Eu gostaria de terminar o ano com a foto abaixo
com a pureza do sorriso de Bebel, alheia a tantas coisas mundanas
Inevitável como a próxima geração que sorrirá e chorará tantas vezes
E que contará os anos como nós contamos os anos
E quederá mais solícita nessa época que denominamos natal
Absorta em tantos símbolos disvirtuados como o disvirtuado é o homem mesmo
Mas Bebel guarda a pureza dos que seguem o inevitável e não sabem porque
E o seu sorriso pensa as feridas do que se foi, só porque ele vale a pena:
2006 será o ano da concretude
Eu me casarei
Eu lecionarei
Eu cantarei
Eu gravarei
Eu publicarei
Eu engravidarei
Não falarei das coisas passadas porque vocês as passaram comigo
nem quero falar das coisas presentes, porque elas estão agora comigo
Falo das coisas futuras, como o horizonte puro e misterioso no sorriso de Bebel
Feliz natal a todos
Feliz 2006
quinta-feira, dezembro 22, 2005
sexta-feira, dezembro 16, 2005
sexta-feira, dezembro 09, 2005
Pocket conto de natal
Ele havia acordado naquela noite disposto a cravar a lâmina cega no pescoço do pai. Tudo pela surra da noite anterior que quase lhe custou a vida. Ninguém daria conta da vida de um pastor naqueles dias. Mas ao se aproximar do rosto barbado do pai, ouviu uma cantilena de anjos lá fora, vindo de uma manjedoura que ficava ali perto. E deu-se uma comoção de não-sei-o-quê nele, embora não compreendesse bem a língua cantada. E viu o homem que estava deitado diante de si como algo particularmente próximo, naquilo que se convencionava a chamar de família. Recolheu a lâmina e engoliu a dor da surra se esforçando para repetir a cantilena que ouvia vinda lá de fora da manjedoura. E deu-se uma paz na casa e na cabeça do menino que seria morto pelo pai naquela mesma semana.
terça-feira, novembro 22, 2005
segunda-feira, novembro 21, 2005
And here we go again
Peço perdão pela omissão um tanto forçada (a se perdurar, inclusive. Foi mal, Marcelo)
Mas o esquema (música-advocacia-livro) está me chupando de uma maneira não muito gostosa.
Eu volto, logo, logo; tal qual um restaurante depois da reforma.
Aos meus três leitores fiéis, paciência e compreensão.
Até breve.
Mas o esquema (música-advocacia-livro) está me chupando de uma maneira não muito gostosa.
Eu volto, logo, logo; tal qual um restaurante depois da reforma.
Aos meus três leitores fiéis, paciência e compreensão.
Até breve.
segunda-feira, novembro 14, 2005
quarta-feira, novembro 09, 2005
MEIUQER
Aos que amam Manuel Bandeira. Aos que querem-querem. Aos que têm esperança e que não vão deixar de falar ao mundo por causa de qualquer intempérie. Você tem medo? Vem, me dê a mão - mesmo que à distância. O que morre hoje, nasce de novo amanhã. Vamos juntos enfrentar a fúria do mar:
Estrela da Vida Inteira
Estrela da Vida Inteira
Salvaguarda meu caminho
Brilharás sobremaneira, no meu coração sozinho
Quero os beijos de Adalgisa
A saliva de Carmela
A cidade em minhas veias
O que o ópio me reserva
Vou-me embora desse mundo
Vou para onde a tisteza não possa aparecer
Estrela da Vida Inteira
Querem coagir meu peito
a me dar por satisfeito
com trabalho, voto e lar....
Mas tal qual qualquer Estrela
quedo extinto enfim, um dia
sob o signo da alforria
de brilhar em outro ser
Vou-me embora desse mundo
Vou para onde a tisteza não possa aparecer
Estrela da Vida Inteira
Estrela da Vida Inteira
Salvaguarda meu caminho
Brilharás sobremaneira, no meu coração sozinho
Quero os beijos de Adalgisa
A saliva de Carmela
A cidade em minhas veias
O que o ópio me reserva
Vou-me embora desse mundo
Vou para onde a tisteza não possa aparecer
Estrela da Vida Inteira
Querem coagir meu peito
a me dar por satisfeito
com trabalho, voto e lar....
Mas tal qual qualquer Estrela
quedo extinto enfim, um dia
sob o signo da alforria
de brilhar em outro ser
Vou-me embora desse mundo
Vou para onde a tisteza não possa aparecer
sexta-feira, novembro 04, 2005
Episódio V
Fantasmas (Parte V)
E esse homem foi crescendo no decorrer das horas. O Desembargador sentia-o alimentando-se de desejos não confessados, com os de ter um apartamento bem melhor, de ter uma casa na praia, talvez uma casa no campo, talvez a garantia de que as coisas na velhice não esmoreceriam como lembrança. A manhã passou-se e o Desembargador “X” confortou-se que o crescimento do homem dentro dele seria limitado pela inércia em ligar para o advogado para falar daquele numerário no papel. Talvez o advogado nem aparecesse mais e toda essa conversa de numerários, liminares, corrupção quedasse como um episódio pitoresco que ele guardaria consigo e confessaria a um padre quando da unção extrema. Tão somente porque houve um desejo. Mas logo ao chegar no seu gabinete, o Desembargador notou um novo pedaço de papel dobrado sobre sua caixa de despachos pendentes. Abriu o papel dobrado e deparou-se com um numerário ainda maior e um número de telefone. Rapidamente, o Desembargador rasgou o papel e colocou as mãos sobre a cabeça atormentada. Queria se livrar daquilo tudo, mas não queria. E de repente, o homem havia dominado o Desembargador.
Há quem diga, no entanto, que as coisas não se passaram dessa maneira. Que o Desembargador não teve um conflito moral de-si-para-si, mas que durante todo o período em que estava titulado, apenas aguardava a hora certa para lançar suas fichas em uma prática velada de venda de decisão, por um preço excessivamente justo na tabela das coisas que não podem ser.
Fato mesmo é que o Desembargador encontrou-se mais uma vez com o advogado e apresentou-lhe um esboço da decisão naquele processo em que havia tantas partes envolvidas, inclusive o próprio Estado da Federação. E dizem que a decisão era tão bem argumentada que ninguém desconfiaria de que a mesma havia sido comprada se não fosse o fato de uma das partes envolvidas no feito já ter desencarnado há anos antes da primeira petição que iniciou o processo. Mas mortos não fazem parte do imaginário dos Desembargadores e o “X” não poderia saber do fato que o levou a enfrentar uma execução em praça pública. Mas vamos devagar que a estória deve ser bem trabalhada, como dizia Josefina Minha-Fé.
E esse homem foi crescendo no decorrer das horas. O Desembargador sentia-o alimentando-se de desejos não confessados, com os de ter um apartamento bem melhor, de ter uma casa na praia, talvez uma casa no campo, talvez a garantia de que as coisas na velhice não esmoreceriam como lembrança. A manhã passou-se e o Desembargador “X” confortou-se que o crescimento do homem dentro dele seria limitado pela inércia em ligar para o advogado para falar daquele numerário no papel. Talvez o advogado nem aparecesse mais e toda essa conversa de numerários, liminares, corrupção quedasse como um episódio pitoresco que ele guardaria consigo e confessaria a um padre quando da unção extrema. Tão somente porque houve um desejo. Mas logo ao chegar no seu gabinete, o Desembargador notou um novo pedaço de papel dobrado sobre sua caixa de despachos pendentes. Abriu o papel dobrado e deparou-se com um numerário ainda maior e um número de telefone. Rapidamente, o Desembargador rasgou o papel e colocou as mãos sobre a cabeça atormentada. Queria se livrar daquilo tudo, mas não queria. E de repente, o homem havia dominado o Desembargador.
Há quem diga, no entanto, que as coisas não se passaram dessa maneira. Que o Desembargador não teve um conflito moral de-si-para-si, mas que durante todo o período em que estava titulado, apenas aguardava a hora certa para lançar suas fichas em uma prática velada de venda de decisão, por um preço excessivamente justo na tabela das coisas que não podem ser.
Fato mesmo é que o Desembargador encontrou-se mais uma vez com o advogado e apresentou-lhe um esboço da decisão naquele processo em que havia tantas partes envolvidas, inclusive o próprio Estado da Federação. E dizem que a decisão era tão bem argumentada que ninguém desconfiaria de que a mesma havia sido comprada se não fosse o fato de uma das partes envolvidas no feito já ter desencarnado há anos antes da primeira petição que iniciou o processo. Mas mortos não fazem parte do imaginário dos Desembargadores e o “X” não poderia saber do fato que o levou a enfrentar uma execução em praça pública. Mas vamos devagar que a estória deve ser bem trabalhada, como dizia Josefina Minha-Fé.
sexta-feira, outubro 21, 2005
Morgana e o passarinho (full image)
Postei um escrito que não fazia sentido sem a foto logo abaixo (eu não havia conseguido postar a foto, por problemas técnicos). Depois de resolvê-los, publico novamente o escrito, desta vez, devidamente ilustrado pela ocasião que o motivou:
Minha gata conversa com o passarinho:
Tudo é relativo do outro lado do muro
Voar é uma questão de saber se desvencilhar do chão
Ser livre é ater-se às responsabilidades para com o outro
O mal é apenas o bem mal-feito: Vem cá que eu te ensino a flexibilizar perspectivas
O passarinho não caiu nessa
E voou para a segurança dos seus postulados
Minha gata conversa com o passarinho:
Tudo é relativo do outro lado do muro
Voar é uma questão de saber se desvencilhar do chão
Ser livre é ater-se às responsabilidades para com o outro
O mal é apenas o bem mal-feito: Vem cá que eu te ensino a flexibilizar perspectivas
O passarinho não caiu nessa
E voou para a segurança dos seus postulados
Parte 4 (ou, pelo tamanho, 3/76)
No decorrer da noite lenta, o Desembargador foi assombrado na continuidade do seu sono. Assombrado não por fantasma ou súcubo ou espírito desencarnado buscando passar o tempo da eternidade: mas assombrado pelo homem de carne e osso que precedia a titulação; assombrado pelo X do Desembargador. Os suores noturnos denotavam o homem angustiando-se pela oferta sinalizada do papel. Dinheiro para acabar com as preocupações do Desembargador; sim, porque as contas não diferenciam os nomeados dos sem-importância, chegam para todos. E mesmo acordado pelo pânico de saber-se homem naquela hora, o Desembargador sonhou: sonhou com uma casa em praia longe, sonhou com uma viagem para ilha remota, sonhou com a paridade com outros Desembargadores que haviam aceitado outras ofertas de outros advogados em outros processos em outros tempos. E na lentidão das horas, o Desembargador anoiteceu e o homem dentro dele amanheceu. E pela primeira vez em muitos anos, não houve prazer no ato de vestir-se para o café, pois havia um homem dentro dele que desrespeitava a titulação e que acreditava que era mais importante ser homem do que ser Desembargador.
terça-feira, outubro 04, 2005
Episódio 3
Fantasma (parte 3)
Deu qualquer desculpa ao advogado e o apresentou ao caminho de fora. Não queria se envolver com qualquer tramóia arquitetada por quem não pensa em honrarias.
