cemitério de si: o esquecimento. Minguaram os textos. Os visitadores. A memória.
Não há espaço para a memória no Facebook. Os textos produzidos são rapidamente retirados para dar espaço a novas idéias, como se o novo fosse completamente desconectado do antigo. Como se nos antiquários não nos reconhecêssemos nos objetos de outrora.
Volto aqui por amor a minha memória. Porque é aqui que vão me conhecer aqueles que sobreviverem a mim. Aqui, meus filhos conhecerão melhor seu pai, quando seu pai não mais existir.
Eu durmo em paz na fúria do mar.
Achei que seria uma boa idéia publicar os textos que, ora havia guardado há tempos, ora produzia naquele mesmo momento, no imediato fantástico que só uma revolução como a internet pode ofertar.
Por anos a fio, motivei-me a escrever e, de certa forma, divulgar poemas, impressões, crônicas, contos, experimentos textuais e até um pouco da minha personalidade. Visivelmente, posso perceber a linha de som e fúria e calmaria que se abateu sobre dez anos da minha vida, traduzindo de forma muito especial a memória de mim. Fui visitado por poucas pessoas, mas todas elas significativas, que travaram debate comigo e me conheceram para além do advogado e professor de graduação. Os blogs anteciparam as redes sociais que viriam logo em seguida.
No início era o orkut, contemporâneo das primeiras postagens desse blog. Depois vieram o Instagram, o Twitter, e o Facebook, não necessariamente nessa ordem (ou caos). Resisti até onde pude o ato de ingresso em redes sociais, ciente das armadilhas quotidianamente lançadas ao incauto que resolve abrir seu guarda-roupas à curiosidade alheia. Mas não existe imunidade à máquina do mundo. Podemos ser-lhe indiferentes, jamais imunes. Resignado, lancei-me ao engenho da conexão e descobri suas maravilhas e mazelas. Descobri antigos amigos, reencontrei velhos conhecidos. Convivi com o cotidiano daqueles que me eram privados pela própria e diária existência. Adentrei em pensamentos pequenos, mesquinhos, medíocres. Lutei furiosamente contra a tirania do comum, da exclusão, do reacionarismo, da caretice. Cometi minhas próprias gafes. E, por fim, retirei-me silente ao confortável espaço do observatório dos outros, mais ouvindo que falando, porque - como dizia o povo antigo - silêncio é ouro.
Paralelamente, enquanto textos eram produzidos nas redes sociais, esse blog, tal qual uma boneca com olhos de retrós, outrora preferida, hoje largada em detrimento do brinquedo novo, padecia de uma patologia que o assemelhava a um cemitério de si: o esquecimento. Minguaram os textos. Os visitadores. A memória.
Não há espaço para a memória no Facebook. Os textos produzidos são rapidamente retirados para dar espaço a novas idéias, como se o novo fosse completamente desconectado do antigo. Como se nos antiquários não nos reconhecêssemos nos objetos de outrora.
Volto aqui por amor a minha memória. Porque é aqui que vão me conhecer aqueles que sobreviverem a mim. Aqui, meus filhos conhecerão melhor seu pai, quando seu pai não mais existir.
Eu durmo em paz na fúria do mar.
Obra Aberta
(Texto produzido no Facebook, por ocasião do natalício da sala/biblioteca Josué Mussalem)
Hoje, faz um ano, que a sala/biblioteca Josué Mussalem foi inaugurada no Forte do Brum. Todo o seu acervo sobre 2a Guerra Mundial foi doado, juntamente com outras mídias, para que sua coleção pudesse servir à busca pelo conhecimento.
Abaixo, meu discurso na inauguração da sala.
Porquanto da minha relação com meu pai, Josué Mussalem, uma dúvida sempre me acometeu. Por tanto amor que ele devotou às Forças Armadas brasileiras, à história da guerra do homem contra o próprio homem, porque não seguiu carreira militar? Por que ele não serviu, como se diz no jargão mais popular?
Tendo eu feito a ele essa pergunta algumas vezes ao longo de nossa trajetória comum, a resposta nunca foi pacífica, harmoniosa: por vezes me disse que havia sido preterido no excesso de contingente; outras vezes, disse que não havia seguido carreira militar porque a família precisava da sua constância.
