sexta-feira, outubro 29, 2004

O Paciente Inglês

Eu estava vindo de um combate. De mãos atadas, pois havia perdido uma batalha. Estava cego. Estava queimado. Eu tinha em mim os sons de todas as cidades: Berlim, Milão, Lisboa, Paris. Eu tinha em mim as feridas de todas as pessoas, transubstanciadas na minha exclusiva e intransferível dor. Em cada chaga havia uma sombra. Em cada sombra havia um passado. Em cada passado havia a ausência de mim. Eu que conhecia a amargura dos judeus cativos. Eu que havia penetrado Berlim com meus cadáveres. Eu que sonhava com a neve derretida em meus lábios...e isso, naquela guerra, era impossível. Então me joguei na areia. Chamava a morte e a morte não vinha. Vinha a vida e era pior que a morte. Chegava a noite e me lembrava que viria o dia. Chegava o dia e me lembrava de que existia o tempo. E quando tudo parecia que se abismava ao meu redor, uma gota de saliva tocou minha nuca. Em meio ao ensurdecedor silêncio da minha alma eu ouvi um riso. Um riso desprovido de grandes cidades, de pretensões de guerra, de conquistas de mundos...e eu que não sabia que existiam os joelhos me prostrei frente ao que eu não entendia. Minhas chagas foram pensadas sem nenhum pedido de coisa em troca. E pela primeira vez na minha vida, eu amei o outro.

Fátima...eu criei essa página para falar das coisas que não são minhas, mas são do mundo. Prometi que pouco diria de mim mesmo, embora quedasse sempre descoberto em cada poema que aqui publicasse. Você me pediu um poema, mas não posso forçá-lo. Eu o chamei e ele não veio. Ele virá novamente, como um cavalo insubordinado, que ama o homem a distância, ele se aproximará para comer esse torrão de açúcar que estou a oferecer. Mas se não posso lhe dar o poema, que a prosa lhe diga: sim, eu hei de nascer ao seu lado. Diuturnamente. Em ti, eu encontrei o prêmio nobel da minha paz.