Após a saída do advogado, chegou para o Desembargador um bilhete sem assinatura entregue a um funcionário da limpeza e dobrado sem maiores cuidados. Ao abrir o bilhete, o Desembargador deparou-se com um numerário que até então não cabia na sua vida. Depressa, rasgou em pequenos pedaços o papel, jogou no lixo e esvaziou a lixeira. A partir daquele momento, a tranqüilidade do gabinete do Desembargador X parecia abalada por algo invisível. O ar pesou. A caneta pesou. O existir pesou. Sequer despediu-se dos funcionários no final do expediente; deixou intacto o chá, os processos em sua mesa; não alertou o assessor sobre os feitos que deveriam entrar em pauta para julgamento na próxima sessão. Saiu depressa querendo não se fazer notar; mas ele era o Desembargador X e não tardou para que, mesmo na discrição de seus passos, alguém apontasse o dedo e repetisse a titulação: “Desembargador X”.
Jantou só. Não esperou pelos filhos, nem pela esposa. Recolheu-se ao quarto e apanhou um surrado manual de ética que trazia consigo desde os tempos de faculdade. Mas não leu. Ligou a TV e ficou a ouvir o noticiário sem prestar muita atenção no que era dito, deixando-se embalar pelas palavras que, destoando do contexto das imagens, viravam uma canção de ninar ruidosa e melancólica.
Deu qualquer desculpa ao advogado e o apresentou ao caminho de fora. Não queria se envolver com qualquer tramóia arquitetada por quem não pensa em honrarias.
Após a saída do advogado, chegou para o Desembargador um bilhete sem assinatura entregue a um funcionário da limpeza e dobrado sem maiores cuidados. Ao abrir o bilhete, o Desembargador deparou-se com um numerário que até então não cabia na sua vida. Depressa, rasgou em pequenos pedaços o papel, jogou no lixo e esvaziou a lixeira. A partir daquele momento, a tranqüilidade do gabinete do Desembargador X parecia abalada por algo invisível. O ar pesou. A caneta pesou. O existir pesou. Sequer despediu-se dos funcionários no final do expediente; deixou intacto o chá, os processos em sua mesa; não alertou o assessor sobre os feitos que deveriam entrar em pauta para julgamento na próxima sessão. Saiu depressa querendo não se fazer notar; mas ele era o Desembargador X e não tardou para que, mesmo na discrição de seus passos, alguém apontasse o dedo e repetisse a titulação: “Desembargador X”.
Jantou só. Não esperou pelos filhos, nem pela esposa. Recolheu-se ao quarto e apanhou um surrado manual de ética que trazia consigo desde os tempos de faculdade. Mas não leu. Ligou a TV e ficou a ouvir o noticiário sem prestar muita atenção no que era dito, deixando-se embalar pelas palavras que, destoando do contexto das imagens, viravam uma canção de ninar ruidosa e melancólica.
segunda-feira, outubro 03, 2005
Presente de Casamento
Corri para tentar dizer-lhe o segredo de tudo
Dobrei a esquina e sequer reparei na moça de olhos negros
Venci o pesadelo de fracassar naquela ponte depois da Avenida
Tinha certeza que ia dar tempo ao jogar quatro anos da minha vida no acostamento
Mas cheguei tarde demais e você saiu na carruagem antes que pudesse te segredar
Vendo você ao longe, feliz, e acenando ao povo, disse cá comigo:
Benditos são os que não sabem e não têm quem lhes conte o segredo
Dobrei a esquina e sequer reparei na moça de olhos negros
Venci o pesadelo de fracassar naquela ponte depois da Avenida
Tinha certeza que ia dar tempo ao jogar quatro anos da minha vida no acostamento
Mas cheguei tarde demais e você saiu na carruagem antes que pudesse te segredar
Vendo você ao longe, feliz, e acenando ao povo, disse cá comigo:
Benditos são os que não sabem e não têm quem lhes conte o segredo
terça-feira, setembro 27, 2005
Clara
(eita mulher prá causar ciúmes...)
Domingou, ensaio geral do Nação
Clara vem com o mundo na palma da mão
vem sorrindo, me dispensa o seu olhar
pois o seu olhar é caro e vale o sem-fim do mar
Quem pensar o amor dessa mulher reter
de carcereiro a prisioneiro vai verter
Clara é a prisão do que você sentir
e dormir com ela é um passo prá se despertar tão só
Clara é sonho e você não vai acordar
Clara é clara e infinita como o mar
Clara diz não choro porque sei ser mulher
mas no fundo o que ela quer é um colo e um solo
prá fincar sua raiz
Descolada, ladra de toda atenção
o seu não tem hierarquia superior
o amor segundo ela é uma contra-mão
e a vida não lhe dá tempo qualquer para uma paixão
Tatuou o seu registro pessoal
bem na nuca (a fronteira entre o bem e o mal)
desesperada, quando chega o carnaval
ela aspira, proibida, e torna a vida como quer
Clara é sonho e você não vai acordar
Clara é clara e infinita como o mar
Clara diz não choro porque sei ser mulher
mas no fundo o que ela quer é um colo e um solo
prá fincar sua raiz
PS (música bobinha, feita aos vinte anos, mas que agrada pelos novos arranjos)
Domingou, ensaio geral do Nação
Clara vem com o mundo na palma da mão
vem sorrindo, me dispensa o seu olhar
pois o seu olhar é caro e vale o sem-fim do mar
Quem pensar o amor dessa mulher reter
de carcereiro a prisioneiro vai verter
Clara é a prisão do que você sentir
e dormir com ela é um passo prá se despertar tão só
Clara é sonho e você não vai acordar
Clara é clara e infinita como o mar
Clara diz não choro porque sei ser mulher
mas no fundo o que ela quer é um colo e um solo
prá fincar sua raiz
Descolada, ladra de toda atenção
o seu não tem hierarquia superior
o amor segundo ela é uma contra-mão
e a vida não lhe dá tempo qualquer para uma paixão
Tatuou o seu registro pessoal
bem na nuca (a fronteira entre o bem e o mal)
desesperada, quando chega o carnaval
ela aspira, proibida, e torna a vida como quer
Clara é sonho e você não vai acordar
Clara é clara e infinita como o mar
Clara diz não choro porque sei ser mulher
mas no fundo o que ela quer é um colo e um solo
prá fincar sua raiz
PS (música bobinha, feita aos vinte anos, mas que agrada pelos novos arranjos)
quinta-feira, setembro 22, 2005
Pausa no conto: hoje é equinócio (de primavera)
Para Andréia, que acha meu blog "afrescalhado" : )
A aridez e a flor
Não há primavera nessa terra
por força do clima: ora seco, ora úmido
ora qualquer coisa que entristece a gente
não há uma flor que valha a pena
Mas se naquela menina eu planto esperança
e colho, quem sabe, um olhar de destino
se desatino em prédio, mas sonho com flor
quiçá essa dor, essa ausência floresça
e arremate e me desça ao encontro do chão
Beijando a menina, colhendo-a com calma
Não na palma da mão, ou no canteiro
não por nada, ou por dinheiro que a tenho estação
mas primavera no dia, primavera unção
beijando a menina, colhendo-a com calma
primavera no sim, primavera na alma
A aridez e a flor
Não há primavera nessa terra
por força do clima: ora seco, ora úmido
ora qualquer coisa que entristece a gente
não há uma flor que valha a pena
Mas se naquela menina eu planto esperança
e colho, quem sabe, um olhar de destino
se desatino em prédio, mas sonho com flor
quiçá essa dor, essa ausência floresça
e arremate e me desça ao encontro do chão
Beijando a menina, colhendo-a com calma
Não na palma da mão, ou no canteiro
não por nada, ou por dinheiro que a tenho estação
mas primavera no dia, primavera unção
beijando a menina, colhendo-a com calma
primavera no sim, primavera na alma
quarta-feira, setembro 21, 2005
Segunda Parte
Fantasma (segunda parte)
Anunciado o advogado, esse não se fez de rogado. Sentou-se como se aquele gabinete fosse sua casa e o Desembargador X um amigo do pai ou do avô que lhe pegou nos braços quando em época de calças curtas. Sorria uma lua. Despejava um dicionário. O Desembargador X fez sol na ousadia do advogado que não ousara baixar os olhos ao receber a honra de ser recebido. Encrespou a face franzindo sulcos para mostrar que pública era a função, mas o espaço era privativo. O advogado nem. Disse:
- Desembargador, não vou tomar-lhe o tempo que é precioso. Mas o Senhor tem em mãos um processo muito importante para um cliente meu.
O Desembargador não mudou a face:
- Os autos estão aqui?
- Estão aqui comigo. Pedi à sua assessoria para separa-lo.
- Pois não?
- É um caso delicado. Envolve muito dinheiro.
- Vou ler com cuidado – O Desembargador notou que o advogado ficou nervoso de repente.
- Entenda, Desembargador...há um grande volume de dinheiro envolvido nessa causa. Dinheiro que ajudaria quem precisasse...entende? A liminar...entende?
Não precisava maiores explicações. Pela primeira vez, desde que havia se revestido no gáudio do título que ostentava, o Desembargador X estava presenciando uma oferta de dinheiro pela sua decisão favorável aos interesses de advogado. Não que isso não acontecesse, e até com uma certa freqüência. Mas não imaginava ele que tão cedo no Tribunal recebesse uma proposta indecorosa. Pelo menos aos olhos da lei, da ética, da justiça e de todas essas coisas inúteis que não tangenciam o mundo da vida.
Anunciado o advogado, esse não se fez de rogado. Sentou-se como se aquele gabinete fosse sua casa e o Desembargador X um amigo do pai ou do avô que lhe pegou nos braços quando em época de calças curtas. Sorria uma lua. Despejava um dicionário. O Desembargador X fez sol na ousadia do advogado que não ousara baixar os olhos ao receber a honra de ser recebido. Encrespou a face franzindo sulcos para mostrar que pública era a função, mas o espaço era privativo. O advogado nem. Disse:
- Desembargador, não vou tomar-lhe o tempo que é precioso. Mas o Senhor tem em mãos um processo muito importante para um cliente meu.
O Desembargador não mudou a face:
- Os autos estão aqui?
- Estão aqui comigo. Pedi à sua assessoria para separa-lo.
- Pois não?
- É um caso delicado. Envolve muito dinheiro.
- Vou ler com cuidado – O Desembargador notou que o advogado ficou nervoso de repente.
- Entenda, Desembargador...há um grande volume de dinheiro envolvido nessa causa. Dinheiro que ajudaria quem precisasse...entende? A liminar...entende?
Não precisava maiores explicações. Pela primeira vez, desde que havia se revestido no gáudio do título que ostentava, o Desembargador X estava presenciando uma oferta de dinheiro pela sua decisão favorável aos interesses de advogado. Não que isso não acontecesse, e até com uma certa freqüência. Mas não imaginava ele que tão cedo no Tribunal recebesse uma proposta indecorosa. Pelo menos aos olhos da lei, da ética, da justiça e de todas essas coisas inúteis que não tangenciam o mundo da vida.
terça-feira, setembro 20, 2005
Comecinho do conto
Fantasma
Ser desembargador é exatamente oposto a ser fantasma. Desembargador procura luzes, sol, gente, multidão. Fantasma vive de sombra, medo, de inexistência intuída. Assim era o Desembargador X, gente pública que como seus pares não pertencia mais a si, mas a consciência coletiva de quem o via passar e apontava-o com dedo em riste: “Desembargador X”. E isso lhe comprazia. Dava-lhe a glória cotidiana conquistada a ferro, fogo e política, no garimpo que lhe tomou os últimos anos da titularidade de uma vara comum escondida no fórum da capital.
Esse árduo trabalho de cativar seus superiores justificava (para si) a vaidade diagnosticada no bem-estar de ser apontado no espaço que era seu: o público. Gente privada é diferenciada pelo sobrenome: o “tal” do “fulano”. Sua diferenciação advinha da titularidade outorgada pelo Tribunal de Justiça “Desembargador fulano”, ou, no caso, “Desembargador X”. Até sua família findou-se titularizada: esposa do Desembargador, filhos do Desembargador. E isso também lhe comprazia.