Mas eu quero acreditar hoje que os grandes homens são capazes de enxergar adiante e desfazer as cortinas do tempo e tenho para mim que meu pai sabia que iria servir às Forças Armadas e ao seu país de uma forma diferente.
Guimarães Rosa, no seu famoso discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, disse que as pessoas não morrem, ficam encantadas.
A resposta do meu pai à minha pergunta se desvela, portanto, nesse belo fato que se descortina perante vocês: Josué Mussalem se encantou em Biblioteca. Essa foi sua forma de servir ao seu povo e às instituições que ele tanto amou, para além do seu próprio tempo; para além de sua vida terrena.
Então eu os convido, em meu nome, em nome da minha família, em nome da 7ª Região Militar e da 7ª Divisão do Exército, a encontrar com meu pai no acervo doado e transformado em Biblioteca.
Se vocês tiverem a oportunidade de ler cada livro depositado aqui, encontrarão com meu pai, atravessando oceanos com os soldados brasileiros que lutaram em Monte Castello. Encontrarão meu pai sangrando junto aos jovens expedicionários FEB na contenção do exército alemão. Comemorarão, junto com meu pai, o sabor da vitória das Forças Aliadas e da democracia que se espalhou pelo mundo desde então.
Cada página consultada será um sorriso dado pelo meu pai que atravessará as barreiras do tempo, do espaço e da matéria, pois existem diversas formas de se perpetuar para além da mortalidade e se transformar e cultura, em conhecimento, certamente é uma delas.
Essa é uma missão de mão dupla, porque, para que uma Biblioteca alcance o seu destino, é necessário que existam interessados em conhecer o nosso passado e construir o nosso futuro. Por isso, venham, ajudem a cumprir a missão que foi depositada em Josué Mussalem, pois nesse lugar histórico, neste Forte do Brum, que tanto diz sobre nós, pernambucanos, repousa o sonho do meu pai de ver um povo culto, consciente e feliz.
Hoje, faz um ano, que a sala/biblioteca Josué Mussalem foi inaugurada no Forte do Brum. Todo o seu acervo sobre 2a Guerra Mundial foi doado, juntamente com outras mídias, para que sua coleção pudesse servir à busca pelo conhecimento.
Abaixo, meu discurso na inauguração da sala.
Porquanto da minha relação com meu pai, Josué Mussalem, uma dúvida sempre me acometeu. Por tanto amor que ele devotou às Forças Armadas brasileiras, à história da guerra do homem contra o próprio homem, porque não seguiu carreira militar? Por que ele não serviu, como se diz no jargão mais popular?
Tendo eu feito a ele essa pergunta algumas vezes ao longo de nossa trajetória comum, a resposta nunca foi pacífica, harmoniosa: por vezes me disse que havia sido preterido no excesso de contingente; outras vezes, disse que não havia seguido carreira militar porque a família precisava da sua constância.
Mas eu quero acreditar hoje que os grandes homens são capazes de enxergar adiante e desfazer as cortinas do tempo e tenho para mim que meu pai sabia que iria servir às Forças Armadas e ao seu país de uma forma diferente.
Guimarães Rosa, no seu famoso discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, disse que as pessoas não morrem, ficam encantadas.
A resposta do meu pai à minha pergunta se desvela, portanto, nesse belo fato que se descortina perante vocês: Josué Mussalem se encantou em Biblioteca. Essa foi sua forma de servir ao seu povo e às instituições que ele tanto amou, para além do seu próprio tempo; para além de sua vida terrena.
Então eu os convido, em meu nome, em nome da minha família, em nome da 7ª Região Militar e da 7ª Divisão do Exército, a encontrar com meu pai no acervo doado e transformado em Biblioteca.
Se vocês tiverem a oportunidade de ler cada livro depositado aqui, encontrarão com meu pai, atravessando oceanos com os soldados brasileiros que lutaram em Monte Castello. Encontrarão meu pai sangrando junto aos jovens expedicionários FEB na contenção do exército alemão. Comemorarão, junto com meu pai, o sabor da vitória das Forças Aliadas e da democracia que se espalhou pelo mundo desde então.