Havia até um certo prazer perverso em vestir a toga, em calcular a altivez do olhar dispensado aos que assistiam ao seu julgamento. Um gozo não liquefeito, mas etéreo como as luzes que eram atraídas pela sua presença emblemática. “Emblemática”: o Desembargador X gostaria disso.
Definitivamente, os fantasmas são diferentes. Contou-me certa vez Josefina Minha Fé que os fantasmas não gostam de pessoas porque lembram a eles que a vida vivida é aquela vivida na carne. Por isso são agressivos com gente viva, quebram louças, rangem dentes, chamam nomes que não lhes eram permitidos chamar quando eram de carne. Mas como ninguém acredita muito em fantasmas, eles vão resignados para o canto mais escuro da casa e evitam o contato direto com aqueles que um dia serão seus pares. Ficam ensimesmados em seu espaço privado, construído no alívio de sua invisibilidade a olhos comuns.
Voltemos, por ora, ao Desembargador X. Seu fim de tarde era sempre sentado no seu gabinete, sala privativa para aliviar as pressões de ser público, tomando um chá de arnica preparado por uma das suas funcionárias mais antigas, uma parenta sua, que tinha a função de filtro: filtrava pessoas de importância das sem-importância quando o Desembargador estava livre para recepções. Filtragem essa não muito eficiente, pois, um dia, apareceu por lá um certo advogado que tinha nas mãos um importante processo, cujo relator era o Desembargador X.
Ser desembargador é exatamente oposto a ser fantasma. Desembargador procura luzes, sol, gente, multidão. Fantasma vive de sombra, medo, de inexistência intuída. Assim era o Desembargador X, gente pública que como seus pares não pertencia mais a si, mas a consciência coletiva de quem o via passar e apontava-o com dedo em riste: “Desembargador X”. E isso lhe comprazia. Dava-lhe a glória cotidiana conquistada a ferro, fogo e política, no garimpo que lhe tomou os últimos anos da titularidade de uma vara comum escondida no fórum da capital.
Esse árduo trabalho de cativar seus superiores justificava (para si) a vaidade diagnosticada no bem-estar de ser apontado no espaço que era seu: o público. Gente privada é diferenciada pelo sobrenome: o “tal” do “fulano”. Sua diferenciação advinha da titularidade outorgada pelo Tribunal de Justiça “Desembargador fulano”, ou, no caso, “Desembargador X”. Até sua família findou-se titularizada: esposa do Desembargador, filhos do Desembargador. E isso também lhe comprazia.
Havia até um certo prazer perverso em vestir a toga, em calcular a altivez do olhar dispensado aos que assistiam ao seu julgamento. Um gozo não liquefeito, mas etéreo como as luzes que eram atraídas pela sua presença emblemática. “Emblemática”: o Desembargador X gostaria disso.
Definitivamente, os fantasmas são diferentes. Contou-me certa vez Josefina Minha Fé que os fantasmas não gostam de pessoas porque lembram a eles que a vida vivida é aquela vivida na carne. Por isso são agressivos com gente viva, quebram louças, rangem dentes, chamam nomes que não lhes eram permitidos chamar quando eram de carne. Mas como ninguém acredita muito em fantasmas, eles vão resignados para o canto mais escuro da casa e evitam o contato direto com aqueles que um dia serão seus pares. Ficam ensimesmados em seu espaço privado, construído no alívio de sua invisibilidade a olhos comuns.
Voltemos, por ora, ao Desembargador X. Seu fim de tarde era sempre sentado no seu gabinete, sala privativa para aliviar as pressões de ser público, tomando um chá de arnica preparado por uma das suas funcionárias mais antigas, uma parenta sua, que tinha a função de filtro: filtrava pessoas de importância das sem-importância quando o Desembargador estava livre para recepções. Filtragem essa não muito eficiente, pois, um dia, apareceu por lá um certo advogado que tinha nas mãos um importante processo, cujo relator era o Desembargador X.
sexta-feira, setembro 09, 2005
E eu canto...
Rosa Negra
Por que será que ele samba
e me deixa bamba assim
e assim, sai varando a madrugada
e me deixa guardada, dentro de mim
Diz que a noite é uma criança
e que o Mundo é seu lar
Diz que não sabe se volta
e nem me pede prá esperar
Por que será que ele samba
e me deixa bamba assim
e assim, sai varando a madrugada
e me deixa guardada, dentro de mim
Diz que a noite é uma criança
e que o Mundo é seu lar
Diz que não sabe se volta
e nem me pede prá esperar
terça-feira, agosto 30, 2005
E eu canto....
Jorge Maravilha
(Chico Buarque)
E nada como um tempo após um contratempo
para o meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
chorando, resmungando, até quando, não, não, não...
E como já dizia Jorge Maravilha
prenhe de razão
mais vale uma filha na mão do que dois pais voando:
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
(Chico Buarque)
E nada como um tempo após um contratempo
para o meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
chorando, resmungando, até quando, não, não, não...
E como já dizia Jorge Maravilha
prenhe de razão
mais vale uma filha na mão do que dois pais voando:
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
quarta-feira, agosto 24, 2005
Teoria da Relatividade
Minha gata conversa com o passarinho:
Tudo é relativo do outro lado do muro
Voar é uma questão de saber se desvencilhar do chão
Ser livre é ater-se às responsabilidades para com o outro
O mal é apenas o bem mal-feito:
Vem cá que eu te ensino a flexibilizar perspectivas
O passarinho não caiu nessa
E voou para a segurança dos seus postulados
Tudo é relativo do outro lado do muro
Voar é uma questão de saber se desvencilhar do chão
Ser livre é ater-se às responsabilidades para com o outro
O mal é apenas o bem mal-feito:
Vem cá que eu te ensino a flexibilizar perspectivas
O passarinho não caiu nessa
E voou para a segurança dos seus postulados
segunda-feira, agosto 22, 2005
Sexta-feira prá não sair da lembrança
Sexta-feira à tardinha: primeira garrafa de vinho aberta
Sardela e pesto genovês a deslizar sobre as torradas
Mais um amigo que chega, mais uma garrafa aberta
O queijo reggiano compartilhado, amar o que se faz: isso permanece às dívidas
Mais um amigo que chega, mais uma garrafa aberta
Glívio cozinhando ao fundo: a carne desbota em sange
Pancceta e copa, mais uma garrafa aberta
os ânimos de exaltam, o ânimo habita o vinho
Billie Holliday é escolhida por Glívio, a conversa desbota em música
O disco de Jards Macalé emprestado, a confiança trespassa o clientelismo
Mais uma garrafa de vinho aberta
O título de mestre é compartilhado entre aqueles que bem sabem viver
Ao voltar para casa, a penumbra do meu amor dormindo tranquila
Mais uma garrafa de vinho aberta
O dia teve por cor o rubi.
Sardela e pesto genovês a deslizar sobre as torradas
Mais um amigo que chega, mais uma garrafa aberta
O queijo reggiano compartilhado, amar o que se faz: isso permanece às dívidas
Mais um amigo que chega, mais uma garrafa aberta
Glívio cozinhando ao fundo: a carne desbota em sange
Pancceta e copa, mais uma garrafa aberta
os ânimos de exaltam, o ânimo habita o vinho
Billie Holliday é escolhida por Glívio, a conversa desbota em música
O disco de Jards Macalé emprestado, a confiança trespassa o clientelismo
Mais uma garrafa de vinho aberta
O título de mestre é compartilhado entre aqueles que bem sabem viver
Ao voltar para casa, a penumbra do meu amor dormindo tranquila
Mais uma garrafa de vinho aberta
O dia teve por cor o rubi.
segunda-feira, agosto 08, 2005
30 anos
- Não há tempo, não há tempo...
Disse o coelho branco ao homem que tinha ido fotografar alice.
Ele não se perguntou acerca da esquisitice de um coelho branco segurando um relógio falar, porque mais esquisito era o fato de ele estar fotografando uma garotinha em poses sensuais.
- Não há tempo, não há tempo...
Coelho e relógios bons são coelhos e relógios mortos. E um tiro certeiro tingiu de sangue a adjetivação do coelho. Mas o relógio não parou. E isso era inevitável.
Disse o coelho branco ao homem que tinha ido fotografar alice.
Ele não se perguntou acerca da esquisitice de um coelho branco segurando um relógio falar, porque mais esquisito era o fato de ele estar fotografando uma garotinha em poses sensuais.
- Não há tempo, não há tempo...
Coelho e relógios bons são coelhos e relógios mortos. E um tiro certeiro tingiu de sangue a adjetivação do coelho. Mas o relógio não parou. E isso era inevitável.
segunda-feira, agosto 01, 2005
Agosto
Vem, Agosto
Com suas nominações de língua perdida
Com seus passos de coisa imaginada depois de algo que se conta
em mistério. Vem como minha mãe vinha para ver se eu havia morrido
E inaugura em mim a marca do tempo, renova as células imaginárias do tempo
A existência imaginária do tempo
Vem
Pai dos meses, feiticeiro de quadro de Goya
bruxedo de gente grande, coisa antecipada que fica em nós
senhor dos ventos, pressuposto de ficar em casa temendo-se o não sabido
Vem
Vem, Agosto
Que o meu corpo é um tronco disposto a ser levado pelo mar
Com suas nominações de língua perdida
Com seus passos de coisa imaginada depois de algo que se conta
em mistério. Vem como minha mãe vinha para ver se eu havia morrido
E inaugura em mim a marca do tempo, renova as células imaginárias do tempo
A existência imaginária do tempo
Vem
Pai dos meses, feiticeiro de quadro de Goya
bruxedo de gente grande, coisa antecipada que fica em nós
senhor dos ventos, pressuposto de ficar em casa temendo-se o não sabido
Vem
Vem, Agosto
Que o meu corpo é um tronco disposto a ser levado pelo mar
terça-feira, julho 19, 2005
A vida sempre segue em frente
Saída de Santo Amaro
Sou um homem pequeno diante da porta
E deixo atrás de mim as circunstâncias e as devoções segredadas na cerâmica
Em cada cômodo fica um fantasma resignado da morte que é lembrança
Eu que nada sou senão esse caminho defronte
Ali, rezei uma reza; acolá, queimei os meus dedos
no canto da cama que ali havia suspeitei que a noite demoraria a passar
pedi paz e a paz não veio
Na parede da sala amalgamaram-se as unhas, a aliança e um poema
na cozinha fui visitado pelo meu avô. E o que é verdade e o que é mentira
foi lançado pela sala pelo vento do ventilador
Eu sou um homem pequeno diante da porta
E calo diante das vozes que tecem mudo ranger de sedas por detrás de mim
As confissões da alcova e o ponto final; a oração calada e o murmúrio do recomeço
Como dialogam bem as coisas que dissemos e o passado não se ressente, apenas o presente
A sala vazia está repleta de esperança, os quartos vazios buscam novos amores tácteis
Uma sede de coisa nova vai se assenhorando da casa
E meu coração resignado queda expulso, transformando a vida em lenda
As marcas dos meus dedos, as lascas de minha pele, os fios dos meus cabelos
A casa se despe de mim como se buscasse uma nova carne
Adeus, esse aceno de mão
Adeus, esse gemido na cama
Adeus, esse pesadelo abraçado com devoção
A casa está nua de mim e eu estou repleto de roupas antigas
Eu sou um homem pequeno diante da porta
Santo Amaro é maior que o Mundo só porque é meu
Eu não compreendo o ato de deixar e não voltar mais
E fico equilibrado neste fio armado entre o terror e a esperança
Sou um homem pequeno diante da porta
E deixo atrás de mim as circunstâncias e as devoções segredadas na cerâmica
Em cada cômodo fica um fantasma resignado da morte que é lembrança
Eu que nada sou senão esse caminho defronte
Ali, rezei uma reza; acolá, queimei os meus dedos
no canto da cama que ali havia suspeitei que a noite demoraria a passar
pedi paz e a paz não veio
Na parede da sala amalgamaram-se as unhas, a aliança e um poema
na cozinha fui visitado pelo meu avô. E o que é verdade e o que é mentira
foi lançado pela sala pelo vento do ventilador
Eu sou um homem pequeno diante da porta
E calo diante das vozes que tecem mudo ranger de sedas por detrás de mim
As confissões da alcova e o ponto final; a oração calada e o murmúrio do recomeço
Como dialogam bem as coisas que dissemos e o passado não se ressente, apenas o presente
A sala vazia está repleta de esperança, os quartos vazios buscam novos amores tácteis
Uma sede de coisa nova vai se assenhorando da casa
E meu coração resignado queda expulso, transformando a vida em lenda
As marcas dos meus dedos, as lascas de minha pele, os fios dos meus cabelos
A casa se despe de mim como se buscasse uma nova carne
Adeus, esse aceno de mão
Adeus, esse gemido na cama
Adeus, esse pesadelo abraçado com devoção
A casa está nua de mim e eu estou repleto de roupas antigas
Eu sou um homem pequeno diante da porta
Santo Amaro é maior que o Mundo só porque é meu
Eu não compreendo o ato de deixar e não voltar mais
E fico equilibrado neste fio armado entre o terror e a esperança
terça-feira, julho 12, 2005
Les trois dames dans rouge
(para ser lida e cantada como Terezinha de Jesus e referenciada à foto acima da direita para esquerda)
A primeira, como o sol
quis derrubar as minhas cortinas
quando eu via em tudo inverno
reinaugurou as minhas retinas
A segunda veio a mim
como uma alegria inesperada
e marcou-me a vida inteira
como uma vida tatuada
A terceira, como um anjo
reinventou minha existência
eu sou dela a carne e a alma
e ela, em mim, é minha essência
A primeira, como o sol
quis derrubar as minhas cortinas
quando eu via em tudo inverno
reinaugurou as minhas retinas
A segunda veio a mim
como uma alegria inesperada
e marcou-me a vida inteira
como uma vida tatuada
A terceira, como um anjo
reinventou minha existência
eu sou dela a carne e a alma
e ela, em mim, é minha essência
sexta-feira, julho 01, 2005
Mais um sambinha para o disco que eu juro que vai sair
Venha, moça, saia da janela
Que a flor mais bela, você não colheu
Estenda os braços para o que lhe agrada
Depois abra a guarda, para os braços meus
E venha como a aurora, destronada e bela
Saia da janela, deixe isso pra lá
Que eu tenho tanto amor pela alforria
Mas guardei meu dia para lhe entregar
E eu quero ver, esse dia acontecer, eu quero ver
Eu quero ver, esse dia amanhecer, eu quero ver
Que a flor mais bela, você não colheu
Estenda os braços para o que lhe agrada
Depois abra a guarda, para os braços meus
E venha como a aurora, destronada e bela
Saia da janela, deixe isso pra lá
Que eu tenho tanto amor pela alforria
Mas guardei meu dia para lhe entregar
E eu quero ver, esse dia acontecer, eu quero ver
Eu quero ver, esse dia amanhecer, eu quero ver
terça-feira, junho 21, 2005
Havia uma Biblioteca naqele Mosteiro
Eu cortei as pontas dos dedos para sentir os livros. Eles traduzem minha angústia e renovam a esperança em um mundo táctil, de coisas para serem sentidas de fora para dentro como no princípio de tudo, quando só havia gente de carne e angústia. Sequer preciso lê-los; basta o cheiro de papel a inundar minhas narinas e um pressentimento de que alguém me conta algo em surdina me atravessa como uma lâmina cega a presentear de cortes inexatos a alma outrora sã e limpa. Quero os papéis amarelos e tantas tipografias quanto houverem línguas espalhadas por obra de um deus cioso da torre de babel que, com certeza, não era de pedras e talhas, mas de livros; porque não se chega a deus sem ler. Por isso esse presente que te ofereço: um mundo embrulhado em algo indescritível, essa sede que só encontra pedra de sal a aumenta-la, esse desejo estancado por uma parede de vidro translúcida, isso, isso, isso, isso. Barulho de página virando. Descoberta de uma nova gramatura. Denúncia de um outro que me espreita através das linotipos. Eu cortei os dedos para abrir meus olhos.
sexta-feira, junho 17, 2005
Tratado Filosófico sobre a arte do efêmero
Eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
O que não temos nos é necessário tanto quanto a água
Ou elemento que valha nossa conformação
Aquilo que não temos nos é coisa-única (e quem pisa no ar deseja o chão)
Tenho eu dois braços ? mas não me bastam eles para reconstruir o mundo
Tenho eu dois olhos ? e ainda assim a mim mesmo não verão
Se permaneço pela alma, e assim reconhecem
Preciso olhar-me no espelho, sorrir-me e me decompor
Pois ai daquele que tem a dor de ter tudo e nada tem
E ai daquele que tem tudo mas lhe falta a dor
Solitariamente tentei preencher essa vaga com água do mar
Mas a água seca e deixa apenas o seu rastro de sal
Abri meu peito para tantos escritores
Mas eles só podem somar dores e ratificar minha cicatriz
Estudei, criei gado, teci filosofias
Mas um ponto (ainda que minúsculo) de incompletude
Doía como se a mim mesmo eu ainda tivesse que construir
É só na efemeridade que somos completos
É só na passagem que nos vemos enfim
É só no espelho que vive a alma gêmea
É apenas no outro que repouso em mim
Esta é a beleza que me falta (ou que não retive)
Pois eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
E a efemeridade que nunca tive
O que não temos nos é necessário tanto quanto a água
Ou elemento que valha nossa conformação
Aquilo que não temos nos é coisa-única (e quem pisa no ar deseja o chão)
Tenho eu dois braços ? mas não me bastam eles para reconstruir o mundo
Tenho eu dois olhos ? e ainda assim a mim mesmo não verão
Se permaneço pela alma, e assim reconhecem
Preciso olhar-me no espelho, sorrir-me e me decompor
Pois ai daquele que tem a dor de ter tudo e nada tem
E ai daquele que tem tudo mas lhe falta a dor
Solitariamente tentei preencher essa vaga com água do mar
Mas a água seca e deixa apenas o seu rastro de sal
Abri meu peito para tantos escritores
Mas eles só podem somar dores e ratificar minha cicatriz
Estudei, criei gado, teci filosofias
Mas um ponto (ainda que minúsculo) de incompletude
Doía como se a mim mesmo eu ainda tivesse que construir
É só na efemeridade que somos completos
É só na passagem que nos vemos enfim
É só no espelho que vive a alma gêmea
É apenas no outro que repouso em mim
Esta é a beleza que me falta (ou que não retive)
Pois eu sou o choque inevitável entre a permanência
E a efemeridade que nunca tive
sexta-feira, junho 10, 2005
Afogado
A Terra Seca me perguntou
Se eu só sabia falar do mar
disse que poesia boa era carne pouca
e o osso a mostra no alguidar
Triste de mim, Terra Seca
Que falo pelos cotovelos
e só abro a boca para transbordar
Por isso levo o mar em minha garganta
E quem não gosta, vá se afogar...
Se eu só sabia falar do mar
disse que poesia boa era carne pouca
e o osso a mostra no alguidar
Triste de mim, Terra Seca
Que falo pelos cotovelos
e só abro a boca para transbordar
Por isso levo o mar em minha garganta
E quem não gosta, vá se afogar...
quarta-feira, junho 08, 2005
O OUTRO
Sentado, sob a sombra dos visgueiros
Penso e vislumbro, por não ter onde ir, o mar
E penso que pensar não é a ausência de uma ação
Mas a ação invertida das coisas de fora para as coisas de dentro
Quando e onde não sou eu o referencial de mim,
mas as coisas comigo referenciam o que sou
E isso é pensar no mar, essa coisa comigo mais corpórea do que liquefeita
Ao reverso do meu pensamento, mais liquefeito do que meu corpo
Penso e vislumbro: adiante, o mar
E penso que o mar é calmo, sob uma réstia iluminada
Um campo tranqüilo que se adequa ao que penso dele
E nessa subsunção fumo um cigarro e dou-me por satisfeito por não ter aonde ir
(e se houvesse aonde ir, não iria,
para não correr o risco de inadequar meu pensamento à vida)
Mas de repente, (nesse átimo de tempo em que ocorrem os poemas)
A vida queda a conspirar contra mim
E longe, vejo uma nuvem negra a perturbar o que penso eu do mar
É apenas um ponto negro, como de resto principiam-se as coisas todas
Mas o mar torna-se outro, não o que eu penso, mas outro e meu cigarro se apaga.
Um revolver-se de tudo se assenhora de mim e meu pensamento fica como rastro dele mesmo
Que mar é esse sob uma nuvem negra que surge e destitui o que eu penso?
Mar do Deus hebreu que pôs fim em tudo e em água
Mar que engoliu a carne de povos mais civilizados do que o meu
Mar das embarcações que naufragaram em busca do que não conheciam
Mar da incerteza da terra, do mar, da vida: outro mar, esse que não conheço
Mas cheguei a conhecer algum dia o mar?
Foi ele algum dia o campo tranqüilo que se adequava ao que pensava dele?
Eu que penso tantas coisas de mim, constantemente visitado por nuvens negras
Sequer sei se sou esse sentado à sombra dos visgueiros
Eu que me sabia subsumido no que pensava de mim penso que posso ser outro como o mar
E que o mar talvez nunca tenha sido o campo tranqüilo ou o sob a nuvem negra
Mas outro, indefinidamente, inconscientemente, sorrateiro e misterioso outro
Oculto por pensamentos inexatos, incertos como a vida, a terra, o mar
Penso e vislumbro, por não ter onde ir, o mar
E penso que pensar não é a ausência de uma ação
Mas a ação invertida das coisas de fora para as coisas de dentro
Quando e onde não sou eu o referencial de mim,
mas as coisas comigo referenciam o que sou
E isso é pensar no mar, essa coisa comigo mais corpórea do que liquefeita
Ao reverso do meu pensamento, mais liquefeito do que meu corpo
Penso e vislumbro: adiante, o mar
E penso que o mar é calmo, sob uma réstia iluminada
Um campo tranqüilo que se adequa ao que penso dele
E nessa subsunção fumo um cigarro e dou-me por satisfeito por não ter aonde ir
(e se houvesse aonde ir, não iria,
para não correr o risco de inadequar meu pensamento à vida)
Mas de repente, (nesse átimo de tempo em que ocorrem os poemas)
A vida queda a conspirar contra mim
E longe, vejo uma nuvem negra a perturbar o que penso eu do mar
É apenas um ponto negro, como de resto principiam-se as coisas todas
Mas o mar torna-se outro, não o que eu penso, mas outro e meu cigarro se apaga.
Um revolver-se de tudo se assenhora de mim e meu pensamento fica como rastro dele mesmo
Que mar é esse sob uma nuvem negra que surge e destitui o que eu penso?
Mar do Deus hebreu que pôs fim em tudo e em água
Mar que engoliu a carne de povos mais civilizados do que o meu
Mar das embarcações que naufragaram em busca do que não conheciam
Mar da incerteza da terra, do mar, da vida: outro mar, esse que não conheço
Mas cheguei a conhecer algum dia o mar?