Cada página consultada será um sorriso dado pelo meu pai que atravessará as barreiras do tempo, do espaço e da matéria, pois existem diversas formas de se perpetuar para além da mortalidade e se transformar e cultura, em conhecimento, certamente é uma delas.
Essa é uma missão de mão dupla, porque, para que uma Biblioteca alcance o seu destino, é necessário que existam interessados em conhecer o nosso passado e construir o nosso futuro. Por isso, venham, ajudem a cumprir a missão que foi depositada em Josué Mussalem, pois nesse lugar histórico, neste Forte do Brum, que tanto diz sobre nós, pernambucanos, repousa o sonho do meu pai de ver um povo culto, consciente e feliz.
Carta sobre os Idos de Março
Querida mamãe,
Ontem fui ao grande protesto na nossa cidade natal. A princípio não iria, mas testemunhar a vida enquanto ela acontece ao seu lado é sempre mais interessante do que ficar na frente da televisão acompanhando a vida a partir dos olhos alheios, tantas vezes cegados pela necessidade de cantar mais alto, como o Assum Preto.
Vi de tudo, mamãe;
Vi gente pedindo melhoria geral.
Vi gente gritando contra a corrupção (e haveria que gritasse a favor?).
Vi gente pedindo tolerância.
Vi gente saudosa de uma época em que os direitos eram encarcerados nos porões do Brasil.
Vi beijo na boca.
Vi homens sofrendo porque traziam suas bandeiras.
Eu fiquei ali parado no meio do corredor sem saber se ia ou se voltava. Se era carnaval ou se era esplendor.
Ouvi dizer que era tentativa de golpe;
Ouvi falar que era espontâneo;
Eu não sei o que era, mas aconteceu.
Agora eu fico de sobressalto, esperando um Messias, mamãe. E o Messias não chega. Fico com medo desse repúdio ao político, aos partidos, dessa gente que quer invadir o Congresso.
Eu fico revivendo as cançoes de ninar os monstros, que a senhora cantava. E nos dizia assim: vigiai, filhinhos, vigiai.
Deus queira mamãe que seja apenas um medo infundado do monstro da lagoa;
Deus queira que nosso povo perceba que o tempo das 'tenebrosas transações' já passou.
Por via das dúvidas, mamãe, vou dormir com um dos olhos aberto.
Afinal de contas, hoje o inverno começou.
Um beijo do seu filho,
André
(texto produzido para o Facebook)
Ontem fui ao grande protesto na nossa cidade natal. A princípio não iria, mas testemunhar a vida enquanto ela acontece ao seu lado é sempre mais interessante do que ficar na frente da televisão acompanhando a vida a partir dos olhos alheios, tantas vezes cegados pela necessidade de cantar mais alto, como o Assum Preto.
Vi de tudo, mamãe;
Vi gente pedindo melhoria geral.
Vi gente gritando contra a corrupção (e haveria que gritasse a favor?).
Vi gente pedindo tolerância.
Vi gente saudosa de uma época em que os direitos eram encarcerados nos porões do Brasil.
Vi beijo na boca.
Vi homens sofrendo porque traziam suas bandeiras.
Eu fiquei ali parado no meio do corredor sem saber se ia ou se voltava. Se era carnaval ou se era esplendor.
Ouvi dizer que era tentativa de golpe;
Ouvi falar que era espontâneo;
Eu não sei o que era, mas aconteceu.
Agora eu fico de sobressalto, esperando um Messias, mamãe. E o Messias não chega. Fico com medo desse repúdio ao político, aos partidos, dessa gente que quer invadir o Congresso.
Eu fico revivendo as cançoes de ninar os monstros, que a senhora cantava. E nos dizia assim: vigiai, filhinhos, vigiai.
Deus queira mamãe que seja apenas um medo infundado do monstro da lagoa;
Deus queira que nosso povo perceba que o tempo das 'tenebrosas transações' já passou.
Por via das dúvidas, mamãe, vou dormir com um dos olhos aberto.
Afinal de contas, hoje o inverno começou.
Um beijo do seu filho,
André
(texto produzido para o Facebook)
A Casa é Sua
Meu pai era um economista que não gostava de gráficos. Não se dava bem com dados em tabelas, não obstante as frequentasse para conferir suas percepções. A fonte econômica em que meu pai bebia estava nas casas limpando portas e janelas, estava dirigindo o dia-a-dia nos táxis, trocando dinheiro nos caixas dos bancos.