Foi ele algum dia o campo tranqüilo que se adequava ao que pensava dele?
Eu que penso tantas coisas de mim, constantemente visitado por nuvens negras
Sequer sei se sou esse sentado à sombra dos visgueiros
Eu que me sabia subsumido no que pensava de mim penso que posso ser outro como o mar
E que o mar talvez nunca tenha sido o campo tranqüilo ou o sob a nuvem negra
Mas outro, indefinidamente, inconscientemente, sorrateiro e misterioso outro
Oculto por pensamentos inexatos, incertos como a vida, a terra, o mar
quarta-feira, maio 25, 2005
O Quarto em Desordem
Esse é o poema que me perturba o sono. Não há escapatória dele...mas cedo ou mais tarde, na tranquilidade de nós mesmos, nos deparamos com o quarto em desordem; como Drummond se deparou:
O Quarto em desordem
Na curva perigosa dos cinqüenta derrapei neste amor.
Que dor!que pétala sensível e secreta me atormenta e me provoca à síntese da flor
que não sabe como é feita: amor na quinta-essência da palavra,
e mudo de natural silêncio já não cabe em tanto gesto de colher e amar
a nuvem que de ambígua se dilui nesse objeto mais vago
do que nuvem e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo
verdade tão final, sede tão vária
e esse cavalo solto pela cama a passear o peito de quem ama.
O Quarto em desordem
Na curva perigosa dos cinqüenta derrapei neste amor.
Que dor!que pétala sensível e secreta me atormenta e me provoca à síntese da flor
que não sabe como é feita: amor na quinta-essência da palavra,
e mudo de natural silêncio já não cabe em tanto gesto de colher e amar
a nuvem que de ambígua se dilui nesse objeto mais vago
do que nuvem e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo
verdade tão final, sede tão vária
e esse cavalo solto pela cama a passear o peito de quem ama.
terça-feira, maio 24, 2005
Tudo é mais interessante em francês
O mundo do direito é chato. Não há glamour ou criatividade nos ternos bem cortados (se temos sorte), nas palavras empoladas, na subserviência a uma hierarquia que a lei teima em negar, na burocracia tão contrária à arte.
Mas é parte indelegável de mim, a advocacia. Sou músico, desenhista, escritor, poeta, mas sou advogado. Estou no Direito. Por que encondê-lo se dele tiro leite e mel? Por que negá-lo se falo nessa língua durante o dia? Por que renegá-lo se o deixei vencer na minha mocidade, quando tive a oportunidade de ser só?
Está em mim como minhas unhas, ora mortas, ora vivas...
Só há um jeito de ser um pouco menos chato...é me apresentar em francês:
Est spécialiste en Droit Procédural Civil et Droit Économique.
FormationBachelier en Droit par la Faculté de Droit de Recife - UFPE. Licence en Droit d´Entreprise et de l´Économie par la Fondation Getúlio Vargas. Maître en Droit Public par l´Université Fédérale de PE.
Mais que isso, sodomiza ;)
Mas é parte indelegável de mim, a advocacia. Sou músico, desenhista, escritor, poeta, mas sou advogado. Estou no Direito. Por que encondê-lo se dele tiro leite e mel? Por que negá-lo se falo nessa língua durante o dia? Por que renegá-lo se o deixei vencer na minha mocidade, quando tive a oportunidade de ser só?
Está em mim como minhas unhas, ora mortas, ora vivas...
Só há um jeito de ser um pouco menos chato...é me apresentar em francês:
Est spécialiste en Droit Procédural Civil et Droit Économique.
FormationBachelier en Droit par la Faculté de Droit de Recife - UFPE. Licence en Droit d´Entreprise et de l´Économie par la Fondation Getúlio Vargas. Maître en Droit Public par l´Université Fédérale de PE.
Mais que isso, sodomiza ;)
quinta-feira, maio 19, 2005
Teu Nome
(Para Fátima, pela ausência de escritos no seu aniversário)
Esse nome que carregas, o que há nele?
Que histórias absurdas, bichos esquecidos, lâminas cegas nele se escondem?
O nome é nosso verdadeiro ato de nascimento
Ele existe antes de nós, e existe ainda que não existamos
Tua carne corrobora com teu nome, e ao dizê-lo corroboro com tua carne
Mas nesse nome que carregas, o que há nele?
Que suor noturno é esse que me encharca e invade minha vida?
É um nome imenso ainda que pequeno, é um nome terrível ainda que doce
É a partir dele que eu me nomeio, e se assim o é meu nome é teu nome
Mas esse nome que carregas, o que há nele?
Talvez a palavra, talvez o silêncio
Esse nome que carregas, o que há nele?
Que histórias absurdas, bichos esquecidos, lâminas cegas nele se escondem?
O nome é nosso verdadeiro ato de nascimento
Ele existe antes de nós, e existe ainda que não existamos
Tua carne corrobora com teu nome, e ao dizê-lo corroboro com tua carne
Mas nesse nome que carregas, o que há nele?
Que suor noturno é esse que me encharca e invade minha vida?
É um nome imenso ainda que pequeno, é um nome terrível ainda que doce
É a partir dele que eu me nomeio, e se assim o é meu nome é teu nome
Mas esse nome que carregas, o que há nele?
Talvez a palavra, talvez o silêncio
quinta-feira, maio 12, 2005
E onde está Sandro prá discutir comigo?
"Não se trata apenas de esperar até que o homem, daqui a trezentos anos, tenha uma ideia; trata-se sim, partindo dos traços fundamentais ainda mal pensados presentemente, de meditar no futuro sem qualquer tipo de pretensão profética. Pensar, não significa nada fazer; o pensamento é em si mesmo acção no seu diálogo com o mundo entendido como destino. Parece-me que a distinção, de origem metafísica, entre teoria e praxis, e a representação de uma transmissão que se efectua entre um e outro conceito, impede o caminho à compreensão daquilo que entendo por pensar. Talvez deva remeter-vos para as lições surgidas em 1954 intituladas O que Significa Pensar? Talvez seja um sinal dos tempos que decorrem, o facto de este escrito ser precisamente o menos lido de todos os que publiquei." - Heidgger
Preciso ler mais Heidgger....
Preciso ler mais Heidgger....
Still dancing - non stop
Bom mesmo é ver Seu Jair do Cavaco dançar no palco e saber que a vida é contínua, apesar dos dissabores, do cansaço, da alma que abarca tudo, do termo que não vem. No fim, vale a permanência da música que virou meu lema: "A sorrir eu pretendo levar a vida, pois chorando eu vi a mocidade perdida."
Amanhã será dia 13, sexta-feira 13, e essa data tem um significado renovado, como tudo na natureza...amanhã é aniversário do meu amor.
Sim, a vida é contínua...
Amanhã será dia 13, sexta-feira 13, e essa data tem um significado renovado, como tudo na natureza...amanhã é aniversário do meu amor.
Sim, a vida é contínua...
terça-feira, abril 26, 2005
Noel Rosa e a Tempestade
Esse samba não ia entrar no novo disco. Não guarda maiores similitudes com o espírito do projeto, é um samba calmo, quase uma bossa. Mas o resultado agradou tanto e a todos, que não tive como apartá-lo. Será um interlúdio...um samba que fala de fogões, geladeiras, mentiras e videotapes...
Noel Rosa e a Tempestade
Vai, vai, vai, vai que eu tô indo embora
Esqueça os sambas que te fiz
Esqueça a minha história
Vai, vai, vai, vai com essa dor tamanha
Que eu já fui pro o Mundo me curar
Da tua ausência estranha
E vá deixando a tempestade para mim, eu quero que ela venha sim
Chover no que eu deixei pra trás
Meu bem, não adianta mais repartir as coisas por nós dois
Deixemos isso prá depois
Eu quero a chuva só pra mim
Vai, vai, vai, vai pelo Mundo afora
Sangrar o sangue que eu perdi
No vão da minha memória
Vai, vai, vai, vai na meação de nada
O samba passou por aqui
E deixou minha voz guardada
E vá deixando Noel Rosa para mim, eu quero que ele venha sim
Cantar o que eu deixei pra trás
Meu bem, não adianta mais repartir os sambas por nós dois
Deixemos isso pra depois
Noel Rosa só pra mim
Noel Rosa e a Tempestade
Vai, vai, vai, vai que eu tô indo embora
Esqueça os sambas que te fiz
Esqueça a minha história
Vai, vai, vai, vai com essa dor tamanha
Que eu já fui pro o Mundo me curar
Da tua ausência estranha
E vá deixando a tempestade para mim, eu quero que ela venha sim
Chover no que eu deixei pra trás
Meu bem, não adianta mais repartir as coisas por nós dois
Deixemos isso prá depois
Eu quero a chuva só pra mim
Vai, vai, vai, vai pelo Mundo afora
Sangrar o sangue que eu perdi
No vão da minha memória
Vai, vai, vai, vai na meação de nada
O samba passou por aqui
E deixou minha voz guardada
E vá deixando Noel Rosa para mim, eu quero que ele venha sim
Cantar o que eu deixei pra trás
Meu bem, não adianta mais repartir os sambas por nós dois
Deixemos isso pra depois
Noel Rosa só pra mim
segunda-feira, abril 25, 2005
Luciana e Andreia em Sampa
Quem disse que os opostos não se atraem....quem disse que os opostos são opostos....E lá se vão Lulu e Andreia rumo ao Masp e à Zara, e o mundo se me reconstrói sem ideais, sem meatafísica, sem nada...
Um beijo meus dois amores, vocês sequer sabem da importância de vocês em minha vida.
Na próxima eu estarei lá com certeza, para gastar os tubos e não me arrepender de nada; que tudo vale a pena, quando estou com vocês.
Um beijo meus dois amores, vocês sequer sabem da importância de vocês em minha vida.
Na próxima eu estarei lá com certeza, para gastar os tubos e não me arrepender de nada; que tudo vale a pena, quando estou com vocês.
segunda-feira, abril 18, 2005
domingo, abril 17, 2005
quinta-feira, abril 07, 2005
Beatriz
Minha nova sobrinha, seja bem-vinda. Em meio a um turbilhão de coisas rápidas seu choro rompe a madrugada enchendo o meu quarto adormecido de boas notícias. O tempo me corrói a ponto de impedir lhe construir algo realmente belo, mas trago como oferenda o anúncio da chegança de outra criança que tomo emprestado para saudar você. É a música de Caetano Veloso, do primeiro disco dele que adquiri com dinheiro da minha mesada, nos idos anos de 1991. É uma linda música que me inspira a um dia compor algo símile na chegança dos seus primos.
Boas-vindas, minha linda;
Boas-vindas
Caetano Veloso
Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E a mãe do seu irmão
Minha mãe e eu
Meus irmãos e eu
E os pais da sua mãe
E a irmã da sua mãe
Lhe damos as boas-vindas
Boas-vindas, boas-vindas
Venha conhecer a vida
Eu digo que ela é gostosa
Tem o sol e tem a lua
Tem o medo e tem a rosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a noite e tem o dia
A poesia e tem a prosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a morte e tem o amor
E tem o mote e tem a glosa
Eu digo que ela é gostosa
Eu digo que ela é gostosa
Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E o irmão da sua mãe
Boas-vindas, minha linda;
Boas-vindas
Caetano Veloso
Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E a mãe do seu irmão
Minha mãe e eu
Meus irmãos e eu
E os pais da sua mãe
E a irmã da sua mãe
Lhe damos as boas-vindas
Boas-vindas, boas-vindas
Venha conhecer a vida
Eu digo que ela é gostosa
Tem o sol e tem a lua
Tem o medo e tem a rosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a noite e tem o dia
A poesia e tem a prosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a morte e tem o amor
E tem o mote e tem a glosa
Eu digo que ela é gostosa
Eu digo que ela é gostosa
Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E o irmão da sua mãe
segunda-feira, abril 04, 2005
Elegia ao Perdão
Eu te perdôo, vida eterna, pelo que não fostes
Silencio teus erros nos meus erros, para ficarmos quites
Se errastes comigo foi porque eras gente, e tua carne era de carne – não de infinito
Eu te perdôo, vida eterna, pelos teus gritos
Mereço cada um deles por não ser Cristo
Toma em contrapartida esse meu olhar baixo, esse silêncio tão tímido de homem remido
Eis minha outra face – e ela é igual à mesma
Sempre uma face que se dá por outra, mas é a mesma
Eu te perdôo, vida eterna, pela tua vontade, e oferto a ti a mesma face pelo que desejas
Eu te perdôo, vida eterna, pela tua finitude
Tu que acabas em ti e disso te orgulhas
(eu sou maior que tua vontade porque um dia eu morro)
E é nas cinzas já mortas que recomeçam as fagulhas
Silencio teus erros nos meus erros, para ficarmos quites
Se errastes comigo foi porque eras gente, e tua carne era de carne – não de infinito
Eu te perdôo, vida eterna, pelos teus gritos
Mereço cada um deles por não ser Cristo
Toma em contrapartida esse meu olhar baixo, esse silêncio tão tímido de homem remido
Eis minha outra face – e ela é igual à mesma
Sempre uma face que se dá por outra, mas é a mesma
Eu te perdôo, vida eterna, pela tua vontade, e oferto a ti a mesma face pelo que desejas
Eu te perdôo, vida eterna, pela tua finitude
Tu que acabas em ti e disso te orgulhas
(eu sou maior que tua vontade porque um dia eu morro)
E é nas cinzas já mortas que recomeçam as fagulhas
sexta-feira, abril 01, 2005
Santo Amaro das Salinas
Santo Amaro das Salinas era um forte construído no século XVII pelos Portugueses e que foi incendiado pelos Holandeses. Deu nome ao bairro em que moro. Um dos bairros mais violentos da cidade, com várias favelas, avenidas tomadas por igrejas evangélicas, e uma comprida avenida - em particular - onde travestis fazem o trottoir. Mas apesar de tudo, é também um bairro que abriga a Rua bela da Aurora (uma rua de nome antigo que permaneceu ás ruas fulanas de tal preconizadas e previstas por Manuel Bandeira) e que tem a vista mais linda de toda a cidade a partir da ponte que liga o Recife ao Bairro do Recife. Tem também casinhas residenciais quase interioranas e uma tranquilidade nos fins de semana que beira a solidão das cidades fantasmas. Tem uma capela centenária escondida em uma pracinha que ninguém vê, a não ser que se preste muita atenção (como sói ocorrer com as coisas realmente belas).Tem um barzinho de esquina que se mantém ao longo dos anos apesar de alguns bares da moda com verniz de moderno (seja lá o que isso for) - que agrupam independentes que moram com a mamãe - se instalarem por lá. Lá, nesse bairro tão recifense em sua ontologia - está incrustada minha residência. E moramos felizes por lá, apesar do barulho do trânsito e das orações que expulsam todos os demônios - menos os meus. O fato é que vou me mudar para um bairro tão belo que dói nos olhos. Um bairro que sempre residiu no meu subconsciente como uma porção de existência digna em meio a tantos problemas que são rotineiros em Santo Amaro.
Histórico e cultural bairro de Casa Forte, minha alma é um engenho de cana que te abriga desde cedos anos. Mas há um meandro que me entristece lá no fundo de mim: de não querer largar as terras de Santo Amaro das Salinas, outroras valentes contra o invasor, hoje sobreviventes dos problemas instrínsecos ao seu pedaço de urbis.
Santo Amaro é um fio de manga que se instalou entre meus dentes: mas como dói...
Histórico e cultural bairro de Casa Forte, minha alma é um engenho de cana que te abriga desde cedos anos. Mas há um meandro que me entristece lá no fundo de mim: de não querer largar as terras de Santo Amaro das Salinas, outroras valentes contra o invasor, hoje sobreviventes dos problemas instrínsecos ao seu pedaço de urbis.
Santo Amaro é um fio de manga que se instalou entre meus dentes: mas como dói...
terça-feira, março 29, 2005
Aqui, noutro reino
Uma das coisas boas de se perder no mar, é matar um pouco do continente que sufoca a alma com seus pedregulhos de asfalto e brita. Acho que por isso fui para lá. Aconselho a todos que querem saber como a vida deveria ser aqui no Brasil. Muita vagabundagem e ócio criativo. Muito sol e gente sorrindo. Cheiro de mato e de mar. Coisas da terra, mixiras. Um travo de caju e o mel do bolo de rolo a confundir o palato. Uma rede para não pensar em nada, nem mesmo em pensar o pensar. Se o português é uma chuva observada de uma torre, o brasileiro é um mar azul em uma tarde que caindo dá outra cor à casinha praieira que ninguém sabe de quem é. Volto prá lá um dia...prá ler o poema de Paulo Leminski que enfeita a sala de jantar:
"Aqui, nesta pedra
alguém parou para olhar o mar
O mar não parou para ser olhado
foi mar prá tudo o quanto é lado"
Nada mais digo; convido: www.aldeiabeijupira.com.br
"Aqui, nesta pedra
alguém parou para olhar o mar
O mar não parou para ser olhado
foi mar prá tudo o quanto é lado"
Nada mais digo; convido: www.aldeiabeijupira.com.br
segunda-feira, março 28, 2005
Quando Lisboa acordar
Há exatamente dez anos atrás, eu pisava pela primeira vez Lisboa. Desde então iniciei com Portugal uma relação tão intensa que chego a sentir na minha genética a familiaridade das coisas e das gentes que estão a um oceano de distância. Quis o bom ou mau destino que justamente este ano eu não mate a saudade tão portuguesa da terra que não é minha. Talvez seja uma dessas ironias finas que passeiam pela obra de Eça de Queiroz; ironia do destino, que é mais irônico que as gentes. Mas carrego comigo a permanência da alma portuguesa, tronco do meu espírito. Fico então a dedilhar o violão que comprei no Rossio, tendo como estrada fronte não o concreto do mundo, mas meu único e inafastável étimo.
Que pode fazer um brasileiro senão comprar o último disco do Madredeus e a Box dos Maias? Ou ainda...escrever coisas assim:
Ai de minh´alma que nasceu tão portuguesa
E vive imersa na tristeza por não conhecer outro mar
Assenhora-se de tudo e de tudo tem saudades
Até mesmo das novidades que nem veio a conhecer
Ai de minh´alma que nasceu tão portuguesa
E se afasta da beleza para poder se entristecer
Tem por tudo que lhe é aparte a semente do seu mal
E não conhece maior alegria que ser triste em Portugal
Que pode fazer um brasileiro senão comprar o último disco do Madredeus e a Box dos Maias? Ou ainda...escrever coisas assim:
Ai de minh´alma que nasceu tão portuguesa
E vive imersa na tristeza por não conhecer outro mar
Assenhora-se de tudo e de tudo tem saudades
Até mesmo das novidades que nem veio a conhecer
Ai de minh´alma que nasceu tão portuguesa
E se afasta da beleza para poder se entristecer
Tem por tudo que lhe é aparte a semente do seu mal
E não conhece maior alegria que ser triste em Portugal
quarta-feira, março 16, 2005
Aula de Física
Suponhamos um rapaz, condições normais de temperatura e pressão
a constante da velocidade a incidir sobre ele
o tempo instável a dividir em dois o volume da massa
O que ele pode fazer, senão continuar e continuar
E ter amado o equívoco e desfeito o passado
E retomado o caminho até refazer o cálculo
Que fórmula de física ninguém acerta de primeira
a constante da velocidade a incidir sobre ele
o tempo instável a dividir em dois o volume da massa
O que ele pode fazer, senão continuar e continuar
E ter amado o equívoco e desfeito o passado
E retomado o caminho até refazer o cálculo
Que fórmula de física ninguém acerta de primeira
segunda-feira, março 14, 2005
Hai-Kai para Mari
Neve nos cedros
na terra quente vejo:
o que há só no desejo
Para Mariana, pela saudade que sinto e que foi atenuada um pouco na semana que passou. Hai-kai é a sua cara, Milady...tentei fazer um tradicional, com o promeiro degrau do imutável, o segundo do fenômeno e o terceiro, da síntese. Só transbordei nas sílabas; mas o carinho é todo oriental.
na terra quente vejo:
o que há só no desejo
Para Mariana, pela saudade que sinto e que foi atenuada um pouco na semana que passou. Hai-kai é a sua cara, Milady...tentei fazer um tradicional, com o promeiro degrau do imutável, o segundo do fenômeno e o terceiro, da síntese. Só transbordei nas sílabas; mas o carinho é todo oriental.
quinta-feira, março 10, 2005
Fatwa
Hoje eu saio para conquistar o mundo, mas o mundo não me interessa
Homens me oferecem desejos embrulhados em papel translúcido, mas não pararei
uma criança gritou, confusa e insana, "ladrão", mas não olharei, ainda que o grito tenha sido para mim
Um demônio me leva ao topo da montanha, mas não sou Cristo, fica para outra hora
Deuses me oferecem o panteão da literatura, mas as palavras me escapam para a boca de outro, não, não posso parar
A morte me convida para juntar-me a mim-descoberto e me inteirar enfim (hoje não, hoje não posso)
Deputados, Ministros, Homens-de-si-para-si...não posso parar
Algo aconteceu, carrego em minhas mãos um presente
Nada mais me interessa, a não ser a entrega e o aceite
No outro lado de mim, ela me espera de braços abertos:
"toma", digo ao deixar para trás uma Enciclopédia escrita por 29 anos
E o mundo recomeça nesse primeiro ano de uma meia vida inteira:
Que belas, minha bela, são as coisas refeitas
PS - Feliz aniversário para nós dois, meu amor. Se você pedir baixinho (como sempre faz, antes de dormir) eu lerei um poema de Fernando Pessoa para você. Fogo do sol, carne da lua.
Homens me oferecem desejos embrulhados em papel translúcido, mas não pararei
uma criança gritou, confusa e insana, "ladrão", mas não olharei, ainda que o grito tenha sido para mim
Um demônio me leva ao topo da montanha, mas não sou Cristo, fica para outra hora
Deuses me oferecem o panteão da literatura, mas as palavras me escapam para a boca de outro, não, não posso parar
A morte me convida para juntar-me a mim-descoberto e me inteirar enfim (hoje não, hoje não posso)
Deputados, Ministros, Homens-de-si-para-si...não posso parar
Algo aconteceu, carrego em minhas mãos um presente
Nada mais me interessa, a não ser a entrega e o aceite
No outro lado de mim, ela me espera de braços abertos:
"toma", digo ao deixar para trás uma Enciclopédia escrita por 29 anos
E o mundo recomeça nesse primeiro ano de uma meia vida inteira:
Que belas, minha bela, são as coisas refeitas
PS - Feliz aniversário para nós dois, meu amor. Se você pedir baixinho (como sempre faz, antes de dormir) eu lerei um poema de Fernando Pessoa para você. Fogo do sol, carne da lua.
segunda-feira, fevereiro 28, 2005
quinta-feira, fevereiro 24, 2005
Da saudade e outras coisas
Lendo um texto em um jornal amarelado pelo tempo, o tempo me pergunta: de que tens saudade (que o tempo usa o tempo verbal tu, como toda instituição eterna).