Acredito que – por isso – ele conseguia se comunicar tão bem com as donas de casa, com os motoristas, com jornalistas, com os funcionários de todas as fábricas. E ele fazia dessa comunicação o seu modo de servir o povo de todo o país. A sua oferta estava na palavra equiparada, na língua comum, no jeito de apontar direções às pessoas que buscavam nele alguma saída para as aflições monetárias do cotidiano. Ele fazia o diamante econômico virar uma pedra bruta de carvão, passível de ser repartida por todos, sem distinção de classe, de credo, de ideologia. Essa era sua economia humana, com rosto, nome e destino.
Quando ele se foi, fiquei pensando sobre o que há de permanência do homem na memória. E para além dos questionamentos metafísicos, vi o meu pai reaparecer sob outras formas, inéditas e – ao mesmo tempo – tão próprias do seu coração.
Primeiramente meu pai retornou como biblioteca. Sua carne se transformou em páginas por onde transita o fluxo contínuo da história. A sala Josué Mussalem foi aberta no Forte do Brum no ano passado e é uma oferta cotidiana de conhecimento para todos aqueles que têm sede de entender acerca do que nos faz brasileiros.
Agora, por iniciativa do Deputado Estadual Augusto César (iniciativa de redundou na Lei Estadual 14.987 de 2013), o nome Josué Mussalem se aparta do homem e recai sobre um conjunto habitacional popular no Bairro de Peixinhos, nascedouro de tantos afetos, como da família de minha esposa.
Assim – ao longe – posso ficar observando a figura do meu pai de braços abertos - transmutada em tijolos, concretos, vidro e sonhos - albergar famílias desejosas de uma casa própria, imaginando a voz dele dizendo, “venham, podem me chamar de lar”.
(texto produzido para o Facebook)
Acredito que – por isso – ele conseguia se comunicar tão bem com as donas de casa, com os motoristas, com jornalistas, com os funcionários de todas as fábricas. E ele fazia dessa comunicação o seu modo de servir o povo de todo o país. A sua oferta estava na palavra equiparada, na língua comum, no jeito de apontar direções às pessoas que buscavam nele alguma saída para as aflições monetárias do cotidiano. Ele fazia o diamante econômico virar uma pedra bruta de carvão, passível de ser repartida por todos, sem distinção de classe, de credo, de ideologia. Essa era sua economia humana, com rosto, nome e destino.
Quando ele se foi, fiquei pensando sobre o que há de permanência do homem na memória. E para além dos questionamentos metafísicos, vi o meu pai reaparecer sob outras formas, inéditas e – ao mesmo tempo – tão próprias do seu coração.
Primeiramente meu pai retornou como biblioteca. Sua carne se transformou em páginas por onde transita o fluxo contínuo da história. A sala Josué Mussalem foi aberta no Forte do Brum no ano passado e é uma oferta cotidiana de conhecimento para todos aqueles que têm sede de entender acerca do que nos faz brasileiros.
Agora, por iniciativa do Deputado Estadual Augusto César (iniciativa de redundou na Lei Estadual 14.987 de 2013), o nome Josué Mussalem se aparta do homem e recai sobre um conjunto habitacional popular no Bairro de Peixinhos, nascedouro de tantos afetos, como da família de minha esposa.
Assim – ao longe – posso ficar observando a figura do meu pai de braços abertos - transmutada em tijolos, concretos, vidro e sonhos - albergar famílias desejosas de uma casa própria, imaginando a voz dele dizendo, “venham, podem me chamar de lar”.
(texto produzido para o Facebook)
domingo, março 31, 2013
quarta-feira, fevereiro 20, 2013
A Utilidade da Poesia
Minha avó já dizia
No alto de sua sabedoria
Uma banana por dia
Faz a pessoa sadia
No leito de morte,
Meu brother (já um tanto demente)
Disse a mim, de repente:
Um poema por dia
Deixa a gente doente
quarta-feira, janeiro 16, 2013
O preço da pobreza rica
Manuel Bandeira foi o lírico da pobreza
Cantou o balão que caiu na Rua do Sabão
Sob as lágrimas do menino despido de todas as posses
Cantou, pela vida inteira, o Beco de sua Vida
Abrigo dicotômico e uníssono das pobres putas
E das pobres irmãs missionárias
(ambas espécies de filhas de Deus)
Cantou o homem, desprovido de sua humanidade
Bestialmente vivo no pouco que há de vida
Quando nada somos, além de estômago e ar
Como é rica a poesia de Manuel Bandeira!