Entre viagens para lugares inimagináveis, amores passados a limpo, entre bebedeiras intermináveis, e glórias pequenas (como a de estar vivo), tive saudade de um ponto obscuro da minha vida. E não sei bem porque entre tantas damas cheias de ouro e jade peguei na mão de uma serva, e findei por escolher um momento sem grandes significações dentro de uma biografia quiçá um dia existente.
Saudade, tempo, sinto daquele dia em que nos enfurnamos no carro de Mário e fomos para Enseada dos Golfinhos, e eu já não era um menino, mas também não era o homem que hoje sou. Enseada dos Golfinhos é uma praia perto de Itamaracá sem maiores atrativos turísticos, fora da circunscrição de festas que assola as praias do litoral sul do meu Estado. É uma prainha de nada, depois de um caminho margeado pela mata fechada (pelo menos assim me lembro da praia, talvez seja apenas uma construção da lembrança, como, de resto, é o mundo inteiro).
Fomos eu, o Gordo (todo mundo tem um amigo Gordo), Gabriel e Mário. Não havia qualquer desejo de estripulias sem responsabilidades, ou de experiências sensorias individualistas ou em grupo (como rituais primitivos...bom, vocês entenderam). Estávamos querendo sair um pouco da rotina, na inocência de alguém que só deseja a praia longe ao reverso do concreto perto.
Saudade tenho da gastronomia, a despeito do frango assado comprado na padaria, na beira do caminho, e da farofa industrializada requentada no fogão meia boca (que deu uma nova definição a minha esofagite). Passamos muito bem; talvez porque naquela época nossa língua era menos áspera e qualquer coisa com bastante sal fosse uma festa para o nosso paladar.
Saudade tenho do banho de mar que tomávamos no fim de tarde, olhando as meninas passando, com a única obrigação de não pensar em nada, nem nas meninas. Da areia batendo nas costas sopradas pelo terral.
Saudade tenho da maconha degustada vagarosamente na rede, enquanto o solo de bateria na música de Jorge Ben ia ficando cada vez maior, até tomar conta do nosso sono.
Saudade tenho do futuro incerto que ditava a moda naquela época, e eu só queria morrer muito cedo depois de ter gravado um disco conceitual e ter publicado meu livro de poemas. Éramos todos efànt terribles sem nos darmos contas que acharíamos belos os poemas de Verlaine, embora não tivessemos a maturidade de assumirmos que gostaríamos de lê-los.
Saudade tenho da dor da volta, da poeira levantada pelo carro e nossos rostos pigando de suor enquanto encostávamos nos colchões que havíamos levado para amortecer nossas almas.
Saudade eu tenho desse tempo em que eu não tinha saudade de nada.
Entre viagens para lugares inimagináveis, amores passados a limpo, entre bebedeiras intermináveis, e glórias pequenas (como a de estar vivo), tive saudade de um ponto obscuro da minha vida. E não sei bem porque entre tantas damas cheias de ouro e jade peguei na mão de uma serva, e findei por escolher um momento sem grandes significações dentro de uma biografia quiçá um dia existente.
Saudade, tempo, sinto daquele dia em que nos enfurnamos no carro de Mário e fomos para Enseada dos Golfinhos, e eu já não era um menino, mas também não era o homem que hoje sou. Enseada dos Golfinhos é uma praia perto de Itamaracá sem maiores atrativos turísticos, fora da circunscrição de festas que assola as praias do litoral sul do meu Estado. É uma prainha de nada, depois de um caminho margeado pela mata fechada (pelo menos assim me lembro da praia, talvez seja apenas uma construção da lembrança, como, de resto, é o mundo inteiro).
Fomos eu, o Gordo (todo mundo tem um amigo Gordo), Gabriel e Mário. Não havia qualquer desejo de estripulias sem responsabilidades, ou de experiências sensorias individualistas ou em grupo (como rituais primitivos...bom, vocês entenderam). Estávamos querendo sair um pouco da rotina, na inocência de alguém que só deseja a praia longe ao reverso do concreto perto.
Saudade tenho da gastronomia, a despeito do frango assado comprado na padaria, na beira do caminho, e da farofa industrializada requentada no fogão meia boca (que deu uma nova definição a minha esofagite). Passamos muito bem; talvez porque naquela época nossa língua era menos áspera e qualquer coisa com bastante sal fosse uma festa para o nosso paladar.
Saudade tenho do banho de mar que tomávamos no fim de tarde, olhando as meninas passando, com a única obrigação de não pensar em nada, nem nas meninas. Da areia batendo nas costas sopradas pelo terral.
Saudade tenho da maconha degustada vagarosamente na rede, enquanto o solo de bateria na música de Jorge Ben ia ficando cada vez maior, até tomar conta do nosso sono.
Saudade tenho do futuro incerto que ditava a moda naquela época, e eu só queria morrer muito cedo depois de ter gravado um disco conceitual e ter publicado meu livro de poemas. Éramos todos efànt terribles sem nos darmos contas que acharíamos belos os poemas de Verlaine, embora não tivessemos a maturidade de assumirmos que gostaríamos de lê-los.
Saudade tenho da dor da volta, da poeira levantada pelo carro e nossos rostos pigando de suor enquanto encostávamos nos colchões que havíamos levado para amortecer nossas almas.
Saudade eu tenho desse tempo em que eu não tinha saudade de nada.
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
Como um sonho ruim
Eu sou como um sonho ruim
De alguém – que em uma noite suada – lutou para sair e saiu
E em um momento ficou o sonho como algo de dentro para fora a observar quem desperta de fora para dentro
E aos poucos vou desaparecendo como o vapor de coisa que só existiu para os olhos fechados
Em vão luto para permanecer, não permanecerei ainda que lute
Enquanto o que é real desperta,vou adormecendo e me perdendo de mim
E cada segundo da consciência desperta vale a inexistência de um constitutivo meu
Toco meus pés, mas já não há pés
Toco meus braços, mas já não há braços
Toco minhas mistagogias, mas não há nem fé em mim, nem em nada
Pois já não sou eu: sou aquele que desperta de mim e não se lembra
E só pressente o sonho ruim que o precedeu
O pesadelo da inexistência é não ser lembrado.
De alguém – que em uma noite suada – lutou para sair e saiu
E em um momento ficou o sonho como algo de dentro para fora a observar quem desperta de fora para dentro
E aos poucos vou desaparecendo como o vapor de coisa que só existiu para os olhos fechados
Em vão luto para permanecer, não permanecerei ainda que lute
Enquanto o que é real desperta,vou adormecendo e me perdendo de mim
E cada segundo da consciência desperta vale a inexistência de um constitutivo meu
Toco meus pés, mas já não há pés
Toco meus braços, mas já não há braços
Toco minhas mistagogias, mas não há nem fé em mim, nem em nada
Pois já não sou eu: sou aquele que desperta de mim e não se lembra
E só pressente o sonho ruim que o precedeu
O pesadelo da inexistência é não ser lembrado.
terça-feira, fevereiro 15, 2005
Sebastião
Hoje ele faz anos. Como conhecer aquele de quem eu só ouvia estórias? De repente, era quase uma lenda. Eu imaginava-o como um gigante de seis braços que corria atrás de bois fugidos, e, com apenas um passo já estava lá no Mato Grosso iluminando o pasto com a luz da lua que saía pelas mãos dele. Um dia, resolvi pedir a mão da filha dele em casamento. Armei-me com todos os verbos, ensaiei todo meu karatê e desenhei katas no ar, tudo para quando colocasse o meu amor na cela do meu cavalo cinza ele nada pudesse fazer. Imaginei o exercício do contraditório, a luta de braço armada desde sempre. Ao chegar na sala, fui recebido por um homem simples, que não havia escolhido a melhor das camisas para me receber. Acho que ele estava mais com medo do que eu. E apesar de todo medo que aquele pequeno gigante deixava transparecer pelos poros, ele foi muito claro ao me dizer que forjaria um exército se eu machucasse a filha dele. Não precisava tanto, ele já havia me ganhado pelas palavras que sua língua rude não conseguiu dizer, mas que seus olhos gritaram aos meus, abrindo a porta da família dele para esse humilde servo que deitou sua coroa ao sair de casa. Eu o saúdo o homem simples, brasileiro e bom, como o anjo moreno que cuidava da irmã de Manuel Bandeira.
Feliz aniversário.
À Maria de Fátima, por ser quem ela é.
Feliz aniversário.
À Maria de Fátima, por ser quem ela é.
segunda-feira, fevereiro 14, 2005
Cherchez le sant
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
E quando a noite vai deixando o seu lugar
ela se perde entre o samba, o sol e o mar
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
O nome dela é Carolina Beira-Mar
Carolina, acende uma vela prá se achar
Ela já fez promessa para não pagar
pediu licença para ver meu orixá
Subiu ladeira prá tentar se encontrar
a noite inteira até o dia clarear
E nessa hora já não sei o que falar
se minha fé sumiu prá nunca mais voltar
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
O nome dela é Carolina Beira Mar
Carolina, acende uma vela prá se achar
a noite inteira até o dia clarear
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
E quando a noite vai deixando o seu lugar
ela se perde entre o samba, o sol e o mar
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
O nome dela é Carolina Beira-Mar
Carolina, acende uma vela prá se achar
Ela já fez promessa para não pagar
pediu licença para ver meu orixá
Subiu ladeira prá tentar se encontrar
a noite inteira até o dia clarear
E nessa hora já não sei o que falar
se minha fé sumiu prá nunca mais voltar
Ela não sabe prá que santo ela rezar
a noite inteira até o dia clarear
O nome dela é Carolina Beira Mar
Carolina, acende uma vela prá se achar
quinta-feira, fevereiro 10, 2005
Voltando...
Eu já me prometi ir ao carnaval do Rio de Janeiro, visitar Paulinho da Viola na Portela. Também prometi conhecer o carnaval de Minas Gerais, principalmente os das Cidades Históricas. Mas quando ouço os contra-tempos do frevo, os bandolins dos blocos, a tradição que acompanha cada pessoa que se desprende da vida para viver o transitório, não tem como alçar vôo. Meu tempo é este, meu chão está embaixo dos meus pés. Estou ligado por um cordão umbilical que não se rompe de jeito nenhum. Esse cordão é feito de um tempo que nunca vivi mas que dá uma saudade danada. Não adianta explicar...sempre foi assim. Como no "Iluminado" de Kubrick..."o senhor sempre foi o zelador"...eu estou integrado a esse carnaval antes mesmo de existir. Convido a todos para conhecer o carnaval do meu Estado - não estou sendo xenófobo ou bairrista, eu juro. A prefeitura do Recife está realmente organizando o melhor carnaval do país (até onde o Poder Público pode intervir em uma festa carnavalesca) - eu não estou sendo partidário, juro. Venham e me procurem. Eu levarei vocês para conhecer os acordes dos frevos de bloco nos ensaios do Bloco da Saudade; a beleza de se acordar no dia do Galo da Madrugada, o Recife antigo e suas razões que só a tradição conhece, Olinda e sua disposição para engoli-lo na democracia mais verdadeira que poderia existir e a tristeza da terça-feira à noite quando nos despedimos no "Eu Acho é Pouco". Venham, os que amam as coisas permanentes não vão se decepcionar. Aqui é um dos poucos lugares onde o Transitório carrega no seu ventre a Permanência.
PS 1 - Aos amigos, agradeço a folia.
PS 2 - Ao meu amor, obrigado por me revelar o carnaval através de seus olhos - finalmente eu encontro um eco ao meu lado.
PS 3 - Faltam 379 dias para vocês planejarem a vinda
PS 1 - Aos amigos, agradeço a folia.
PS 2 - Ao meu amor, obrigado por me revelar o carnaval através de seus olhos - finalmente eu encontro um eco ao meu lado.
PS 3 - Faltam 379 dias para vocês planejarem a vinda
quarta-feira, janeiro 26, 2005
Para bom entendedor meio sambinha basta
Pois é
suas pernas traçando o samba
já pisaram delicadas
quando eu machucava o pinho
forjando a linha do pandeiro
você jurava ao madeiro
que o samba não lhe era nada
hoje és de todas rodas
menos da que lhe precedia
essa que lhe tocou um dia
e que você fingia não ouvir
suas pernas traçando o samba
já pisaram delicadas
quando eu machucava o pinho
forjando a linha do pandeiro
você jurava ao madeiro
que o samba não lhe era nada
hoje és de todas rodas
menos da que lhe precedia
essa que lhe tocou um dia
e que você fingia não ouvir
terça-feira, janeiro 18, 2005
Tourada
Para falar bem a verdade, estou meio sem tempo de postar algo que valha a pena (com as escusas pela ausência de humildade). O engraçado é que fica uma cobrança estranha dentro de mim, como se eu fosse um leitor de mim mesmo. Para esse mim, digo algumas coisas: não é que eu esteja sem tempo por trabalho, dissertação, gravação, ensaios ou coisa que o valha. No fundo, no fundo é esse meu pensamento inafastável do carnaval. Eu só consigo pensar nas prévias, nos arranjamentos (existe esse anglicismo?) no que estar por vir; e é essa a melhor hora: a da existência iminente. Quando tudo é um quase desse mesmo tudo. Foi mal, mim. Para aliviar um pouco a cobrança, posto este poema inacabado. Difícil de ser construído. Mas o resultado de então vem me agradando muito. Então divido ele comigo. Até mais ver...
TOURADA
Isso, que me repudia, o matrimônio
Não entre a carne e a carne, mas a elegia
entre a carne e o aço, eu diria,
entre o touro e o braço à luz do dia
Isso, que me repudia, ou deveria, causar ânsia de vômitos ou apatia
Dantes me causa um assombro ou uma alegria
De ver em tal casamento a fidalguia
da união carne a carne à luz do dia
O touro, este esposo em fúria, de si avança
Para abraçar sua morte, febril se lança
Que o casamento na arena não guarda a vida
Mas une em antítese a carne a sua própria ferida
Que a arena é da vida a anti-vida, da parte a contra-parte
Onde há a união, mora o aparte
Onde nasce o homem, Deus encontra a morte
Onde encontras teu executor, eis o teu consorte
TOURADA
Isso, que me repudia, o matrimônio
Não entre a carne e a carne, mas a elegia
entre a carne e o aço, eu diria,
entre o touro e o braço à luz do dia
Isso, que me repudia, ou deveria, causar ânsia de vômitos ou apatia
Dantes me causa um assombro ou uma alegria
De ver em tal casamento a fidalguia
da união carne a carne à luz do dia
O touro, este esposo em fúria, de si avança
Para abraçar sua morte, febril se lança
Que o casamento na arena não guarda a vida
Mas une em antítese a carne a sua própria ferida
Que a arena é da vida a anti-vida, da parte a contra-parte
Onde há a união, mora o aparte
Onde nasce o homem, Deus encontra a morte
Onde encontras teu executor, eis o teu consorte
quarta-feira, janeiro 05, 2005
Trilha sonora para um filme
Plano aberto na Catedral de Veneza.Piazza San Marco. Fechando. Pombos voando. Intenção da câmera: sugerir que alguém se aproxima rapidamente pela revoada dos pombos. Ponto de chegada: alguém de costas. Surge uma mão que toca o "alguém de costas". Ele vira-se ao sentir o toque. Faz cara de surpresa e sorri. Inicia-se o diálogo.
(Ele): De todos os lugares do mundo, aqui era onde eu menos esperava encontrar você
(Ela): Que coincidência....eu te vi de longe e corri para ver ser era você mesmo...
(Ele): Você veio para cá com alguém?
(Ela): Com o meu marido...mas ele ficou no hotel. Tá morto de gripe. E você?
(Ele): Vim só...vim pagar uma promessa
(Ela): Aqui? Viajou isso tudo só para pagar uma promessa?
(Ele): É...na rota dos peregrinos...
(Ela): Você só é católico na Europa. Queria ver você pagando promessa em algum morro.
(Ele - sorrindo): Lua de mel?
(Ela): Curso de artes plásticas
(Ele): Então está no lugar certo...vi uns estudantes de arte desenhando naquela igreja que fica por detrás da Catedral
(Ela): Nossa Senhora da Saúde
(Ele): Essa mesmo...Lembrei de você, e veja que coincidência, depois de dois anos sem receber notícias suas dou de cara com você na Europa. Justamente na Europa.
(Ela - olha para o chão sorrindo)
(Ele): Bom...foi muito bom te ver...manda um alô para sua família...
(Ela): Papai faleceu...
(Ele - atônito) Quando? Como foi isso?
(Ela) Há uns dois meses. Estou fazendo essa viagem para respirar um pouco...
(Ele) Meu Deus...eu não sabia, sinto muito. Muito mesmo...eu tinha ainda tantas coisas para falar com ele
(Ela - chora)
(Ele - abraça ela): Ah...meu Deus.
(Ela) Acho que eu tinha que te encontrar aqui prá te dizer isso pessoalmente
(Ele) Desculpa....
(Ela) Desculpar o quê? Foi muito bom te encontrar aqui
(Ele) Depois de tanto tempo...eu até estranhei nós não termos nos encontrado antes.
(Ela) Não é estranho...? Era como se esse nosso laço não conseguisse se romper. Por mais que eu tentasse. Até que nós, esse nós, acabou sumindo por dois anos.
(Ele) Eu nunca entendi porque você nunca pôde conviver com esse laço. Ele sempre te incomodou.
(Ela) Não é isso. Eu só precisava viver uma vida diferente, sem aquele sufoco, sem o nosso passado, sem essa sombra gigantesca que não deixava eu mudar os meus cabelos...Eu precisava andar sem você
(Ele) E você andou...viveu, mudou, casou...
(Ela) andamos todos, não? Solitários, embora acompanhados. Andar só é extremamente necessário para que possamos saber de nós. Trilhar os nossos caminhos, nas nossas próprias rotas.
(Ele) Para acabarmos aqui
(Ela) Como assim?
(Ele) Nos encontrando solitários, nessa rota de peregrinos
(Ela - olha para o chão sem sorrir)
(Ele) Eu vou entrar na Catedral para pagar minha promessa...aqui termina minha demanda. Você vem?
(Ela) Eu tenho que voltar para o hotel...meu marido está muito gripado.
(Ele) Adeus
(Ela - só coloca o óculos escuros e se vira em direção do Canal)
(Ele): De todos os lugares do mundo, aqui era onde eu menos esperava encontrar você
(Ela): Que coincidência....eu te vi de longe e corri para ver ser era você mesmo...
(Ele): Você veio para cá com alguém?
(Ela): Com o meu marido...mas ele ficou no hotel. Tá morto de gripe. E você?
(Ele): Vim só...vim pagar uma promessa
(Ela): Aqui? Viajou isso tudo só para pagar uma promessa?
(Ele): É...na rota dos peregrinos...
(Ela): Você só é católico na Europa. Queria ver você pagando promessa em algum morro.
(Ele - sorrindo): Lua de mel?
(Ela): Curso de artes plásticas
(Ele): Então está no lugar certo...vi uns estudantes de arte desenhando naquela igreja que fica por detrás da Catedral
(Ela): Nossa Senhora da Saúde
(Ele): Essa mesmo...Lembrei de você, e veja que coincidência, depois de dois anos sem receber notícias suas dou de cara com você na Europa. Justamente na Europa.
(Ela - olha para o chão sorrindo)
(Ele): Bom...foi muito bom te ver...manda um alô para sua família...
(Ela): Papai faleceu...
(Ele - atônito) Quando? Como foi isso?
(Ela) Há uns dois meses. Estou fazendo essa viagem para respirar um pouco...
(Ele) Meu Deus...eu não sabia, sinto muito. Muito mesmo...eu tinha ainda tantas coisas para falar com ele
(Ela - chora)
(Ele - abraça ela): Ah...meu Deus.
(Ela) Acho que eu tinha que te encontrar aqui prá te dizer isso pessoalmente
(Ele) Desculpa....
(Ela) Desculpar o quê? Foi muito bom te encontrar aqui
(Ele) Depois de tanto tempo...eu até estranhei nós não termos nos encontrado antes.
(Ela) Não é estranho...? Era como se esse nosso laço não conseguisse se romper. Por mais que eu tentasse. Até que nós, esse nós, acabou sumindo por dois anos.
(Ele) Eu nunca entendi porque você nunca pôde conviver com esse laço. Ele sempre te incomodou.
(Ela) Não é isso. Eu só precisava viver uma vida diferente, sem aquele sufoco, sem o nosso passado, sem essa sombra gigantesca que não deixava eu mudar os meus cabelos...Eu precisava andar sem você
(Ele) E você andou...viveu, mudou, casou...
(Ela) andamos todos, não? Solitários, embora acompanhados. Andar só é extremamente necessário para que possamos saber de nós. Trilhar os nossos caminhos, nas nossas próprias rotas.
(Ele) Para acabarmos aqui
(Ela) Como assim?
(Ele) Nos encontrando solitários, nessa rota de peregrinos
(Ela - olha para o chão sem sorrir)
(Ele) Eu vou entrar na Catedral para pagar minha promessa...aqui termina minha demanda. Você vem?
(Ela) Eu tenho que voltar para o hotel...meu marido está muito gripado.
(Ele) Adeus
(Ela - só coloca o óculos escuros e se vira em direção do Canal)
segunda-feira, janeiro 03, 2005
Oração a Oxóssi
Neste ano cabalístico que se horizonta, com boas perspectivas na nossa frente, coloco no blog a oração de Oxóssi (meu orixá) que abrirá o disco do "Som na Caixa, Mané".
Oxóssi
Oxóssi Rei, meu Oxóssi Rei
Livrai-me das minhas mágoas
Livrai-me das minhas agonias
Eu abro com teu canto negro
Para que nessa terra reine a paz e a harmonia
Oxóssi Rei, meu Oxóssi Rei
Nesse tempo de bombas apátridas
O meu escudo é minha fé, é o meu guia
Fechai meu corpo para o que vejo e não percebo
Abri meu corpo para o consolo da alforria
Oxóssi Rei, meu Oxóssi Rei
Quando o teu arco e flecha
Glorificarem toda a minha infantaria
De que valerão os percalços da minha noite
De que valerão os percalços do meu dia
Oxóssi
Oxóssi Rei, meu Oxóssi Rei
Livrai-me das minhas mágoas
Livrai-me das minhas agonias
Eu abro com teu canto negro
Para que nessa terra reine a paz e a harmonia
Oxóssi Rei, meu Oxóssi Rei
Nesse tempo de bombas apátridas
O meu escudo é minha fé, é o meu guia
Fechai meu corpo para o que vejo e não percebo
Abri meu corpo para o consolo da alforria
Oxóssi Rei, meu Oxóssi Rei
Quando o teu arco e flecha
Glorificarem toda a minha infantaria
De que valerão os percalços da minha noite
De que valerão os percalços do meu dia
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