Na Livraria Saraiva
O acesso ao lirismo da pobreza
E a tudo o que foi o homem Manuel Bandeira
Custa trezentos e setenta Reais.
Trezentos e setenta Reais.
E ao longe eu vejo acenar para mim:
O menino na Rua do Sabão
As putas do Beco
O homem que desvirou homem e virou bicho,
Adeus...
Como ficou pobre a poesia brasileira!
segunda-feira, janeiro 14, 2013
O Som ao Redor
O som faz toda a diferença quando se está diante de uma película. Mesmo no cinema mudo, as sucessões de imagens que deslubravam e ainda deslumbram nossos olhos eram acompanhadas de músicas que variavam de acordo com as intenções do diretor. A introdução do som no cinema, como elemento de composição e compreensão da própria película, foi uma uma inovação que beira a revolução: é só assistir "Crepúsculo dos Deuses" para compreender o futuro naquele momento do passado. O som não é apenas um dado técnico no cinema: ele é um ator.
Eu, particularmente, não conheço nenhum filme que tenha levado tal intelecção ao extremo como "O Som ao Redor" do crítico e cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho. Neste trabalho de longa metragem (seu primeiro longa metragem) o som é o ator principal do filme; tudo que existe como retrato do cotidiano existe a partir do som que invade a tela do cinema; o som é quase tangível, quase visível.
Essa afirmação poderia gerar a impressão que o filme em si não possui um roteiro delimitado e que a experiência cinematográfica proposta por Kléber Mendonça Filho não vai além da experiência em si.
Engano. O filme tem uma proposta narrativa que parte do cotidiano suburbano recifense (mas que poderia ser qualquer cidade do país) para demonstrar a manutenção de um status quo ancestral, emoldurado, todavia, por novos sons.
O que está por detrás do som de uma máquina de lavar? O que se esconde nas entrelinhas dos barulhos infantis toados em um playground de um condomínio? O que late, incessantemente, para nós?
Os sons do cotidiano, na sua existência monótona e incorporada ao nosso senso do comum, estão aí para denunciar, para aterrorizar, para maravilhar. E apenas o cinema é capaz de fazer com que nos apercebamos de como a vida pode ser (re) vista não a partir da imagem, mas - paradoxalmente - a partir do som.
Não é por acaso que esse é um filme tão decantado e premiado: Kléber Mendonça Filho conseguiu subverter a ordem da realidade e do próprio título que ele deu a sua obra: no final, não é o som que existe ao nosso redor, mas nós que nos damos e existimos ao redor do som.
sábado, janeiro 12, 2013
Sobre homens e flechas
Para Filipe Mussalem, no seu primeiro aniversário
Há tempos, no arco armado, esta flecha está apontada
Na linguagem muda das coisas ela me questiona:
Para onde serei lançada?
Talvez para a paz dos monastérios,
talvez para o calor das batalhas
Quiçá o canto da sala, onde antes havia um piano, se faça a
sua morada
Talvez seja eu mesmo seu alvo
E disso ela ainda não saiba
Em uma noite de vento meu peito perfure
Com duras palavras, nunca lavradas
Há tempos o destino incerto da flecha
Consome ilusões com o futuro negociadas
E eu canto uma canção antiga
Que adormeça homens e armas
Para que a flecha assim permaneça
Suspensa na eternidade da meta
Sempre tesa, paralisada
A inutilidade do meu canto
Vai se mostrando a cada hora passada
A flecha se lançará sozinha
No vão sangrento da madrugada
Quando estiver eu dormindo
Sozinho, silente e mais nada
Acordarei com as mãos vazias de flecha
E o peito perfurado pelo pó da estrada
PS. passei algum tempo sem escrever no Blog, por falta de tempo, oportunidade e no advento de outras formas de comunicação na internet. Estava esperando o momento certo para recomeçar. De certo modo, meu ano começa hoje novamente.
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